Exposição
22 de junho de 2009A imigração alemã em São Paulo não costuma ser tão badalada quanto a de italianos e japoneses. Entretanto, os alemães estão entre os imigrantes pioneiros. Em 2009, celebram-se oficialmente os 180 anos da imigração alemã no estado.
Os festejos têm início neste domingo, 21 de junho, com a estreia da exposição "Viagem por uma São Paulo alemã: do primeiro assentamento a 1930", que até dezembro poderá ser vista em diferentes endereços.
A data oficial para o aniversário e o local inicial da exposição têm como referência o primeiro assentamento de colonos alemães, em 29 de junho de 1829. Porém, antes da chegada destes, vários outros conterrâneos já haviam escolhido São Paulo para viver.
Pioneiros
Ao contrário daqueles que vieram nos primeiros anos do Brasil independente, atraídos pela promessa de receberem terras e colonizarem o estado, os verdadeiros pioneiros chegaram por conta própria.
Alguns assumiram funções de responsabilidade. É o caso, por exemplo, de Daniel Pedro Müller, chegado em 1802. Com formação militar obtida em Lisboa, colaborou com as autoridades locais, integrou o corpo de engenheiros realizando várias obras e chefiou uma fábrica de reparo de armas, à frente de uma equipe de oito mestres alemães.
Johann Carl August von Oeynhausen-Graveburg, por sua vez, assumiu o governo da capitania-geral de São Paulo em 1819 e introduziu a vacinação contra a varíola, sendo destituído pelo príncipe regente dom Pedro poucos meses antes da independência do Brasil.
Após a independência e à medida que a escravidão perdia terreno, o Brasil passou a recrutar imigrantes no exterior para formar forças militares sem portugueses, colonizar seu território e incentivar a produção agrícola e manufatureira. Os alemães tiveram prioridade nesta fase, graças aos elos culturais da imperatriz Leopoldina, esposa de dom Pedro I e nascida na Áustria.
O primeiro grupo de recrutados a desembarcar em Santos, no fim de 1827, era composto por 226 colonos. Um ano depois, cerca de 1.000 aguardavam em Santo Amaro pelo assentamento nas prometidas terras.
A imigração continua
A coordenadora do arquivo e da biblioteca do Instituto Martius Staden, Daniela Rothfuss adverte: "É preciso ter muito cuidado com números, pois a documentação é rara. Ela inexiste em São Paulo e Itapecerica, por exemplo. Somente a partir do centenário da imigração surgiu interesse em pesquisar, documentar e preservar a história."
Os documentos mais antigos costumam ser registros de casamento em cartórios, pois a maioria dos alemães imigrantes era de religião luterana e não podia casar nas igrejas católicas, únicas na região.
Na década de 1830, o fluxo de imigrantes prosseguiu. Centenas seguiram direto para a Real Fábrica de Ferro de Ipanema, na região de Sorocaba, a primeira siderúrgica do Brasil. A maior parte desistiu do trabalho árduo e migrou para São Paulo.
Fenômeno similar ocorreu a partir dos anos 1840 com aqueles recrutados na Alemanha para trabalhar nos cafezais de Campinas, Limeira, Piracicaba e outras regiões do interior. Devido às más condições de vida no campo e à deslealdade dos fazendeiros no sistema de parceria, vários alemães trocaram o campo pela cidade.
As denúncias de maus tratos e não-cumprimento de promessas interromperam a imigração organizada, por decreto do governo da Prússia. Na década de 1850, mais de 2.100 alemães e suíços trabalhavam em 34 fazendas paulistas.
Pólo industrial alemão
Nova onda migratória teve início depois de 1880, atingindo seu auge após a Primeira Guerra Mundial. Desta vez, porém, sem apoio institucional e direto para a cidade de São Paulo, a fim de exercer suas profissões.
Rothfuss mais uma vez ressalta ser impossível quantificar o número de imigrantes. "Pelos dados daqueles que passaram pela hospedaria, hoje Museu dos Imigrantes, parece que foram poucos. Mas muitos vieram com dinheiro no bolso, foram para hotéis e investiram em negócios próprios", conta a historiadora.
Depois da Segunda Guerra, o fluxo de imigrantes foi substituído pelo fluxo de capital. Com a abertura de subsidiárias de empresas alemãs em São Paulo, muitos executivos e profissionais especializados também mudaram-se da Alemanha para a metrópole paulista. O ritmo dos investimentos foi tão acelerado que transformou o estado paulista no maior pólo da indústria alemã fora da Alemanha.
O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha e da Evonik Degussa Brasil, Weber Porto, observa que esse status é fruto dos primeiros passos dados em 1827. No mesmo ano do desembarque dos primeiros colonos em Santos, Brasil e Alemanha firmaram tratados comerciais e a troca comercial entre os dois países intensificou-se.
"Jovens empreendedores germânicos instalaram representações de casas comerciais alemãs, principalmente no Rio e em Santos. Theodor Wille, por exemplo, foi um dos responsáveis por tornar o porto santista a mais importante via de exportação do café brasileiro."
Alemães na metrópole
Na cidade de São Paulo, foi no Largo de São Bento que comerciantes alemães concentraram suas lojas. A mais famosa foi a Casa Allemã, que nasceu como uma pequena venda e tornou-se uma chique loja de departamentos, com salão de chá e muitos produtos importados da Alemanha.
Os alemães também se destacaram com suas fábricas de chapéus e chocolates, além de cervejarias, como não poderia deixar de ser. Tanto a Antarctica quanto a Brahma foram fundadas por imigrantes da terra da cerveja, assim como muitas outras incorporadas pelas duas gigantes, unidas desde 1999 na Ambev.
A forte presença alemã na metrópole entre os rios Tietê e Pinheiros também se fazia notar na vida social. Rothfuss estima que, nos anos 1920, São Paulo chegou a ter cerca de 40 escolas alemãs.
Fundada em 1878, a mais antiga em funcionamento chama-se hoje Colégio Visconde de Porto Seguro, que, assim como o Colégio Humboldt, possui turmas em que o idioma predominante é o alemão. Outras três escolas e sete jardins de infância oferecem alemão como língua estrangeira.
Organizar-se em associações é uma tradição alemã mantida em São Paulo. Até 1930, segundo o Instituto Martius Staden, os imigrantes fundaram 130 associações ou clubes. "Cruzando dados, descobrimos pessoas que eram sócias de 12 associações", afirma Rothfuss. A Sociedade Beneficente Alemã, que mantém um asilo para idosos e um orfanato, está ativa desde 1863.
Preocupados em cuidar da forma física, os imigrantes fundaram na cidade duas associações de ginástica, "uma para os ricos e outra para os trabalhadores", observa a historiadora. "A comunidade alemã no Brasil era bem dividida, de acordo com as classes sociais. Infelizmente, não há tantos registros históricos dos alemães mais pobres."
Contribuição dos alemães
Entre os vários clubes esportivos e de lazer, destaca-se o Esporte Clube Pinheiros, batizado inicialmente como Germania e que teve o primeiro time alemão de futebol. No setor de saúde, os imigrantes alemães contribuíram com duas instituições de renome: o Hospital Santa Catarina, fundado por freiras, e o Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Nas artes e na cultura, Rothfuss cita o arquiteto Maximilian Emil Hehl e a família de vidraceiros Sorgenicht como os grandes destaques. Além de ter projetado a Casa Allemã, Hehl fez o projeto original da Catedral da Sé em estilo neogótico, bem como o da Catedral de Santos, enquanto os Sorgenicht confeccionaram vitrais para o Mercado Municipal, o Arquivo Municipal, a Faculdade de Direito da USP e a universidade FAAP.
A exposição itinerante "Viagem por uma São Paulo alemã" será aberta neste dia 21 na Escola Céu Azul, mantida pela Associação dos Cemitérios dos Protestantes (Acempro) no bairro paulistano de Colônia/Parelheiros. Depois, a mostra vai a Itapecerica e retorna a São Paulo, onde poderá ser vista até dezembro em clubes, colégios e outras instituições ligadas à comunidade alemã, assim como no Memorial do Imigrante.
Também os estados de Santa Catarina e do Paraná festejam em 2009 os 180 anos da colonização alemã, enquanto no Espírito Santo faz 150 anos. No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, já são 185 anos.
Autor: Marcio Weichert
Revisão: Alexandre Schossler