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FRELIMO e RENAMO rejeitam acusações de conluio

17 de setembro de 2024

FRELIMO e RENAMO rejeitam terem existido acordos sobre o acesso ao poder em Moçambique. A acusação foi feita pelo CIP e teve como base declarações recentes dos líderes dos dois maiores partidos no país.

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Líder da RENAMO, Ossudo Momade, e líder da FRELIMO, Filipe Nyusi
CIP acusa RENAMO e FRELIMO de acordos de negociação de acesso ao poder

No seu boletim diário sobre o processo político em Moçambique, o Centro de Integridade Pública (CIP), acusou hoje a FRELIMO e a RENAMO de, nos últimos anos, terem feito "acordos de negociação de acesso ao poder" em Moçambique. Na base desta acusação estão declarações recentes de Ossumo Momade e Filipe Nyusi, líderes da RENAMO e FRELIMO, respetivamente.

No documento do CIP consultado pela DW, lê-se que, "durante a primeira semana da sua campanha eleitoral", Ossufo Momade afirmou, a 7 de setembro, em Cabo Delgado, o seguinte: "Quando vamos às eleições, eles (referindo-se ao partido FRELIMO) provocam fraudes, e desta vez, este ano de 2024, se eles provocarem fraude não vão fazer acordo comigo, terão que fazer acordo com a população moçambicana".

No entanto, e em entrevista à DW, o porta-voz do maior partido da oposição moçambicana, Marcial Macome, garante que as declarações em causa foram tiradas do contexto e usadas pelo CIP de "forma desfasada e mal intencionada".

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Segundo o porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o que Ossufo Momade afirmou foi que "ao fazerem fraude este ano, não haverá nenhuma negociação com ele, [a negociação] será com o povo", "porque a soberania reside no povo".

Marcial Macome acrescenta que Ossufo Momade "tomou este posicionamento em função do compromisso que tem com a paz, porque nos anos anteriores, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) estava habituada que o pós-eleições criasse situações que fossem resvalar em conflitos militares". É neste contexto, acrescenta Marcial Macome, que o presidente da RENAMO disse que ia "entrar pela via de conflito político-militar", "transferindo esta responsabilidade da reposição da verdade eleitoral ao povo", conclui Macome.

Já as acusações do CIP à FRELIMO têm como base o discurso do seu presidente Filipe Nyusi, que terá dito, na semana passada, em Vilankulo, que "não vamos deixar mais negociar Vilankulo" e que "Inhambane não vai negociar o poder".

Francisco Mucanheia, membro da Comissão Política da FRELIMO, diz à DW que isso não passa de especulação. "Os únicos acordos que existiram foram, por exemplo, em períodos pós-eleitorais, sobre conflitos", refere.

Por seu lado, Ivan Maússe, investigador do Centro de Integridade Pública, afirma que as declarações de Momade e Nyusi provam que RENAMO e FRELIMO "nunca quiseram que houvesse em Moçambique outras forças políticas".

Em entrevista à DW, Maússe considera ainda que a entrada de Venâncio Mondlane na cena política como candidato presidencial independente "representa uma alternativa àqueles que não queriam optar nem pela RENAMO nem pela FRELIMO e que sempre se abstiveram de ir votar".

DW África: Em que se baseiam as acusações do CIP sobre os alegados acordos de negociação de poder entre a FRELIMO e a RENAMO?

Ivan Maússe (IM): As declarações que o CIP faz menção no seu boletim de hoje baseiam-se nas aparições públicas de Ossufo Momade, que disse, em Cabo Delgado, que, "desta vez, para as eleições gerais de 2024, não iria permitir que houvesse qualquer tipo de negociação para que a FRELIMO pudesse ganhar eleições em algumas zonas", tal como aconteceu nas autárquicas de 2023. O mesmo acontece em relação ao discurso de Filipe Nyusi, que também, no contexto da campanha eleitoral, referiu que, "desta vez, não iria aceitar fazer qualquer tipo de negociação com vista a conseguir alguma vantagem eleitoral à RENAMO".

Isto prova claramente que, ao longo de muito tempo, foi havendo negociação entre a FRELIMO e a RENAMO em relação aos resultados eleitorais. Isto faz muito sentido num contexto em que o que temos vindo a assistir é à bipolarização do poder em Moçambique. A FRELIMO e a RENAMO nunca quiseram que houvesse em Moçambique outras forças políticas a não ser eles mesmos.

Ivan Maússe, investigador do CIP
Ivan Maússe afirma que as declarações de Momade e Nyusi provam que RENAMO e FRELIMO "nunca quiseram que houvesse em Moçambique outras forças políticas"Foto: privat

DW África: Segundo o CIP, estas negociações explicariam também por que é que a FRELIMO preferiu o Conselho Constitucional na decisão sobre os resultados eleitorais das autárquicas. É isso?

IM: Nas eleições autárquicas do ano passado, o que aconteceu foi que, em primeira instância, tínhamos os tribunais judiciais de distrito e de cidade a tomarem decisões - quer de anulação de eleições, quer de recontagem de votos - em zonas onde a oposição referia que tinha ganho. No entanto, de acordo com a CNE, os resultados estavam a favor da FRELIMO.

Se olharmos para a estrutura do Conselho Constitucional, vemos que a sua composição é político-partidária. A FRELIMO, que tem a maioria no Parlamento, tem a possibilidade de escolher mais juízes conselheiros para o Conselho Constitucional. Portanto, no contexto em que a FRELIMO não consegue ter o controlo efetivo ou absoluto sobre a totalidade dos tribunais judiciais, é mais fácil contar com o apoio do Conselho Constitucional com vista a garantir a satisfação dos interesses político-partidários.

DW África: Falava anteriormente que estes alegados "resultados negociados" beneficiariam essa falta de interesse da RENAMO e da FRELIMO para que haja outras forças políticas no país. Neste contexto, que impacto pode ter a chegada de Venâncio Mondlane à cena política como candidato presidencial independente?

IM: Representa uma alternativa àqueles que não queriam optar nem pela RENAMO nem pela FRELIMO, muito particularmente, para aqueles indivíduos que sempre se abstiveram de ir votar. Agora, com essa presença de Venâncio Mondlane e de todos os que o apoiam, significa que o voto popular poderá ser mais fiscalizado, o que pode fazer com que situações de fraude eleitoral possam reduzir significativamente.

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Ou seja, teremos mais pessoas interessadas em controlar aquilo que é o desempenho dos órgãos de gestão eleitoral que, em Moçambique, se encontram descredibilizados, porque se acredita que a CNE, assim como o STAE, são responsáveis por protagonizar situações de fraude eleitoral, que depois faz com que o país entre numa situação de tensão política que até pode chegar à situação de tensão político-militar, tal como aconteceu depois das eleições gerais de 2014.

DW África: Acha que esse é um cenário que se pode repetir em outubro?

IM: Com a revisão da lei eleitoral, o que se fez foi que se concedesse uma lei que não permitisse a ocorrência de situações de fraude eleitoral. No entanto, já se abre um espaço para que haja uma tensão política ou até militar depois da sexta votação.

De acordo com a nota que foi dada a público ontem, afinal de contas, já houve uma espécie de revogação da aprovação da lei eleitoral que determinava que se deviam usar urnas transparentes que só permitissem a inserção de um único boletim de voto por cada eleitor. A CNE aponta que, afinal de contas, não há condições financeiras para a aquisição de novas urnas.

DW África: A CNE justifica essa decisão por falta de tempo e dinheiro…

IM: Não tenho aqui dados que possam provar que simplesmente há falta de dinheiro. No entanto, de eleição a eleição em Moçambique, temos ouvido que os órgãos de gestão eleitoral sempre se queixam da falta de fundos, o que de alguma forma, pode ser verdade. Ainda assim, sendo uma obrigação que decorre da lei, cabia à CNE garantir que tal fosse cumprido. Mas isso é resultado desse constrangimento de se aprovar leis eleitorais faltando muito pouco tempo para a realização das mesmas.

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