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"Sociedade machista banaliza o estupro", diz Gisèle Pelicot

19 de novembro de 2024

Mulher violentada por anos em sessões organizadas pelo próprio marido pediu mudanças na forma com que a sociedade encara o problema. Processo que chocou a França chega à reta final.

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Gisele Pelicot deixa o tribunal cercada por advogados e filhos
Gisèle Pelicot decidiu tornar seu processo público para encorajar outras vítimas de violência sexual a expor seus algozesFoto: CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images

Falando pela terceira vez à Justiça francesa no processo que move contra o marido e dezenas de homens acusados de estuprá-la, Gisèle Pelicot confrontou os abusadores que reafirmaram inocência, alegando não saber que as ações praticadas não eram consensuais, e disse que está na hora de a sociedade "machista" mudar de atitude em relação a esse tipo de crime.

"Está na hora de a sociedade machista, patriarcal, que trivializa o estupro, mudar", disse Pelicot nesta terça-feira (19/11), durante suas alegações finais. "É hora de mudar a forma com que olhamos para o estupro."

Pelicot, de 71 anos, foi por anos a fio dopada e, enquanto estava inconsciente, estuprada por dezenas de estranhos. As sessões de violência eram organizadas e registradas em fotos e vídeos pelo próprio marido, Dominique Pelicot, com quem foi casada por meio século.

Investigadores dizem ter evidências de cerca de 200 estupros cometidos entre 2011 e 2020.

"Perdi dez anos de minha vida que jamais terei de volta", afirmou Pelicot diante de vários acusados, acrescentando que as cicatrizes deixadas "não vão sarar jamais". "Para mim, este é o julgamento da covardice. Não há outra forma de descrever isso."

Processo chocou a França

Ao todo, 51 homens aparentemente comuns, com idade entre 26 e 74 anos e de diferentes classes sociais, respondem à acusação. Um suspeito é considerado foragido.

O julgamento chamou a atenção mundial e se converteu em um trágico exemplo do quão comum é a violência sexual, mesmo em países onde houve avanços nos direitos das mulheres.

Muitos na França esperam que o julgamento leve o país a incluir a noção de consentimento na definição legal do crime de estupro.

Mulheres marchando em uma manifestação em apoio a Gisèle Pelicot e contra a banalização do estupro
Milhares na França se solidarizaram com Gisèle PelicotFoto: Apaydin Alain/ABACAPRESS/IMAGO

Os acusados, em sua maioria, afirmaram em juízo que não perceberam que estavam estuprando Pelicot, negaram a intenção de estuprá-la ou culparam o marido dela, Dominique. Dos 50, 14 admitiram o crime – entre eles o próprio Dominique.

"Vi pessoas [...] que negaram o estupro, e alguns que admitiram", disse Pelicot. "Quero dizer para esses homens: em que momento a senhora Pelicot deu a vocês consentimento quando vocês entraram no quarto? Em que momento vocês percebem este corpo inerte? E em que momento vocês não denunciam à polícia?"

Nenhum dos acusados comunicou o caso à polícia. Os abusos foram descobertos quando as autoridades passaram a investigar Dominique após ele ser acusado de violar a privacidade de outras mulheres.

"Um dedo não é estupro"

Dirigindo-se a um dos acusados que negou os estupros, Pelicot rebateu: "Estou ouvindo este senhor dizer que 'um dedo não é estupro'."

Pela lei francesa, ela poderia ter optado por manter o julgamento privado, mas preferiu torná-lo público, argumentando que vítimas não têm por que se envergonhar, e que o caso dela pode ajudar outras mulheres a falar sobre abusos sofridos.

Pelicot disse ainda que jamais perdoará o marido, de quem se divorciou.

Um dia antes, na segunda-feira, os três filhos do casal pediram punição severa para o pai e disseram que o consideravam morto. A filha diz achar que também foi drogada e abusada pelo pai.

ra/md (Reuters, AFP)