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Um imigrante em Blumenau

Thomas Fischermann
30 de agosto de 2017

Seguindo o conselho de leitores, o correspondente Thomas Fischermann foi ao sul do Brasil. Na cidade catarinense colonizada por alemães, conheceu o japonês Hitoshi Nakamichi, fã de dança folclórica.

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Thomas Fischermann
O jornalista alemão Thomas Fischermann vive no Rio de JaneiroFoto: Dario de Dominicis

Encontrei o imigrante em frente a sua pequena casa, em um bairro de classe média de Blumenau. Ele usava um chapéu para se proteger do sol, de um tipo que eu já tinha visto na Baviera. Parecia simpático, mas olhava para mim com desconfiança.

"Em que língua o senhor quer fazer a entrevista?", perguntou. "E se eu não quiser responder a uma pergunta, posso?" 

Fui a Blumenau porque recebo recomendações dos leitores desta coluna quase toda semana: "Saia do Rio de Janeiro! Não é um bom lugar para correspondentes de um jornal alemão! Você deveria mudar para Paraná ou Santa Catarina, onde a vida é bem mais organizada e vivem muitos imigrantes alemães."

E foi lá em Blumenau – com suas casas típicas alemãs, fábricas de salsichas, cervejarias e sua famosa Oktoberfest – que encontrei o imigrante. Tinha chegado à cidade há 25 anos. Seu nome é Hitoshi Nakamichi.

"Desde a adolescência gostava de assistir a filmes de lugares distantes e queria conhecer um país que não fosse tão pequeno como o Japão", contou. Em um livro, encontrou uma gravura na qual duas mulheres de São Paulo andavam por um parque e passavam a mão carinhosamente na cabeça de uma criança japonesa.

"Aha, lá eles gostam de japoneses", disse a si mesmo. Foi então para São Paulo, mas achou a cidade muito grande e mudou-se para Blumenau. Não explicou direito porque tinha que ser justamente a cidade catarinense.

Blumenau é dominada por imigrantes italianos e alemães e seus descendentes, e a comunidade japonesa é muito pequena. Hitoshi conta que foi à Oktoberfest e paquerou uma garota que tinha crescido na cidade e parecia "bem europeia". Ela o recusou porque ele não sabia dançar. Ele ficou chateado. Gostava de dançar.

O japonês nunca tinha frequentado cursos de dança, mas contou que no Japão ia muito a discotecas. Ele se lembra de filmes com cenas de dança que o agradaram quando era jovem: Dance Entertainment Parte 1 e Dance Entertainment Parte 2 e também filmes com Fred Astaire.

"Tive que aprender a dançar", disse. Ele foi à Fundação Cultural de Blumenau e pediu pra ser aceito no grupo de danças folclóricas, o Blumenauer Volkstanzgruppe. Havia muita burocracia, e o imigrante foi avisado que todos os dançarinos precisavam ter uma "boa coordenação motora".

"Hitoshi, no Brasil os alemães não têm a reputação de serem péssimos com o balanço dos quadris?", perguntei. "Acho que eles conseguem", disse ele, sem mudar de expressão.

Há alguns anos, Hitoshi até apareceu no jornal local. Foi homenageado como "dançarino Japonês", o fã de folclore germânico de "olhos puxados" na Oktoberfest. Ele achou isso racista.

"Não tenho olhos puxados", disse. "Alguns japoneses têm olhos puxados, mas isso varia de pessoa para pessoa."

Mesmo assim, Hitoshi se adaptou muito bem a Blumenau. Chegou até mesmo a comprar uma Lederhose, bermuda de couro tipicamente alemã. Aprendeu o idioma alemão com a ajuda de um livro amarelado e uma fita cassete.

"O truque é ouvir o mesmo trecho da gravação 100, 200 vezes seguidas, até ficar perfeito", disse.

Hitoshi não quis revelar a própria idade. Recentemente, teve que sair do grupo de dança dos mais jovens para ficar na turma dos veteranos, de mais de 40 anos de idade, que se especializaram em "dança amena". Ele gostaria de ter aprendido a Schuhplattler, dança típica da Baviera, na qual os homens pulam para o alto e batem nas pernas com as mãos e os braços. Nessa modalidade, eles aceitam solteiros como ele.

Até hoje, o imigrante não encontrou uma esposa em Blumenau. "Queria muito, mas ainda não deu certo", disse. Ele gostaria de se casar com uma mulher de ascendência alemã. Conversou com um bom amigo a respeito, segundo o qual as mulheres alemãs mantêm a cozinha ainda mais limpa que as japonesas.

Casar com uma descendente de alemães, porém, traria problemas. Hitoshi não suporta comida alemã. O massoterapeuta e professor de ioga é vegetariano e acredita que a carne envenena e arruína o corpo. Joelho de porco, salsicha e Schnitzel são um tabu em sua casa. "As células de pessoas carnívoras envelhecem muito rápido", me disse diante de sua casa em Blumenau. 

Acredito que, assim como acontece com imigrantes em geral, Hitoshi simplesmente não se sinta completamente em casa em lugar algum.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.