Sempre considerei Fernando Haddad um tipo inteligente – mas, infelizmente, apenas um pouco obstinado ideologicamente. Eu o entrevistei quando ele era prefeito de São Paulo. Como intelectual, ele pôde filosofar maravilhosamente sobre o seu então cargo. Como era de se esperar de alguém em sua posição, ele não achava que sua comunicação com a população era fraca.
Depois, como ministro da Educação, ele convenceu com suas reformas, que possibilitaram a muitos brasileiros o acesso a universidades pela primeira vez – e trouxeram inesperados lucros para as empresas privadas de educação. Como candidato a presidente em 2018, me decepcionei quando ele defendeu regimes como Venezuela e Cuba.
Agora, Haddad será o ministro da Fazenda do novo governo Lula. Os investidores não estão muito entusiasmados, embora ele não tenha estourado o orçamento de São Paulo como prefeito e ainda tenha conseguido um grau de investimento para a cidade. Isso ocorreu, principalmente, pelo fato dele ter pedido que as dívidas fossem recalculadas.
Uma moeda comum para a América do Sul?
Quem quer entender como Haddad e seu principal secretário, Gabriel Galípolo, pensam economicamente, deveria ler um artigo que ambos publicaram na Folha de S.Paulo em abril. No texto, os dois apelam para que os países sul-americanos lancem uma moeda digital comum. O SUR deve ser emitido por um banco central sul-americano.
Por quê?
"A criação de uma moeda sul-americana é a estratégia para acelerar o processo de integração regional, constituindo um poderoso instrumento de coordenação política e econômica para os povos sul-americanos. É um passo fundamental rumo ao fortalecimento da soberania e da governança regional, que certamente se mostrará decisivo em um novo mundo", finaliza o artigo.
Falando economicamente, a proposta é de arrepiar os cabelos. Como uma moeda comum funcionaria numa região onde os países não são capazes nem mesmo de criar uma zona de livre comércio – muito menos um mercado comum?
Apenas nações que possuem tarifas aduaneiras externas comuns e praticam o livre comércio entre si, além de coordenar suas taxas de juro e as políticas orçamentária e econômica, estão em posição de ter também uma moeda comum. Os impostos precisam ser harmonizados, as empresas devem receber as mesmas condições gerais.
Porém, esse não é caso na América do Sul. Mesmo no Mercosul, o bloco econômico composto por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, há numerosos produtos e serviços cujas importações estão sujeitas a elevadas tarifas. Até hoje, esse bloco não é muito mais que uma união aduaneira esburacada.
Impor uma moeda comum a essa "comunidade econômica" é como colocar a carroça na frente dos bois.
A União Europeia (UE) mostra como isso pode dar errado.
Há muito tempo, a UE é um mercado comum com fronteiras abertas entre seus países. Ou seja, muito mais integrada que o Mercosul. Mas, apesar de pagamentos compensatórios altos a países e regiões pobres e de um banco central que controla a política monetária, a moeda comum é vista como um fardo por muitos na Europa.
Justamente os populistas apelam repetidamente com êxito para o fim deste espartilho imposto à força. Por exemplo, como o Brexit, com o qual o Reino Unido se catapultou para fora do bloco europeu a um elevado custo econômico.
Não é bom sinal quando os dois principais políticos econômicos e financeiros do futuro governo Lula usam o devaneio de uma moeda comum para fazer política externa na América do Sul.
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Há 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do jornal econômico Handelsblatt e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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