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FilmeBrasil

"Filmes assim mostram que o nazismo existiu"

16 de março de 2023

"Segundo Tempo", de Rubens Rewald, conta história de filhos de alemão que voltam para a terra do pai em busca da identidade, num retrato da atual diáspora brasileira.

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Cena de "Segundo Tempo", de Rubens Rewald
"Segundo Tempo" traça paralelo da tragédia humanista que foi o nazismo e a ascensão da extrema direita pelo mundoFoto: Divulgação/Pandora Filmes

Nascido em São Paulo, o cineasta Rubens Rewald conhece intimamente a realidade dos imigrantes. Seu pai, judeu, fugiu da Alemanha nazista em 1939 — primeiro, foi para a Bolívia; depois, chegou ao Brasil. Seus avós maternos, também judeus, instalaram-se no Rio Grande do Sul quando se viram obrigados a deixar a Turquia. De modo que ele cresceu ouvindo histórias desses exílios.

Diante da atual diáspora brasileira — dados do Itamaraty contam que são pelo menos 4,2 milhões de nascidos no Brasil que vivem em outros países atualmente —, ele acabou tematizando a recorrente história de descendentes de europeus que retornam às terras de seus antepassados. E daí nasceu Segundo Tempo, que ganhou o prêmio de melhor filme latino-americano no Festival de Cinema Judaico em Punta del Este, no Uruguai, e entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (16/03). 

Rubens Rewald
Rubens Rewald cresceu ouvindo histórias dos exílios dos antepassadosFoto: Divulgação/Pandora Filmes

"É o momento da volta à Europa", comenta ele. "Um momento muito difícil do Brasil, com crescimento da extrema direita, condições muito duras de sobrevivência, poucas perspectivas… Então, muitos brasileiros estão saindo."

Na obra, é inevitável o paralelo que Rewald acaba fazendo entre a tragédia humanista que foi o nazismo alemão e a periclitante ascensão da extrema direita pelo mundo.

"Essa é uma questão importante que me levou a fazer o filme: como isso, essa extrema direita, está ressurgindo no mundo e no Brasil. O fenômeno Bolsonaro foi isso. E o fenômeno Bolsonaro continua: metade do país continua apoiando isso, essa extrema direita continua forte, é uma realidade. Por isso é importante fazer filmes assim", argumenta.

DW Brasil: Dados do Itamaraty mostram que nunca houve na história tantos brasileiros morando fora do Brasil como hoje. Podemos dizer que Segundo Tempo funciona como uma crônica do tempo presente?

Rubens Rewald: Uma das razões do filme se chamar Segundo Tempo é justamente essa: é o momento da volta à Europa. Um momento muito difícil do Brasil, com crescimento da extrema direita, condições muito duras de sobrevivência, poucas perspectivas.

Então, muitos brasileiros estão saindo, principalmente jovens, querendo novas perspectivas e usando sua hereditariedade para conseguir passaportes em Portugal, na própria Alemanha. Vejo muitas pessoas indo embora como se fosse o segundo tempo do jogo.

Cena do filme "Segundo Tempo", de Rubens Rewald
Rewald se inspirou na atual diáspora brasileira para fazer "Segundo Tempo"Foto: Divulgação/Pandora Filmes

O filme traz essa história da imigração inversa, dos descendentes de europeus que vieram para o Brasil e que agora empreendem um retorno ao velho continente. De que forma histórias reais inspiraram o roteiro?

Sim, histórias reais dessa volta [às raízes] inspiraram o roteiro. Tive uma experiência muito interessante. Nunca tinha ido para a Alemanha até 2010, quando fui ao Festival de Berlim. Nessa viagem, conversei com um roteirista inglês sobre a história do meu pai [que se mudou da Alemanha nazista para a América do Sul em 1939, com a família].

Dois, três meses depois, ele me escreveu dizendo que eu precisava contar essa história, que não saía da cabeça dele. A partir daí comecei a ir frequentemente para a Alemanha, entender melhor minha relação com o país. Eu me sinto bem na Alemanha, parece que nasci lá, é uma coisa forte. Eu não aprendi o idioma, meu pai nunca quis me ensinar. Eu não estudei alemão. Mas tenho uma sensação de pertencimento.

Um dos momentos mais emocionantes do filme é quando o personagem idoso dono do restaurante conta sobre o passado na Juventude Hitlerista, e como isso era algo visto como "necessário" naquele contexto. Acredita que esse mesmo discurso, o de pertencer a um movimento extremista com certa ignorância e por "obrigação", também legitima muitos hoje que apoiam regimes extremistas pelo mundo?

Eu acho essa talvez a melhor cena do filme. E vivi um pouco isso. Foi inspirada numa experiência real que eu tive quando estava fazendo a pesquisa para o filme e um jovem alemão me contou que tinha um avô que havia estudado numa escola nazista. Aí fomos à casa dele em Berlim e gravamos a conversa, ele falou coisas que deixou meu amigo embasbacado.

Essas histórias são muito fortes e às vezes as pessoas não as falam nem para seus familiares mais queridos. Eles guardam para si. Naquela época na Alemanha praticamente todo mundo era nazista, porque o discurso do Hitler era muito forte e de certa forma recuperou o orgulho de ser alemão. Foi uma adesão muito forte, muitos por crença, outros por medo.

Alguns minutos depois, no filme, a personagem Ana diz que leu em algum lugar que o nazismo era resultado da estupidez dos jovens e da amargura dos velhos. Isso também justificaria, na sua opinião, as ideias extremistas que hoje parecem aumentar no mundo, inclusive no Brasil?

Essa é uma questão importante que me levou a fazer o filme: como isso, essa extrema direita, está ressurgindo no mundo e no Brasil. O fenômeno Bolsonaro foi isso. E o fenômeno Bolsonaro continua: metade do país continua apoiando isso, essa extrema direita continua forte, é uma realidade.

Por isso é importante fazer filmes assim. Para as pessoas verem que existiu o nazismo, que existiu a extrema direita e que ela foi extremamente danosa em termos humanistas. E que temos de tomar muito cuidado para que isso não aconteça de novo.

A necessidade da busca da identidade é também a necessidade de compreender a história. A gente viu o horror que foi o 8 de janeiro [quando extremistas tentaram promover um golpe contra os poderes da República brasileira]. Então a gente sabe que esse movimento fascista está pululando e a gente tem de tomar muito cuidado.