Rápida ascensão de Aécio indica 2º turno acirrado
6 de outubro de 2014Em outra reviravolta na eleição mais incerta desde 1989, o candidato Aécio Neves (PSDB) garantiu seu lugar no segundo turno. O tucano obteve 33,55% dos votos neste domingo (05/10) e agora disputará a Presidência da República com Dilma Rousseff (PT), que ficou com 41,59%.
Em pouco mais de um mês, Aécio havia passado de 14% para 24% nas pesquisas de intenção de voto, superando a distância de vinte pontos para a candidata Marina Silva (PSB), que estava em segundo lugar. A ambientalista acabou conseguindo 21,32% dos votos no primeiro turno.
As pesquisas das últimas semanas já apontavam um crescimento de Aécio. Mas, até o dia anterior ao pleito, os levantamentos ainda lhe atribuíam entre 26% e 27% dos votos válidos. O crescimento de cerca de oito pontos percentuais em menos de um dia indica um segundo turno acirrado com Dilma, afirmam os especialistas.
Ao longo do mês de setembro, todas as simulações de segundo turno entre a petista e o tucano davam uma vantagem de cerca de dez pontos para a presidente, uma vitória relativamente fácil.
Agora, com o crescimento recente de Aécio e a saída de Marina da corrida eleitoral, o cenário do segundo turno é outro. Os especialistas concordam que a maioria dos votos da ambientalista no primeiro turno deve migrar para o candidato do PSDB.
"Quase 60% dos eleitores da Marina pretendiam votar no Aécio, e apenas 25%, na Dilma. Ela vai transferir mais votos para o tucano, só não sei se isso vai ser suficiente para transpor a diferença entre ele e Dilma", diz o cientista político Pedro Fassoni, da PUC-SP.
Além da transferência de votos, os especialistas consideram que o segundo turno tende a ser mais equilibrado porque os candidatos têm o mesmo tempo de propaganda eleitoral gratuita.
"Vai ser um segundo turno muito mais difícil do que imaginávamos. A expectativa do PT era que eles ficassem pelo menos uns 10 pontos à frente do segundo colocado, para depois resistir a esse processo de união das duas oposições", diz Valeriano Costa, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.
Para ele, num primeiro momento, o tucano pode encostar em Dilma ou até ultrapassá-la. "Mas, depois dessa subida, começa realmente o segundo turno, e isso pode ser revertido."
Segundo Fassoni, Aécio é um candidato mais forte que Marina. "Inclusive, no último debate, ele teve um desempenho claramente superior ao dela", opina.
Máquina partidária
É consenso entre os especialistas que a poderosa máquina partidária do PSDB, comparada à fraca estrutura do PSB, foi fator determinante para o rápido crescimento de Aécio e a acentuada queda de Marina.
"O PSDB é muito mais organizado. O partido tem muita capilaridade, em quase todos os estados do Brasil", afirma Fassoni. Por outro lado, o PSB possui correntes internas divergentes: uma parte é favorável ao PT, outra, ao PSDB.
"O partido é dividido. O presidente do PSB, Roberto Amaral, é lulista", diz o cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da Unesp e da PUC-SP.
Somou-se a isso o fato de Marina não ter uma boa relação com a base do partido. A ex-senadora se filiou ao PSB após a tentativa frustrada de obter o registro da Rede Sustentabilidade, legenda que a ambientalista pretende criar.
Fragilidades da campanha
Para os especialistas, as fragilidades na candidatura de Marina contribuíram para a veloz ascensão de Aécio. A suposta inconsistência da ex-senadora foi largamente explorada pelo PT e pelo PSDB ao longo da campanha.
"A grande vantagem de Aécio em relação a Marina é que ele tem um discurso mais claramente oposicionista, que agrada aos que estão insatisfeitos com o governo. Marina fez declarações muito genéricas e recuou muitas vezes", afirma Fassoni.
Segundo Mazzeo, a ambientalista não conseguiu colocar em prática o programa político de seu antecessor, Eduardo Campos. Marina substituiu o candidato após sua morte num acidente de avião, em agosto.
Apoio de Marina
Apesar de estar fora da disputa, Marina ainda pode exercer grande influência no resultado das eleições caso opte por apoiar um dos candidatos no segundo turno. Quando concorreu à Presidência em 2010, a ambientalista também ficou em terceiro lugar, mas se decidiu pela neutralidade.
Após a divulgação do resultado, Aécio fez um discurso em que acenava para a ex-senadora. "A minha primeira constatação é de que esse sentimento de mudança amplamente presente no Brasil já foi vitorioso no primeiro turno. Somados, os candidatos de oposição foram vitoriosos, tiveram a maioria dos votos. É isso que nós temos que buscar agora no segundo turno", disse.
Aécio também aproveitou o momento para fazer uma homenagem a Eduardo Campos. "Quero deixar aqui uma palavra de homenagem especial a um amigo querido, um homem honrado e digno, abatido por uma tragédia no meio da campanha. Ao Eduardo, seus ideais e sonhos, a minha reverência. É hora de unirmos forças para levar seus sonhos em frente", disse.
Ao discursar depois da divulgação do resultado das eleições, Marina não declarou apoio a nenhum candidato, deixando a decisão em aberto. A ambientalista disse, entretanto, que o Brasil havia sinalizado claramente que não concorda com "o que aí está" e que busca uma "mudança qualificada".
"É com esse senso de responsabilidade que participarei como liderança. (...) Vamos fazer a discussão, mas estatisticamente a população mostra isso [sentimento de mudança], não dá para tergiversar com o sentimento do eleitor", afirmou.
Os especialistas não arriscam dizer se Marina vai escolher um candidato ou se manter neutra. "Se ela declarar apoio, deve ser ao Aécio. Mas acho difícil, porque o tucano, durante toda a campanha, tentou associar Marina à corrupção no PT, como no caso do mensalão", diz Fassoni.
Valeriano acredita que um apoio a Aécio seja contraditório com o discurso da "nova política" de Marina. "O PSB vai se dividir, porque ele é elemento dessa polarização. Marina tem que fugir disso para não ser linha auxiliar do PT ou do PSDB. Se apoiar Aécio, ela corre o risco de perder totalmente sua identidade", diz Costa.
Futuro de Marina
A decisão de Marina de apoiar o PT ou o PSDB não precisa acompanhar a escolha de seu partido, consideram os cientistas políticos. "Até porque ela já tinha anunciado que a passagem pelo PSB seria curta", afirma Fassoni.
Os especialistas acreditam que a ambientalista vá abandonar o partido assim que acabarem as eleições, para se dedicar à formação da Rede. "Ela primeiro tem que criar o partido dela e, depois, redefinir o que seria a 'nova política', porque está pouco claro o que isso significa", considera Costa.
Estudiosos consideram que Marina precisa, agora, reconstruir sua identidade e sua trajetória, extremamente desgastadas com a campanha. "Com a tragédia [morte de Eduardo Campos], ela se tornou a candidata de um partido muito diferente do que ela gostaria de ter criado. Agora ela tem que se desconstruir como liderança do PSB", diz Costa.
Erros das pesquisas
Para alguns especialistas, a disparidade entre as diversas pesquisas realizadas antes do pleito e o resultado final do primeiro turno significa que a mudança nas intenções de votos se deu no próprio dia da eleição.
"Os eleitores do Brasil são voláteis. Muitos acabam decidindo o voto na última hora", considera Fassoni. Por isso, as falhas seriam comuns. "Os institutos de pesquisa erram, mesmo. No caso, a diferença que Aécio teve sobre Marina foi muito além da margem de erro. Mas isso não surpreende quem tem cautela com os levantamentos", aponta.
Costa concorda que as pesquisas não captaram corretamente as alterações do cenário eleitoral. "Não deu tempo dessa importante mudança ser percebida pelos levantamentos, que ficaram defasados. Isso cria uma certa insegurança sobre a capacidade das pesquisas de mostrar as intenções de voto", diz Costa.
Já Mazzeo acredita que os levantamentos são somente "fotografias instantâneas" e servem apenas para indicar tendências.
Além disso, especialistas também questionam se o crescimento de Aécio foi de fato inesperado. "Parece uma surpresa se olharmos somente para os últimos 20 dias. Mas o resultado é o mesmo da eleição de 2010. Marina teve cerca de 20%, Serra teve cerca de 30%, e Dilma teve por volta de 40%. O eleitorado é muito mais consistente do que a gente imagina", diz Costa.
Segundo ele, desde a redemocratização, o eleitorado sempre esteve dividido majoritariamente entre PT e PSDB. "A tendência do eleitorado é 40%, 40%, 20%. A polarização não é pura. Sempre teve uma terceira via, que conseguia de 10% a 20% dos votos", afirma o especialista.