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Guerra em Gaza: quão livre é o debate na academia alemã?

Sabine Kieselbach
15 de junho de 2024

Protestos pró-palestinos em universidades desencadearam queda de braço entre pesquisadores e a ministra da Educação, que chegou a cogitar cortar verba de professores que defenderam liberdade de expressão.

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Barracas de camping e pessoas em frente a um prédio coberto de cartazes com mensagens de apoio aos palestinos
Protesto pró-palestinos na Universidade Livre de Berlim, que acabou desfeito pela polícia (foto de arquivo)Foto: Markus Schreiber/AP Photo/picture alliance

Filiada ao Partido Liberal Democrático (FDP), a ministra alemã da Educação, Bettina Stark-Watzinger, diz considerar a liberdade um bem valioso, o fundamento de tudo: "Da forma como vivemos em nosso país, da nossa democracia, nosso Estado de Direito e nosso bem-estar."

A declaração foi dada recentemente por ocasião do Ano da Ciência, a poucos dias das celebrações dos 75 anos da Constituição alemã, festejados em 23 de maio.

Desafiando a imagem de liberal de Stark-Watzinger, uma carta assinada por mais de 1,2 mil pesquisadores acusa a ministra de abuso de poder e intimidação, e de atacar a tão incensada liberdade – acadêmica, ainda por cima. Por causa disso, o grupo exige a saída dela do cargo.

Contexto

No início de maio, um acampamento em solidariedade aos palestinos erguido no campus da Universidade Livre de Berlim (FU Berlin) foi desfeito pela polícia. Os estudantes protestavam contra a ação das forças israelenses na Faixa de Gaza e chegaram a tentar invadir salas e auditórios da universidade.

Antes do despejo ocorrer, algumas centenas de professores publicaram uma carta aberta em que se opunham à ação da polícia. Sem se solidarizar com as demandas do grupo, os docentes apenas defenderam o direito ao protesto pacífico – algo que, na visão deles, também inclui a ocupação da universidade.

Dúvidas sobre constitucionalidade de ação da ministra

A carta despertou a indignação de Stark-Watzinger. Em entrevista a um jornal alemão, ela questionou se os apoiadores da carta agiam em desacordo com a Constituição. Posteriormente, descobriu-se que a ministra foi além: ela pediu à pasta que analisasse a possibilidade de cortar verbas de financiamento dos professores.

Uma mulher branca de meia idade e óculos
Bettina Stark-Watzinger, ministra alemã da EducaçãoFoto: Britta Pedersen/dpa/picture-alliance

O caso estremeceu a política e a academia. Perplexos, muitos se perguntavam como era possível que justamente uma política liberal pudesse questionar o direito à livre expressão de opinião.

Um deles é Thomas Jarzombek, deputado e porta-voz da bancada conservadora dos partidos CDU/CSUno Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão, para assuntos relacionados a política educacional e de pesquisa. Jarzombek diz se perguntar "até que ponto a ação da própria ministra é constitucional".

Para o presidente da Conferência Alemã de Reitores Universitários, Walter Rosenthal, é possível que pessoas tenham opiniões diferentes sobre coisas que são ditas, mas querer associar isso à "financiabilidade" de uma pesquisa é uma violação da liberdade da ciência.

Impactos sobre a reputação da Alemanha entre cientistas

Em uma nova carta de protesto, assinada por mais de 1,2 mil docentes – desta vez também de outros países –, Stark-Watzinger foi acusada de tentar intimidar os acadêmicos.

"O exame repressivo de pesquisadores que tornam pública sua posição crítica em relação a decisões políticas é algo conhecido em regimes autoritários", afirmam os signatários.

Segundo eles, apenas a impressão de que a livre discussão na sociedade está sendo reprimida já basta para prejudicar a reputação da Alemanha como destino internacional de pesquisadores.

Policiais carregando manifestantes são observados por outros manifestantes que estão de braços dados
Polícia durante ação que esvaziou acampamento na FU BerlinFoto: Axel Schmidt/Getty Images

Entre os autores da carta estão intelectuais famosos na Alemanha, como o pesquisador da democracia Wolfgang Merkel, a filósofa Rahel Jaeggi, o sociólogo Hartmut Rosa e a tradutora e professora Susan Bernofsky, da Universidade de Columbia (EUA).

Bernofsky acompanhou protestos semelhantes em abril na universidade dela, em Nova York, e criticou a ação da polícia. "Estou horrorizada com as tentativas na Alemanha e nos EUA de reprimir e silenciar declarações pró-palestinos. Isso é uma violação da liberdade acadêmica e do direito à liberdade de expressão", diz à DW.

Bernofsky, que diz ser judia, afirma que os protestos de estudantes nos EUA foram regularmente difamados como antissemitas na imprensa americana.

Protestos no mundo todo contra a guerra em Gaza

Protestos contra a guerra que Israel trava contra o Hamas na Faixa de Gaza não são uma exclusividade dos ambientes universitários alemães ou americanos. Já faz alguns meses que ocupações e atos vêm ocorrendo em universidades por toda a Europa, na Austrália e no México.

Bernofsky diz que ela e outros colegas temem que a política esteja tentando controlar as instituições de ensino superior.

Perguntado sobre o assunto, o gabinete da ministra Stark-Watzinger afirma em nota que submeteu a carta aberta dos professores da FU Berlin contrários ao despejo do acampamento a um "exame legal interno", mas que constatou que o "conteúdo estava coberto pelo direito à liberdade de expressão".

Com isso, segundo a pasta, não há mais o que discutir sobre eventuais consequências do ato do ministério, já que "o corte de verbas em reação à carta aberta" não era uma opção a ser debatida pela chefia a partir desse ponto.

Stark-Watzinger ainda deve uma resposta sobre a reputação da Alemanha perante a comunidade internacional acadêmica. Quando esse momento chegar, ela não poderá se esquivar da pergunta sobre qual é a concepção dela de liberdade acadêmica.