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Sobrevivente do Holocausto Eddie Jaku morre aos 101 anos

12 de outubro de 2021

Autor do livro de memórias "O Homem Mais Feliz do Mundo" sobreviveu à "Noite de Cristais", aos campos de Buchenwald e Auschwitz, foi poupado por Josef Mengele e resistiu à "Marcha da Morte" antes de migrar para Sydney.

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Eddie Jaku, sobrevivente do Holocausto
Premiê da Austrália sobre Eddie Jaku: "tornou sua vida um testemunho de como a esperança e o amor podem triunfar"Foto: Sydney Jewish Museum/AP/picture alliance

O sobrevivente do Holocausto Eddie Jaku, que no ano passado publicou seu livro de memórias O Homem Mais Feliz do Mundo, morreu nesta terça-feira (12/10), em Sydney, aos 101 anos.

O judeu alemão radicado na Austrália sobreviveu à famigerada "Noite de Cristais" de 1938, ao encarceramento nos campos de concentração de Buchenwald e Auschwitz, foi poupado pelo "Anjo da Morte" Josef Mengele e resistiu à "Marcha da Morte" no inverno de 1945.

O comunicado da morte de Jaku foi emitido pelo diretor-executivo do Conselho Judaico do estado de Nova Gales do Sul, Darren Bark. "Eddie Jaku foi um farol de luz e esperança não apenas para a nossa comunidade, mas para o mundo. Ele sempre será lembrado pela alegria que o seguiu e por sua resistência constante diante das adversidades."

O primeiro-ministro australiano Scott Morrison também prestou homenagens e enalteceu a decisão de Jaku de "tornar sua vida um testemunho de como a esperança e o amor podem triunfar sobre o desespero e o ódio". Morrison acrescentou: "Ele fará muita falta, especialmente para nossa comunidade judaica. Ele foi uma inspiração e uma alegria."

O tesoureiro e líder do partido liberal australiano, Josh Frydenberg, cuja mãe judia-húngara também sobreviveu ao Holocausto e chegou à Austrália em 1950 como uma criança apátrida, afirmou que "a Austrália perdeu um gigante".

"Ele dedicou sua vida a educar os outros sobre os perigos da intolerância e a importância da esperança", ressaltou Frydenberg. "Marcado pelo passado, ele apenas olhou para frente. Que sua história seja contada para as gerações futuras."

Em sua biografia O Homem Mais Feliz do Mundo, que foi lançado poucos meses depois de ter completado 100 anos de vida, Jaku conta sua trajetória e os obstáculos que teve que encarar na vida.

"Vivi por um século e sei o que é encarar o mal de frente. Vi o pior da humanidade, os horrores dos campos de extermínio, os esforços nazistas para exterminar minha vida e as vidas de todo o meu povo. Mas agora me considero o homem mais feliz da Terra", disse.

Jaku nasceu Abraham Jakubowiez em abril de 1920 na cidade alemã de Leipzig. Seus pais e muitos de sua família não sobreviveram à Segunda Guerra.

"Como é possível? Meus amigos viraram assassino"

"A Alemanha era um país civilizado. As crianças da minha escola vinham à minha casa e comeram conosco. Não havia distinção porque sempre fomos alemães em primeiro lugar", recorda. "Como é possível? Meus amigos viraram assassinos. Eu tinha orgulho de ser alemão, achava que vivia nos mais civilizado e educado país da Europa."

Ele foi expulso da escola em 1933 aos 13 anos porque era judeu, mas conseguiu terminar o ensino médio em outra cidade sob um pseudônimo em 1938 com um diploma em engenharia de precisão. Jaku afirmou posteriormente que sua qualificação o poupou das câmaras de gás nos anos subsequentes porque ele trabalhou como mão de obra escrava para os nazistas.

Em 9 de novembro de 1938, Jaku resolveu visitar seus pais, mas não havia ninguém em casa. Era a "Noite dos Cristais", nome dado ao dia em que ocorreu uma onda de agressões contra judeus em várias regiões da Alemanha e da Áustria. Jaku foi espancado e nazistas mataram seu cachorro. Posteriormente ele foi levado ao campo de Buchenwald.

Após a libertação e Buchenwald, seguiu-se uma odisseia de fugas pela Europa. A família fugiu para a Bélgica e depois para a França, onde voltaram a ser detidos. Depois de quase um ano encarcerados, Jaku e outros prisioneiros foram colocados num trem para Auschwitz, mas conseguiu escapar através do assoalho do trem. Ele voltou para a Bélgica, onde seguiu vivendo ilegalmente em um sótão com seus pais e a irmã.

Em outubro de 1943, a família foi descoberta a partir de uma denúncia anônima. Eles sobreviveram uma viagem de nove dias de trem sem comida para Auschwitz, onde seus pais foram mortos assim que chegaram.

"Judeu economicamente indispensável"

Jaku acabou por ser poupado, porque acabou sendo classificado como um "judeu economizante indispensável" por Jose Mengele, um oficial da organização paramilitar nazista SS ("Schutzstaffel") e médico no campo de concentração de Auschwitz. Mengele era responsável pela seleção das vítimas que seriam mortas nas câmaras de gás, o que lhe rendeu o apelido de "Anjo da Morte".

Jaku sobreviveu graças às suas habilidades mecânicas. Ele foi recrutado para produzir instrumentos cirúrgicos, depois que os nazistas descobriram que ele era capaz de transformar qualquer objeto em alguma ferramenta útil.

Em janeiro de 1945, no auge do inverno europeu, Jaku e outros milhares de prisioneiros foram enviados para a chamada "Marcha da Morte". Inicialmente, ele conseguiu escapar, mas acabou por ser recapturado e colocado para trabalhar numa linha de montagem em Buchenwald. Jaku escapou novamente, e se escondeu numa caverna na Floresta Negra, onde foi encontrado por soldados americanos em junho de 1945. Ele passou os meses finais da Segunda Guerra se alimentando apenas de lesmas e caramujos, pesava 28 quilos e estava com cólera e febre tifoide.

Casamento na Bélgica e migração à Austrália

De volta à Bélgica, Jaku reencontrou sua irmã, que também havia sobrevivido a Auschwitz, e acabou por conhecer o que viria a ser sua esposa, uma judia belga chamada Flore, que havia passado uma guerra relativamente monótona em Paris fingindo ser cristã. Casaram-se em 1946 e migraram para a Austrália em 1950. Em Sydney, Jaku trabalhou em uma oficina mecânica e sua esposa como costureira. Posteriormente, ambos entraram no mercado imobiliário.    

Marcado para sempre com um número de prisioneiro de Auschwitz tatuado em seu braço esquerdo, Jaku também se tornou voluntário no Museu Judaico de Sydney, compartilhando suas experiências e filosofias de vida com os visitantes.

"Quando alguém se despedia de uma conversa com Eddie, realmente sentia como se toda a sua visão de vida tivesse mudado", disse o presidente-executivo do Museu Judaico de Sydney, Norman Seligman, à emissora de televisão Nine Network.

Em sua biografia best-seller, Jaku afirma que levou cerca de 30 anos para conseguir falar sobre o Holocausto.

"50% da minha sobrevivência foi por sorte. 50% foi sabendo quando falar, quando não falar. Você não briga quando está em cativeiro. Muitos não aguentaram e se lançaram no arame farpado, se eletrocutaram. Eu pensei: 'alguém tem que sobreviver'", recorda.

Jaku deixa sua esposa com quem foi casado 75 anos, dois filhos, quatro netos e cinco bisnetos.

pv (ap, ots)