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"Um filme sobre a amizade e não sobre neonazistas"

sv9 de setembro de 2002

Diretor revela por que retoma em "Führer Ex" o mesmo tema de "Profissão Neonazista", afirma que fez um filme sobre a amizade e comenta a tendência mundial ao extremismo de direita.

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O diretor alemão de cinema Winfried BonengelFoto: AP

Inspirado na história da vida de Ingo Hasselbach, jovem líder neonazista no leste alemão, o filme de Winfried Bonengel é baseado no livro Acerto de Contas, escrito a quatro mãos por Bonengel e Hasselbach. O longa, que participou da mostra competitiva do Festival de Cinema de Veneza, narra os encontros e desencontros de Heiko e Tommy, dois jovens da ex-Alemanha Oriental, que sonham com a vida no Ocidente.

Um belo dia, um deles desaparece e volta com tatuagens neonazistas nos braços. A tentativa conjunta de ambos de escapar do comunismo em 1986, três anos antes da queda do Muro de Berlim, termina frustrada. Tanto Heiko quanto Tommy acabam na prisão. Heiko é violentado por outros detentos e somente escapa da morte graças à ajuda de Tommy e seus amigos neonazistas.

Reencontro –

O destino separa os amigos. Quando voltam a se encontrar, em 1990, em uma Berlim Ocidental já sem o Muro, Heiko mostra-se um militante de extrema direita. Tommy, a quem foi possível fugir para a Alemanha Ocidental, mostra ter conseguido superar seu passado neonazista e tenta afastar o amigo dos círculos de extremistas.

Em entrevista exclusiva a Eleonora Volodina, da DW-World, Winfried Bonengel fala do que o levou a se dedicar ao tema, dos contatos com ex-oficiais da SS durante o trabalho de pesquisa, do caráter político do filme e da necessidade de debate sobre o extremismo de direita.

DW-World –

Por que você retoma o tema do documentário Profissão Neonazista, usando agora os recursos da ficção?

Bonengel – O interesse em rodar um filme sobre o mesmo assunto foi mostrar que de pessoas sensíveis, bem humoradas e inocentes podem resultar neonazistas. Isso é mais fácil expressar em um filme de ficção do que em um documentário. Este, embora mostre as estruturas, não pode abordar o fator emocional, que é muito importante na discussão do porquê de as pessoas jovens acreditarem nas promessas de tais grupos, que, como seitas, prendem os jovens e lhes dão o que não encontram em outros lugares.

DW-World – Esta é uma história real...

Bonengel – 60% dos fundamentos do filme são acontecimentos reais, vividos não necessariamente por Ingo Hasselbach, mas também por outras pessoas. A história dele é uma certa base. Ela é fascinante e, há dez anos, eu já sabia que seria um material interessante para um filme. Ingo Hasselbach esteve, acima de tudo, presente nas cenas da prisão. Suas experiências de ex-detento foram de um valor inestimável, porque o que importava era a autenticidade. Não queríamos mostrar nada que não tivesse realmente acontecido. Queríamos nos manter fiéis à realidade e isso só foi possível na medida em que falamos constantemente com testemunhas que puderam contar essa experiência vivida. Nas pesquisas para o filme, conheci também ex-criminosos de guerra da SS, nos quais eu me orientei, sem citar nomes. Eles também estiveram presos. E estes caras têm hoje influência sobre a juventude. Isso foi para mim o mais amedrontador: na ex-Alemanha Oriental, pessoas não criminosas eram colocadas nas prisões ao lado dessa gente.

DW-World – Este é um filme político?

Bonengel –

A mim interessam, em primeira linha, as emoções e o caráter trágico, histórias de pessoas reais. Eu parto de um indivíduo e de seu aspecto trágico e tento transportá-lo de forma que eu, ou qualquer um que veja o filme, reflita: como eu reagiria, se estivesse no lugar dele. Mas eu parto pouco do aspecto político, parto das pessoas. Para mim, é um filme sobre amizade e não sobre neonazistas, embora seja também um filme político, é claro.

DW-World – Um dos dois jovens, Heiko, passa de anarquista a divulgador da ideologia nazista.

Bonengel –

Heiko procura apoio entre os nazistas, porque se não fizer isso irá provavelmente morrer na prisão. Porque não consegue viver nessa situação. Ele procura os nazistas por uma questão de sobrevivência e é tomado e doutrinado por eles. Heiko está cheio de ódio e precisa se livrar desse ódio. Isso só vai ser possível, no entanto, após a queda do Muro.

DW-World – O outro herói, Tommy, foi o primeiro a se aproximar dos neonazistas. Depois, para salvar Heiko, entra para a Stasi (polícia política da ex-Alemanha Oriental). Mais tarde, descobre no ocidente os efeitos relaxantes da cannabis e começa a pensar que "os turcos também são gente".

Bonengel –

Tommy é, para mim, um anarquista que não pode ser classificado. Ele é esperto e está sempre um passo à frente de seu amigo. Além disso, tem a sorte de ser forte o suficiente para não se deixar convencer por essas coisas. Ele reconhece instintivamente que o caminho está errado.

DW-World – Por que o movimento dos neonazistas é mais forte no leste alemão?

Bonengel –

Eu não acredito que seja algo específico do leste alemão. Este é um problema de todo o país, de toda a Europa e de todo mundo. Há direitistas em todos os lugares. Trata-se de um fenômeno mundial. Na França, Le Pen atingiu 20% dos votos. Acontece em todos os países, quando os jovens se sentem os últimos em uma sociedade, sem qualquer espécie de chance. Aí passam a jogar a culpa nos mais fracos que são, na maioria das vezes, os estrangeiros. Isso não é um problema do leste alemão. Acredito que seja no oeste do país pelo menos tão forte quanto no leste.

DW-World – Não são apenas razões sociais, como o desemprego, que levam os jovens aos círculos neonazistas. Nos países que viveram sob o comunismo, onde as pessoas perderam a segurança garantida pelo Estado, razões psicológicas exercem um grande papel. Isso se vê na Rússia e também no leste alemão.

Bonengel –

Um país que construiu um muro e uma cerca ao seu redor, para evitar que seus cidadãos saíssem rumo ao estrangeiro, já é especial. Meramente no aspecto visual, parece uma prisão. As pessoas têm, no entanto, um impulso de liberdade muito grande, que não pode ser expressado. Mais tarde, acabam como inocentes na prisão. O filme mostra como de jovens inocentes e sensíveis resultam primeiro vítimas e depois culpados. Toda pessoa que um dia foi vítima pode vir a se tornar culpado de outra forma. É a perversão da vítima.

DW-World – Essa é uma desculpa?

Bonengel –

Não, de forma alguma. Eu tento explicar as coisas e daí pode se fazer algo contra. Quando não se tenta entender como as coisas acontecem, não se pode fazer nada contra elas. É esse o pensamento que está por trás. Não acredito que se possa conseguir algo mostrando da distância os nazistas – como acontece com freqüência – como seres completamente inumanos, monstros do começo ao fim. Isso é simples demais. Seria bom se assim fosse, pois aí eles seriam mais facilmente identificáveis e seria mais fácil fazer algo contra. Mas as pessoas são, com freqüência, inteligentes e têm uma certa forma de sensibilidade e humor. É isso que as faz mais perigosas, em função desses fatores humanos. Isso eu acho muito mais inquietante.

DW-World – Mostrar isso no filme certamente não foi fácil...

Bonengel –

Eu quis, conscientemente, que o protagonista parecesse no início do filme especialmente ingênuo e fossse aos poucos se modificando. Esse é um papel extremamente difícil, um desenvolvimento do anarquista ingênuo, de alguém que é violentado e precisa suportar humilhações dolorosíssimas, até ao neonazista. É um desafio extremo. Aí até mesmo atores renomados teriam grandes problemas. Representar um papel desses é uma exigência em si.