1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O negacionismo climático envernizado de Luiz Molion

Nádia Pontes | Meghie Rodrigues | Diogo de Oliveira | Eduardo Geraque
30 de junho de 2023

Em busca de holofotes, um dos pioneiros da meteorologia brasileira abraça a desinformação por décadas.

https://p.dw.com/p/4TEni
Tratores vermelhos em plantação de soja
Para Luiz Molion, a sedutora ideia de ganhar mais adeptos começou com a defesa de que CO2 seria benéfico para a agricultura, e não um dos principais aceleradores das mudanças climáticasFoto: Getty Images/AFP/Y. Chiba

Conhecido por palestras direcionadas principalmente a representantes do agronegócio, o meteorologista Luiz Carlos Molion nem sempre foi um negacionista da influência humana sobre as mudanças climáticas. O pesquisador é um dos atores que presenciou o nascimento da climatologia brasileira nas décadas de 1970 e 1980, após se formar em instituições de peso como as universidades de São Paulo (USP) e Wisconsin, nos Estados Unidos.

Em meados dos anos 1980, Molion chegou ao cargo de diretor associado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde fez carreira ao longo de mais de duas décadas. Em 2010, ganhou destaque representando o Brasil na 15ª sessão da Comissão de Climatologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM), antes de se tornar docente na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de onde se aposentou em 2014.

Molion foi uma das pessoas que influenciou Carlos Nobre — pesquisador de destaque do Inpe e um dos climatologistas brasileiros mais conhecidos mundialmente — a entrar na meteorologia na década de 1970.

A mudança de postura começou no início dos anos 1990, segundo Nobre. Foi nessa época que Molion começou a desenvolver sistemas próprios de previsão do tempo, apesar do trabalho realizado pelo Inpe, e a negar e distorcer fenômenos amplamente conhecidos e estudados por físicos e meteorologistas.

Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, relembra que, exceto pela contribuição de Molion à OMM, o professor sempre ficou atrás de pares contemporâneos de sua área de atuação, como o próprio Nobre.

"Quando seu período na OMM se encerrou, a ciência parou de dar a ele o protagonismo que almejava. Molion parece ter saído em busca de holofotes, e a visibilidade dele se alavancou quando começou a defender ideias fora do consenso científico. Acho que isso o seduziu", observa Costa.

Um amplo círculo à esquerda, à direita e além

Dentre as ideias que passaram a ser defendidas por Molion está a de que o dióxido de carbono (CO2), gás que turbina em níveis perigosos o processo natural do efeito estufa, seria benéfico para a agricultura, e não um dos principais aceleradores das mudanças climáticas.

Em suas palestras, o professor também costuma dizer que as mudanças climáticas que o planeta atravessa têm causas naturais — como o aumento da atividade solar — e que o impacto da atividade humana sobre este processo é irrisório. Esse tipo de afirmação vai na contramão do que aponta o consenso científico, compilado em relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Em uma audiência pública no fim de 2009, Aldo Rebelo, então deputado federal por São Paulo pelo PCdoB e relator do Novo Código Florestal Brasileiro, convidou Molion para dar seu ponto de vista — que ajudou a embasar o parecer do deputado. Na ocasião, Molion disse que o dióxido de carbono "não controla o clima global".

Em outra audiência pública, em 28 de maio de 2019, organizada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, Molion falou sobre mudanças climáticas e aquecimento global a convite de Nelsinho Trad, senador por Mato Grosso do Sul filiado ao PSD, membro da Frente Parlamentar Agropecuária e presidente da comissão à época. Na ocasião, chegou a dizer que os modelos climáticos do IPCC seriam "rudimentares" e "imprecisos", e que o órgão "erra em tudo" porque "as nuvens são o grande controlador da entrada de radiação solar, então é impossível os modelos do IPCC acertarem".

Gilberto Câmara, geoinformático e pesquisador do Inpe, diz que Molion não tem embasamento no que diz, já que nunca trabalhou com modelagem climática. "Ele tem tanta autoridade para fazer essa afirmação quanto qualquer não especialista na área. Molion comete uma falácia de autoridade. No quesito modelagem do clima, ele tem os pés de barro", avalia.

As conexões de Molion com o agronegócio extrapolam as audiências em Brasília. De janeiro de 2022 para cá, o professor fez pelo menos 26 participações em eventos — em sua maioria promovidos pelo setor —, em cidades que iam de Petrolina (PE) a Dom Pedrito (RS).

Além de palestras, Molion também desenvolve projetos de consultoria. Em fevereiro de 2014, pouco antes de se aposentar da Ufal, ele foi contratado pela Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Tocantins (SEMADES) para prestar consultoria na elaboração do Atlas Solar do Estado do Tocantins. O objetivo foi estudar o potencial de energia solar para atrair investimentos em energia limpa.

Em um extrato do contrato, publicado no Diário Oficial do Tocantins de 2 de abril de 2014, consta o valor de R$ 204,7 mil para a contratação do professor. O contrato com Molion foi paralisado por duas vezes em 2015 e outra vez em 2018, tendo sido retomado em 2019. O projeto custou quase R$ 875 mil, e os primeiros resultados vieram a público em julho de 2018.

Procurada, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins não respondeu ao contato da reportagem até o fim da edição.

Influência acadêmica

Entre os locais nos quais Molion tem presença em palestras estão instituições de ensino superior, algumas delas universidades federais.

A produção que conferiu a legitimidade de verniz acadêmico que Molion apregoa nessas palestras veio da produção científica que desenvolveu antes de se juntar às fileiras do negacionismo. Entre 1978 e 2017, ele publicou 46 artigos científicos, segundo consta em seu currículo Lattes, a principal base de dados de pesquisadores brasileiros. Destes, seis trabalhos nos quais colaborou estão em revistas de qualis A1, a melhor avaliação de acordo com o sistema Qualis Capes. A vasta maioria — cinco deles — foi publicada entre 1990 e 2006, e um, em 2017. Nenhum dos seis artigos contesta a influência humana no aquecimento global.

O primeiro texto dele neste sentido, Um Século e Meio de Aquecimento Global?, foi publicado em 1995 na revista Cadernos de Geociências, que tem baixo fator de impacto, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Costa conta que, além de algumas universidades pelo interior do Brasil, a influência de Molion alcança também a Sociedade Brasileira de Meteorologia (SBMet). Foi mobilizando ressentimentos e insatisfações de parte da comunidade da Meteorologia que ele e pesquisadores do seu entorno chegaram à cúpula da instituição, analisa Costa. "Ao contrário de instituições pares mundo afora, a SBMet claramente encampou o negacionismo climático e acabou se desvirtuando", afirma.

Procurada, a SBMet não respondeu ao contato da reportagem.

Aposentado do Inpe há quase 30 anos, Molion continua usando a instituição como credencial quando se apresenta em palestras, inclusive com a logomarca do instituto em apresentações. O mesmo ocorre com a Ufal, de onde se aposentou há quase uma década.

Consultado, Heliofabio Gomes, diretor do Instituto de Ciências Atmosféricas (ICAT) da Ufal disse que Molion faz uso indevido da logomarca da universidade, apontando que, ao se aposentarem, docentes têm que deixar claro não falar em nome da Universidade Federal de Alagoas. "A direção do Instituto de Ciências Atmosféricas não autorizou o professor aposentado a usar as logomarcas do Instituto ou da Ufal em suas palestras, pois o professor não tem vínculo atual com a instituição", afirma.

À DW, o Inpe disse que "não emite opinião ou comenta sobre matérias, falas ou posicionamento de terceiros independente do assunto".

Procurado, Luiz Carlos Molion não respondeu até o fechamento da reportagem.

--

*Esta reportagem foi feita com o apoio do programa Disarming Disinformation, do International Center for Journalists, e apoio financeiro do Instituto Serrapilheira. Disarming Disinformation é um esforço global de três anos com financiamento principal do Scripps Howard Fund.