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Seis perspectivas sobre o resultado das urnas

4 de outubro de 2022

Bolsonaro ganhou capilaridade, mas perdeu força em grandes centros, taxa de mortalidade por covid-19 não influiu em sua votação, e eleitor fez neste ano opções mais ideológicas, avalia pesquisador do Cebrap.

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Homem com camisa da seleção brasileira sai de cabina de votação após votar
Resultado das eleições de domingo foi recebido com surpresa por parte dos eleitores e da imprensa Foto: Myke Sena/dpa/picture alliance

O resultado das eleições de domingo (02/10) foi recebido com surpresa por parte dos eleitores e da imprensa. Bolsonaro teve um percentual de votos superior ao que previam as pesquisas e a extrema direita teve um desempenho marcante também para o Legislativo.

Houve alguns resultados positivos também do lado da esquerda. O PT ampliou a sua bancada na Câmara e no Senado, e elegeu três governadores no primeiro turno e segue na disputa em mais quatro estados.

A DW entrevistou o cientista político Fernando Meireles, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em busca de mais perspectivas sobre o resultado da votação. Estas são seis delas.

Bolsonaro ganhou capilaridade, mas perdeu força em grandes centros

Comparado com a eleição de 2018, Bolsonaro perdeu votos nas capitais e cidades maiores, mas melhorou seu desempenho em municípios menores, em especial nos quais havia recebido menos votos no pleito passado, segundo análise de Meireles.

Esse fenômeno, diz, está relacionado ao domínio da máquina pública pelo presidente e seu poder para transferir recursos voluntários e benefícios sociais, como o Auxílio Brasil, cujo valor foi elevado a R$ 600 a poucos meses da eleição.

Meireles encontrou uma correlação entre a melhora do desempenho eleitoral de Bolsonaro neste ano e o valor per capita pago pelo Auxílio Brasil em cidades das regiões Norte e Nordeste, em especial nos menores municípios.

"O Auxílio Brasil atingiu bastante gente, mas é mais palpável nos municípios pequenos. O perfil do consumo muda, o impacto no comércio local é imediato", diz.

Esse fenômeno tende a produzir efeitos também no segundo turno, a não ser que haja algum esforço específico da campanha petista para essas cidades menores, especialmente no Nordeste, afirma.

O governo federal fez mais um gesto nesta segunda-feira para capitalizar o efeito político de benefícios sociais: antecipou o calendário de pagamento referente ao mês de outubro do Auxílio Brasil, para que todos os beneficiários o recebam até cinco dias antes da eleição.

Por outro lado, Meireles identificou que Bolsonaro perdeu votos em quase todas as capitais e nas maiores cidades neste ano. E foi pior em praticamente todos os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro.

Ele pondera que a base de comparação de Bolsonaro era alta, pois o presidente teve um "desempenho extraordinário" em 2018 nos grandes centros urbanos.

Outra hipótese para esse fenômeno, diz, é que o impacto da recessão, da fome e da inflação tenha atingido com mais força as grandes cidades.

Taxa de mortalidade por covid-19 não teve impacto no voto em Bolsonaro

Meireles também investigou se havia alguma correlação entre o número de mortes por covid-19 a cada 100 mil habitantes, até março deste ano, e a diferença de votos em Bolsonaro em 2018 e no domingo.

O resultado foi que a taxa de mortalidade pela pandemia não impactou o desempenho eleitoral do presidente – com exceção de uma leve correlação na região Sul.

Voto ficou mais ideológico e extrema direita se consolida

O resultado de domingo também mostrou que a ascensão da extrema direita no Brasil não se tratou de um fenômeno passageiro, fruto de uma eleição atípica em 2018, mas sim de um processo enraizado e agora com uma maior representação no Congresso.

Candidatos bolsonaristas, como a fundamentalista cristã Damares Alves, o vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-secretário da Pesca Jorge Seif e o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes foram eleitos para o Senado. Outro exemplo é o deputado federal eleito Nikolas Ferreira, um influencer de 26 anos de Minas Gerais que obteve a maior votação individual para a Câmara na história do seu estado.

Para Meireles, o sucesso de muitas dessas candidaturas vai além da mera vinculação com Bolsonaro e se sustenta em plataformas estruturadas com conteúdo programático e formas de atuar no debate público, que mobilizam valores e propostas.

"Há cada vez mais o voto por conta de um apelo ideológico. O voto mais pragmático, baseado na política local, parece-me que perdeu espaço", diz.

Bancada da esquerda também ficou mais ideológica

O maior peso ao voto por ideologia também foi percebido na votação das bancadas da esquerda, diz Meireles. "As que tinham atuação mais ideológicas cresceram."

A aliança formada por Psol e Rede elegeu 14 deputados, três a mais do que em 2018. Guilherme Boulos, do Psol, foi o deputado federal mais votado de São Paulo e o segundo mais votado do Brasil.

A nova legislatura também marca a chegada das primeiras deputadas trans da história da Câmara, Erika Hilton, do Psol, e Duda Salabert, do PDT, terceira deputada mais votada de Minas Gerais. Duda foi a terceira deputada mais votada de Minas Gerais. Erika foi a oitava mais votada em São Paulo.

E duas indígenas foram eleitas para a Câmara dos Deputados: Sônia Guajajara e Célia Xakriabá. 

Número de partidos no Congresso diminui

Outro aspecto importante dos resultados de domingo é a redução do número de partidos representados na Câmara: 23, sete a menos do que em 2018.

Há boas chances que esse número diminua ainda mais no próximo ano, com a migração de deputados federais eleitos por legendas que não cumpriram a cláusula de barreira e ficarão sem acesso ao tempo de rádio e televisão e à maior parte dos recursos dos fundos eleitoral e partidário.

Segundo um estudo da Fundação da Ordem Social, ligada ao Pros, seis partidos que elegeram deputados federal não cumpriram a cláusula: além do próprio Pros, Patriota, PSC, PTB, Solidariedade e Novo.

"Aos poucos, vamos caminhando para ter um sistema partidário com menos partidos e mais ideológicos. Mas isso não necessariamente significa que a gente vai ter uma governabilidade mais fácil. A depender de algumas variáveis, pode ser ainda mais difícil", diz.

Novo Congresso facilitaria governo de Bolsonaro, mas complicaria o de Lula

A nova composição do Congresso deve simplificar a vida de Bolsonaro caso ele seja reeleito para um segundo mandato. O PL, seu partido, elegeu uma bancada de 99 deputados, quase um quinto da Câmara.

A performance do partido do presidente só se equipara à ocorrida em 1998, ano da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB elegeu também uma bancada de 99 deputados.

O PL também terá 14 senadores, a maior bancada do Senado. Mas esse bom desempenho no Legislativo não significa necessariamente que o presidente vai "passar tudo" que quiser, na avaliação de Meireles.

Ele nota que uma das características do primeiro mandato de Bolsonaro foi seu afastamento voluntário do comando da agenda legislativa e da articulação para a aprovação de projetos de lei, cuja condução em muitos casos ficou a cargo do Congresso. "É uma questão de saber ou não se ele vai ter o desejo de seguir com a agenda."

Caso Lula seja eleito em 30 de outubro, a relação entre Congresso e Planalto será "mais difícil", devido à maior distância ideológica entre as legendas representadas, diz.

"O número de partidos diminuiu, mas a diferença [ideológica] aumentou. Sendo eleito, ele terá uma base de conteúdo programático bem mais à esquerda do que talvez tenha sido durante seu governo [anterior], e do outro lado terá uma bancada ainda maior de pessoas da direita e extrema direita, que não estão afim de negociar e não vão ceder em posições. E que provavelmente vão ocupar os principais cargos dentro da estrutura do Congresso", afirma.