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Angola: Salários "já não servem para comprar comida do mês"

15 de agosto de 2024

Os sindicatos reagem com preocupação ao anúncio da ministra das Finanças de Angola, que admitiu que poderá haver um novo atraso no pagamento dos salários da função pública.

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Greve geral em Luanda
Sinprof ameaça recorrer à greve em caso de atrasos constantes no pagamento dos saláriosFoto: B. Ndomba/DW

O atraso no pagamento dos salários da função pública já foi verificado no mês passado, devido ao serviço da dívida.

Depois de admitir que a situação poderá repetir-se, Vera Daves de Sousa, prometeu envidar esforços para que o risco seja minimizado, tendo em conta os constrangimentos que causa às famílias.

Entretanto, os argumentos da ministra das Finanças não convencem o Sindicato Nacional dos Professores de Angola (Sinprof).

Em entrevista à DW, o secretário-geral Admar Jinguma admite que se a situação não melhorar, os trabalhadores não vão ficar de braços cruzados – e retomar a greve geral suspensa em maio poderá ser uma hipótese.

DW África: Como reage a este preocupante anúncio de mais eventuais atrasos no pagamento dos salários da função pública?

Admar Jinguma (AJ): Coloca a pergunta muito bem. Este anúncio nos preocupa, de facto, na medida em que os salários na função pública em Angola já não são famosos. São, todos os dias, corroídos pela inflação. E, depois, vem o anúncio do seu atraso. Já não servem sequer para comprar a comida do mês ou até de duas semanas.

Este provável atraso vai criar, na verdade, muitas dificuldades na vida das famílias dos funcionários públicos que dependem unicamente do salário. De maneira que já estamos a ver os nossos trabalhadores a verem a vida ao avesso.

Pelo menos desta vez há um anúncio. Porque da outra vez, o Governo, aliás o próprio Ministério das Finanças veio com uma argumentação que não colava muito. Mas afinal, já está claro que o problema é mesmo de tesouraria.

"Não conseguimos sustentar a família, não temos comida"

DW África: O Governo diz que existe este risco porque está relacionado com a pressão do serviço da dívida, com os 'timings' da entrada do dinheiro. Esta justificação convence-os?

AJ: Não. Olha, nós temos um grande problema aqui. O Governo inclusive está muito interessado – eu não sei quais são os compromissos que assumiu. Uma dívida até questionável, porque esses empréstimos que foram contraídos pelo Governo, depois, acabaram por não resolver os problemas aqui. Esse orçamento tem 68% para pagar dívida e é dívida externa, porque os nossos empresários, aos quais o Governo também deve, estão aqui de rastos.

Essa argumentação não cola muito porque sabemos que o nosso Governo é especialista em fazer despesas orçamentais. Vem-nos agora com a notícia de aumentar mais três províncias. Um Governo que já está com dificuldades de pagar a tempo os funcionários públicos que tem, vai agora aumentar mais três províncias, mais municípios, mais trabalhadores. Portanto, a despesa vai aumentar.

Ademar Jinguma
Ademar Jinguma: "Se esses atrasos salariais se mostrarem frequentes, é claro que não teremos outra alternativa se não acionar os dispositivos legais e lutar pela regularização"Foto: Borralho Ndomba/DW

DW África: Perante este cenário de mais constrangimento para as famílias angolanas, podemos antever novas formas de luta da parte dos sindicatos? Relembro que suspenderam uma terceira fase da greve, em maio, que estava prevista para junho.

AJ: Exatamente, suspendemos. Quer dizer que podemos levantar essa suspensão a qualquer momento. Já lá se vão três meses desde que os acordos foram rubricados e alguns deles já não estão a ser cumpridos. O Governo, quando chegar o dia 28 de agosto, já estará em incumprimento em algumas questões que acordou com os sindicatos. Agora, se esses atrasos salariais se mostrarem frequentes, é claro que não teremos outra alternativa se não acionar os dispositivos legais e lutar pela regularização. O Governo não consegue ajustar o nosso salário à inflação.

Só para dar um outro exemplo, o Governo acha justa a propina das escolas privadas ao nível da inflação e o nosso salário não é ajustado ao nível da inflação. Portanto, já estamos com uma inflação acumulada muito grande, não vamos suportar se os salários não forem pagos a tempo. Portanto, chamamos mais uma vez a atenção ao Governo do Presidente João Lourenço e seus auxiliares para fazerem até o impossível para pagarem regularmente os salários dos trabalhadores - e isso inclui o salário do mês de agosto para não termos problemas com o Governo num futuro muito próximo, porque as famílias não podem pagar pela incompetência dos nossos governantes.

DW África: Portanto, vai ainda dar uma hipótese ao Governo de resolver estes problemas antes de reativarem a greve que, como disse, foi suspensa?

AJ: Exatamente. Nós costumamos sempre a optar pelo diálogo. Damos sempre tempo suficiente para que o Governo reveja as suas posições. Se notamos que não o está a fazer, vamos fazer aquilo que nos compete. Somos sindicatos e a nossa função é reivindicar pelo bem dos nossos trabalhadores. 

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