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Europa tenta equilibrar a balança da previdência

Nik Martin
14 de agosto de 2024

Número elevado de idosos amplia gastos públicos com aposentadorias e reduz força de trabalho na Europa. Países como França e Reino Unido querem aumentar idade mínima dos cidadãos no mercado de trabalho.

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Mãos manipulam uma carteira sem notas de dinheiro, apenas com algumas moedas
Balança desequilibrada: em 2024,o número de pessoas com mais de 65 anos pode superar o número de pessoas com menos de 15 anos na EuropaFoto: K. Schmitt/Fotostand/imago images

Pela primeira vez na história, o número de idosos pode superar o de adolescentes na Europa. O envelhecimento da população no velho continente está reduzindo a força de trabalho, ao mesmo tempo em que aumenta os gastos do Estado com os sistemas de aposentadoria pública. Face a uma crescente crise previdenciária europeia, países como a França e Reino Unido estão ampliando a idade mínima para se aposentar, provocando protestos e mexendo também com o mercado previdenciário privado.

Em 2024, a Organização Mundial da Saúde estimou que, pela primeira vez, o número de pessoas com mais de 65 anos superaria o número de pessoas com menos de 15 anos na Europa. Atualmente, mais de um quinto da população da União Europeia (UE) já têm 65 anos ou mais. Espera-se que esse número chegue a um terço até 2050. Como consequência, os economistas preveem que até 2050 haverá menos de dois trabalhadores na Europa para cada aposentado, em comparação com os três atuais.

Mas nem será preciso esperar 25 anos: as consequências do envelhecimento populacional já estão sendo sentidas nas finanças. A conta anual das aposentadorias públicas atingiu mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em 17 dos 27 Estados-membros da União Europeia. Na Itália e na Grécia, as pensões custam às finanças públicas mais de 16% do Produto Interno Bruto (PIB).

Mesmo com o aumento da imigração nas duas últimas décadas, o continente ainda precisa atrair mais trabalhadores cujos impostos possam ajudar a cobrir o custo crescente das aposentadorias públicas.

Mulher idosa com um notebook no colo e uma folha de papel na mão
Europa precisa atrair mais trabalhadores e jovens para gerar impostos e ajudar a cobrir o custo crescente das aposentadorias públicasFoto: Pond5 Images/IMAGO

Países aumentam idade mínima para aposentadoria

Vários países europeus estão mudando os sistemas de previdência social, aumentando a idade mínima para alcançar a aposentadoria, como uma solução para a crise. A França, por exemplo, enfrentou meses de protestos no ano passado por tentar tentar fazer os mais velhos trabalharem até aos 64 anos, em vez dos 62 atuais.

O Reino Unido, por sua vez, planeja manter as pessoas trabalhando até os 68 anos a partir de meados da década de 2040. Na Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), as mulheres costumavam se aposentar cinco a sete anos antes dos homens, mas uma medida para igualar a idade de aposentadoria gerou pedidos de indenização para as mulheres afetadas.

"Os holandeses mudaram recentemente seu sistema de aposentadoria, mas não estão atingindo as metas estabelecidas", disse Hans van Meerten, professor de direito previdenciário europeu na Universidade de Utrecht, à DW. "Também na Alemanha, na Bélgica e em muitos outros países europeus, não vejo as reformas necessárias acontecendo. Eles estão cavando suas próprias sepulturas."

Além da pressão sobre as finanças públicas da Europa, milhões de pessoas ainda não estão poupando o suficiente em previdências privadas ou ocupacionais para complementar suas pensões estatais. Dados do ano passado do Eurobarômetro mostram que apenas 23% dos residentes da União Europeia têm um plano de previdência vinculado à empresa na qual trabalham e apenas 19% possuem um produto de previdência pessoal. Os números variam entre os países.

Uma pesquisa realizada pela Insurance Europe constatou que 39% dos entrevistados não estão economizando para a aposentadoria. O número foi ainda maior entre as mulheres e os trabalhadores com mais de 50 anos. Muitos dos que poupam, por outro lado, estão frustrados com os resultados de seus investimentos.

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Baixos retornos e inflação prejudicam os poupadores

A inflação da zona do euro atingiu um pico de 10,6% ao ano em outubro de 2022. "Na última década, a crise previdenciária da Europa piorou significativamente devido aos retornos reais persistentemente baixos, que não foram suficientes para superar a inflação", disse à DW Arnaud Houdmont, diretor de comunicação da Better Finance, entidade de investidores sediada em Bruxelas. "Isso resultou em uma perda substancial do poder de compra para os poupadores."

Uma análise do Centro Finlandês de Pensões constatou que os retornos nominais das pensões em todo o mundo foram, em média, de 8% no ano passado. Com a inflação de décadas e a pandemia da covid-19 adicionadas na conta, os retornos foram ainda mais baixos: de apenas 2%.

Houdmont disse que as altas taxas, a má alocação de ativos e a falta de transparência nos produtos de previdência também são responsáveis pelos retornos mais baixos.

Implantação lenta da pensão móvel da UE

Para ajudar a resolver o déficit de poupança, em março de 2022, a União Europeia criou o Produto Individual de Reforma Pan-Europeu (PEPP, em inglês). O esquema permitiria aos trabalhadores acumularem uma pensão adicional, que poderia ser transferida para outros países do bloco se o pensionado se mudasse. No entanto, apenas um país, a Eslováquia, implementou o esquema.

"O PEPP está em vigor há dois anos e meio", disse van Meerten. "Mas os grandes fundos de investimento dizem que não têm o conhecimento necessário para implementar o PEPP sozinhos e estão buscando outros parceiros."

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O problema, segundo alguns especialistas em previdência, é que o PEPP também é muito complicado e restritivo. Além disso, é visto como uma concorrência indesejada para fundos de investimento como BlackRock ou Fidelity, cujos maiores clientes são os grandes fundos de pensão holandeses, noruegueses e alemães, que representam dezenas de milhões de poupadores europeus.

Van Meerten defende que o PEPP seja simplificado e mais flexível, pois alguns países da União Europeia não concedem ao novo esquema de pensão as mesmas vantagens fiscais que outros produtos de poupança para aposentadoria.

Vários setores, desde químico e metalúrgico da Alemanha até a operadora ferroviária nacional da França, têm seus próprios esquemas de aposentadoria. Quase 60% dos trabalhadores alemães que pagam contribuições para o seguro social pertencem a esses planos. Geralmente, eles oferecem aos poupadores, especialmente àqueles que têm trabalhos fisicamente exigentes, a opção de se aposentar mais cedo, entre outras vantagens.

Homem mexe em um computador onde se lê: "Trade Republic"
A chegada de neocorretores movimentou o mercado de previdências na EuropaFoto: Michael Bihlmayer/Chromorange/picture alliance

Próxima geração de europeus se aposentará mais pobre

Os trabalhadores, no entanto, estão exigindo ainda mais flexibilidade em seus investimentos e na idade da aposentadoria. A ascensão de neocorretores como Robinhood, eToro e Trade Republic da Alemanha, que oferecem aos usuários a possibilidade de gerenciar seus investimentos em aplicativos para smartphones, de certa forma usurpou os muitos sistemas de aposentadoria complicados e complexos da Europa.

Os provedores financeiros tradicionais argumentam que os aplicativos de investimento incentivam os usuários a assumir riscos desnecessários, que podem prejudicar seus retornos de longo prazo. Os defensores dizem que eles tornaram o investimento mais simples, barato e transparente.

No futuro, mais governos europeus poderão permitir que os trabalhadores coloquem parte de suas poupanças de previdência do Estado diretamente no mercado de ações, como na Suécia, cujos fundos de pensão privados negociaram coletivamente taxas mais baixas. Isso ajudou os fundos de aposentadoria a crescer.

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Van Meerten acredita que os trabalhadores se sentiriam mais motivados a poupar se tivessem mais poder de decisão sobre como seus investimentos são gerenciados e quando se aposentam.

"Você quer que suas economias sejam sustentáveis? Quer investir em Israel ou não? Deixe que o indivíduo decida. Por que os parceiros sociais ou os sindicatos deveriam decidir isso por você?", questiona, referindo-se aos planos de pensão administrados pelos sindicatos.

Houdmont, da Better Finance, alertou que haverá um momento de "acerto de contas" no médio prazo devido à "transferência de ônus" da poupança previdenciária pública para a privada. Segundo ele, os poupadores não estavam preparados para isso.

"Há uma boa chance de que a próxima geração de europeus se aposente consideravelmente mais pobre e mais tarde", analisa.