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Entrevista

DW-Brasil3 de março de 2008

Embaixador brasileiro em Berlim falou à DW-WORLD que críticas européias ao programa de biocombustíveis não se aplicam ao Brasil e que viu protecionismo no embargo à carne brasileira pela União Européia.

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Brasil e Alemanha têm percepções ambientais semelhantes, afirma embaixadorFoto: Geraldo Hoffman

A DW-WORLD entrevistou o embaixador brasileiro em Berlim, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, sobre diferentes temas atuais, entre eles a visita da chanceler federal Angela Merkel à América Latina, a reforma do Conselho de Segurança da ONU, críticas européias ao programa de biocombustíveis, problemas com vistos de estudantes brasileiros na Alemanha, o acordo econômico UE-Mercosul e o embargo contra a carne brasileira.

Deutschland Brasilianischer Botschafter Seixas Corrêa
Embaixador Seixas CorrêaFoto: DW/Roselaine Wandscheer

DW-WORLD: Depois de dois anos e meio na chefia do governo alemão, a chanceler federal Angela Merkel anunciou sua primeira viagem como chefe de governo para o Brasil e outros países do continente latino-americano, quando participará da 5ª Cúpula UE-América Latina, em maio próximo, em Lima. Isso significaria uma mudança de paradigma no interesse da UE perante a América Latina?

Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa: Com as cúpulas UE-América Latina, os diversos países europeus e latino-americanos passaram a ter, além de seus respectivos focos de interesses bilaterais específicos, um foco coletivo. O diálogo UE-América Latina reflete este foco coletivo e dá-se sem prejuízo dos programas que o Brasil e os outros países latino-americanos têm com a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Itália e os outros parceiros europeus em termos de comércio e investimentos.

O diálogo institucional entre a UE e a América Latina permite que se agregue valor aos relacionamentos bilaterais ao se concentrar mais em cooperação institucional. Serve também para o conhecimento pessoal entre nossos líderes, para que se reunam regularmente, para que troquem idéias e criem relações de confiança.

Como vê as chances de concretização de objetivos comuns do Brasil e da Alemanha, como, por exemplo, uma vaga no Conselho de Segurança da ONU?

Para se obter uma reforma do Conselho é necessário criar um consenso ou, pelo menos, uma grande maioria dentro de uma coletividade que inclui países que têm percepções muito diferentes. Principalmente quando se está lidando com o órgão máximo do sistema de governança internacional, que é o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O Conselho é o único órgão de todo o sistema internacional que tem o poder de tomar resoluções mandatórias, que têm que ser obedecidas por todos. Obviamente, dar um papel a países como Brasil, Índia, Alemanha e Japão dentro deste quadro é algo que vai enfrentar e tem enfrentado resistência. Mas nós somos persistentes e atuamos com visão de futuro. Vamos certamente lograr os nossos objetivos desde que continuemos a atuar juntos.

Autoridades européias, como o presidente alemão Horst Köhler, criticam a propagação da monocultura para biocombustíveis em países em desenvolvimento. Como o senhor observa críticas européias a um dos carros-chefe da política de relações exteriores do governo do presidente Lula?

Acho que não há uma crítica, propriamente, ao Brasil. Pelo menos eu prefiro ver assim. Quando se critica os biocombustíveis, aqui na Europa, o tema é colocado sob a perspectiva de um dilema entre biocombustíveis e alimentos, entre biocombustíveis e preservação de florestas tropicais.

Nenhum desses dois problemas ocorre no Brasil. O Brasil tem uma quantidade imensa de terras agricultáveis que não estão em uso e que podem ser usadas para a cultura da cana-de-açúcar, justamente a base do etanol produzido no Brasil. Não faltará nunca terra para a produção de alimentos. A cana-de-açúcar, por sua vez, não pode ser produzida em larga escala na Floresta Amazônica. Não afeta portanto o equilíbrio ambiental.

A Alemanha e o Brasil têm, de resto, percepções semelhantes em matéria ambiental. A Alemanha é, entre os países europeus, o que tem mais cooperado com o Brasil nos programas de preservação da Floresta Amazônica. Eu mesmo acompanhei a visita do presidente alemão, Horst Köhler, no ano passado, ao Brasil. Estivemos pela Amazônia, inclusive num passeio de barco pelo rio, durante o qual se fez um seminário sobre os temas de preservação da Amazônia, sobre os projetos em curso, que foi muito produtivo.

Como o Brasil está tratando a denegação de ingresso na Alemanha a estudantes brasileiros com visto de outros países do Espaço Schengen?

Algumas autoridades alemãs em alguns aeroportos estão denegando visto a estudantes brasileiros baseados em outros países do Espaço Schengen que chegam à Alemanha a passeio, vindos de países não Schengen. Para que a entrada seja autorizada, a autoridade alemã exige que o brasileiro traga um papel que comprove sua residência no país onde está estudando. Isso não se ajusta ao acordo de isenção de vistos de turista que está em vigor entre o Brasil e a Alemanha.

Estamos fazendo duas coisas para resolver este problema.

Primeiramente, insistindo muito junto às autoridades alemãs para que não procedam dessa forma. Afinal de contas, é o único país do Espaço Schengen que está procedendo assim.

Em segundo lugar, estamos advertindo os estudantes brasileiros, através do site da embaixada, para que, quando venham a passeio à Alemanha, tragam, por segurança, um certificado de residência do país onde estão estudando.

O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha já se manifestou que concorda com nossa interpretação do acordo de isenção de vistos. É uma questão de adaptar os procedimentos do Ministério do Interior alemão e isso ainda não ocorreu. Estamos muito preocupados e pendentes de uma solução desse problema.

O senhor acredita que um acordo econômico Mercosul-UE poderá ser fechado em futuro breve?

O que está impedindo a concretização deste acordo, até agora, é a falta de progresso na negociação global, a chamada negociação Doha. Como boa parte das demandas do Mercosul se situa na área agrícola – e já que o capítulo agrícola é uma parte muito importante da negociação global – a União Européia acha que precisa resolver primeiro os padrões globais para só depois concluir um acordo comercial com o Mercosul.

Essas duas negociações acabaram, involuntariamente, se interligando na prática. Já que os acordos bilaterais ou interregionais criam um plus sobre as obrigações globais, a Europa alega que não pode negociar com o Mercosul sem saber o que vai ter que dar no plano multilateral. Quanto mais o tempo passa, mais essas negociações se tornam complicadas.

Acreditamos, porém, que este ano, de uma forma ou de outra, o processo multilateral de Doha irá se definir. Estarão então dadas as condições para que se possa retornar com mais ímpeto – e acreditamos que positivamente – à negociação bilateral

No embargo da UE contra a carne bovina brasileira in natura, o senhor vê erro do Brasil em aceitar o rastreamento bovino imposto pela UE ou protecionismo por parte do bloco?

Não tenho a menor dúvida que se trata de protecionismo. O tema das medidas fitossanitárias é um problema constante nas relações comerciais. Elas têm, obviamente, objetivos legítimos. Mas, obviamente, também geram abusos, distorções, em suma, situações em que, sob a capa de problemas fitossanitários, se escondem interesses protecionistas.

É obvio que num país continental, com um rebanho de mais de 200 milhões de bovinos, as condições de controle não podem ser as mesmas de países mais desenvolvidos e menores. Tem-se que encontrar um justo equilíbrio entre a factibilidade do controle e o seu objetivo. Nós acreditamos que temos um recorde muito bom em termos de qualidade e segurança. Estamos negociando com Bruxelas e acredito que vamos chegar a um acordo.