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"Vacina russa tem várias questões em aberto"

Mikhail Bushuev
20 de setembro de 2020

Em entrevista, coautor de carta que contesta dados apresentados por pesquisadores russos diz que só uma enorme coincidência explicaria resultados de estudo da Sputnik 5.

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Sputnik V Coronavirus Impfstoff Russland
Foto: picture-alliance/dpa/Yonhap

Em carta aberta,cerca de 40 pesquisadores de Europa, Estados Unidos, Canadá e da própria Rússia questionaram a autenticidade das informações sobre a vacina russa contra covid-19, a Sputnik 5, publicadas na revista Lancet  no início de setembro.

Em entrevista à DW, o pesquisador russo Konstantin Andreev, um dos coautores da carta, diz que existe a chance de os dados divulgados pela Rússia estarem corretos, mas que a possibilidade é de alguns centésimos de um por cento - ou seja, uma enorme coincidência.

O virologista e microbiólogo do Instituto Howard Hughes de Medicina e da Northwestern University, dos EUA, espera agora a resposta dos russos sobre os questionamentos.

DW: Como você ficou sabendo do estudo russo e por que você foi coautor da carta aberta aos desenvolvedores da vacina? 

Konstantin Andreev: Meu interesse é no campo da biologia molecular. Atualmente, estou pesquisando uma série de infecções respiratórias virais. Embora eu não esteja diretamente envolvido com o coronavírus, acompanho o desenvolvimento com grande interesse. No momento, não só os virologistas, mas toda a comunidade científica estão procurando uma vacina contra o vírus.

O pesquisador russo Konstantin Andreev: sérias dúvidas sobre vacina russa
O pesquisador russo Konstantin Andreev: sérias dúvidas sobre vacina russaFoto: privat

A primeira coisa que notei ao ler o artigo russo na Lancet foi um número surpreendentemente pequeno de participantes do estudo. Há apenas 76 pessoas no total: 38 para a primeira e 38 para a segunda fase do estudo. A título de comparação, na fase 2 do estudo realizado pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca, que foi publicado anteriormente na mesma revista, mais de mil pessoas participaram. Também chama a atenção que não tenha havido um grupo de controle com placebo. Além disso, o estudo não considerou as faixas etárias mais suscetíveis a efeitos colaterais negativos.

Outro ponto: não está claro se houve um intervalo de tempo entre as fases 1 e 2. Também não há resposta para a pergunta de por que os resultados do estudo foram publicados antes do final do período de 180 dias que os desenvolvedores de vacinas estabeleceram para si mesmos na página de registro do clinicaltrials.gov.

Por que você teve que escrever a segunda carta aberta, desta vez para a Lancet, apenas alguns dias após a nota de preocupação que você e seus colegas haviam publicado no blog Cattivi Scienziati? 

A rigor, esta foi a primeira carta. No ambiente científico, mesmo um comentário desse tipo precisa da aprovação de especialistas. Uma publicação no blog ou em redes sociais, com todas as vantagens possui, dificilmente pode ser usada como um documento a ser mencionado em uma discussão científica. Tradicionalmente, envia-se comentários e perguntas na forma de uma carta aberta à revista onde o estudo foi publicado. A discussão adicional também deveria ocorrer ali.

Um argumento em particular foi frequentemente citado em sua carta: que os pacientes do estudo russo tinham uma concentração semelhante de anticorpos, embora tivessem recebido combinações diferentes das vacinas. 

Exatamente, temos a maioria das perguntas sobre a distribuição dos valores experimentais independentes em vários gráficos. Por exemplo, as concentrações de diferentes tipos de linfócitos (CD4 e CD8) são absolutamente idênticas em nove pacientes. Um quadro semelhante emerge quando se observa a concentração semelhante de anticorpos em diferentes voluntários. Os dados citométricos nos quais estes gráficos se baseiam não estão disponíveis ao público.

E mais uma vez, como comparação: no estudo conjunto da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, que já mencionei, foram fornecidas informações adicionais com dados brutos sobre um total de mais de 100 páginas. Mas não quero tirar conclusões precipitadas antes de ver os comentários à nossa carta por parte dos pesquisadores russos.

Então você não pode descartar completamente uma coincidência?

É claro que não. Entretanto, a probabilidade é comparável à situação em que nove pessoas selecionadas aleatoriamente teriam uma correlação idêntica entre o comprimento de seus dedos dos pés e o número de seus cabelos. A probabilidade é de alguns centésimos de um por cento.

Você pediu a seus colegas russos que forneçam dados brutos dos experimentos. E se os desenvolvedores de vacinas da Rússia não puderem fornecer uma explicação satisfatória para os resultados do estudo? Você espera que a publicação seja retirada?  

Bem, nossa carta aberta não pretende que a publicação fosse retirada. Vemos como nossa tarefa chamar a atenção da comunidade científica para possíveis erros metodológicos e descartar qualquer manipulação dos resultados. Cabe à revista Lancet decidir se corrige os resultados do estudo ou se retira a publicação no final.