O polonês que se arriscou para denunciar Auschwitz
20 de fevereiro de 2014A biografia de certas pessoas parece tirada de um roteiro de filme. Witold Pilecki é um desses casos. Sua vida transcorreu como uma saga heroica – que terminou em tragédia.
Ainda jovem, ele lutou por um Estado polonês, tornando-se soldado mais tarde. Ao irromper a Segunda Guerra Mundial, em 1939, foi servir a Cavalaria. Porém o Exército polonês não resistiria muito tempo aos alemães. Após a queda de Varsóvia, Pilecki entrou para a clandestinidade e, com outros soldados, fundou o Armia Krajowa (Exército da Pátria).
Em meados de 1940 veio à tona os primeiros boatos de que os alemães teriam construído um campo penal na região da Silésia. Pilecki se ofereceu para espionar a instalação. Já em setembro, deixou-se capturar propositalmente numa batida policial em Varsóvia, sendo levado para Auschwitz (Oswiecim, em polonês), juntamente com centenas de outros presos.
Embora, a essa altura, ainda não se tratasse de um campo de extermínio, as mortes violentas faziam parte do quotidiano. Os detentos eram espancados até a morte, torturados, executados, ou sucumbiam à exaustão, à fome e a doenças.
Mal chegado a Auschwitz, o soldado polonês escutou um oficial da SS anunciar pelos alto-faltantes: "Que ninguém pense que vai sair vivo daqui. Vocês vão sobreviver seis semanas. Quem viver mais, só pode ser um ladrão, e quem é ladrão vai para a Strafkompanie [divisão penal, com condições de trabalho ainda mais duras], e lá é garantido que não vai viver muito tempo mais."
Verdade inverossímil
Dentro do campo de concentração, Pilecki criou uma organização clandestina, que pouco a pouco alcança mais de mil membros e possui postos em todas as partes do campo. Através de mensageiros, ele conseguiu contrabandear para fora os primeiros relatórios.
No final de 1940, chegou a Varsóvia a notícia de que há um campo de extermínio no sul da Polônia. No ano seguinte, também as Forças Aliadas em Londres tomaram conhecimento do que ocorria em Auschwitz. No entanto ninguém quis acreditar nessas primeiras informações de uma testemunha ocular: o que se descrevia parecia irreal demais.
Os alemães matam num campo, em massa, de forma sádica e premeditada? No mesmo ano em que os nazistas decidiram a "solução final do problema" dos judeus europeus – seu extermínio total –, os aliados consideraram tal ideia impossível.
Poucos meses mais tarde iniciou-se a construção de Birkenau, o campo de extermínio Auschwitz II, bem ao lado do campo principal, o Stalag Auschwitz I. Logo milhares passaram a ser assassinados diariamente nas câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau.
Fuga impossível
Paralelamente, a organização de Pilecki foi se reduzindo cada vez mais. Quem não morria de inanição, era fuzilado diante do "paredão da morte". "A rede era sempre rasgada e precisava ser continuamente reparada", descreve o ativista. Ele mesmo adoeceu, mas foi salvo por paramédicos pertencentes a seu grupo de resistência.
Pilecki aguardou ansiosamente a ordem para desencadear uma revolta interna, enquanto simultaneamente um ataque de fora libertaria o campo. No entanto, esse comando nunca chegou, nem partindo dos aliados, nem do Exército da Pátria polonês.
Em 23 de abril de 1943, depois de 947 dias internado, Pilecki conseguiu, juntamente com dois companheiros de cativeiro, realizar o impossível: escapar de Auschwitz. Dentro e fora do campo, a organização de resistência era bem interconectada e fornecera dados precisos sobre as trocas de guarda e postos de controle, arranjara documentos falsos e um esconderijo na Cracóvia. Além disso, o fugitivo teve bastante sorte.
Vítima do regime comunista
Após a fuga, Pilecki elaborou um relatório detalhado, publicado em alemão em 2013, em versão ampliada. "Em Birkenau, carregamentos humanos inteiros, chegados em trens e automóveis, são mortos com gás, às vezes alguns milhares por dia. Na maioria, judeus", escreveu.
O relatório chegou aos aliados. E, no entanto, aconteceu com Pilecki o mesmo que com o combatente da resistência Jan Karski, que se infiltrara no Gueto de Varsóvia e mais tarde levara seu relato até mesmo ao presidente Franklin D. Roosevelt: ele foi forçado a constatar que nada acontecia.
Suas descrições foram tachadas de exagero, ninguém acorreu em ajuda. Auschwitz só seria libertado em janeiro de 1945, depois de ser palco da morte de mais de 1 milhão de pessoas.
Pilecki sobreviveu ao campo de concentração e à guerra para morrer pouco mais tarde, vítima de seus próprios compatriotas. Em 1947 foi preso por coletar informações sobre os crimes comunistas na Polônia; foi torturado e condenado por "espionagem inimiga", num processo de fachada. Sua execução foi em 25 de maio de 1948. Seus restos mortais foram jogados numa vala comum, sua casa foi destruída e a menção de seus atos ficou proibída.
"Justo entre as Nações"
O ativista só seria reabilitado após a queda do comunismo. "Em sua pessoa se reflete todo o horror do século 20", comenta o rabino-chefe da Polônia, Michael Schudrich. "Pilecki sobreviveu aos fascistas alemães, para morrer nas mãos dos comunistas soviéticos." Hoje, ele é considerado um herói nacional, homenageado postumamente com as mais altas ordens do país.
Desde sua fundação, Israel concede a não semitas que, sob o regime nazista, tentaram salvar judeus, arriscando a própria vida, o título "Hassid Ummot Ha-Olam" – "Justo entre as Nações". O combatente da resistência polonesa parece predestinado a tal honra.
No entanto Estee Yaari, porta-voz do memorial do Holocausto Yad Vashem, afirma que, até hoje, ninguém propôs a nomeação de Witold Pilecki. "Não dispomos de nenhum documento sobre ele", diz, e agradece a sugestão, preferindo não especular sobre as chances de uma candidatura.
Para o rabino Schudrich, é inquestionável a adequação do ativista ao título de "Justo". "Pilecki deu o melhor de si para sustar o Holocausto e levar ao mundo o seu conhecimento a respeito." Ele é um herói, afirma, mesmo sem receber quaisquer honrarias mundanas. "Quando Deus criou os seres humanos, ele nos imaginou, todos nós, assim como Witold Pilecki."