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Seca excepcional se espalha pelo Brasil

8 de outubro de 2024

Pela primeira vez desde o início da série histórica, Brasil registra o nível mais crítico da seca em diversos pontos do território. Em setembro, área afetada foi maior que Pernambuco.

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Barcos parados em Jordão, no Acre
Barcos parados em Jordão, no Acre. Seca tem dificultado transporte na regiãoFoto: Pedro Devani/Secom Acre

Localizado na fronteira com o Peru, o município de Jordão, no estado do Acre, sofreu com inundações históricas em fevereiro e março deste ano. Em maio, no entanto, o cenário mudou radicalmente, com o início de uma forte estiagem. Os rios, a principal forma de acesso ao município, começaram a secar, dificultando a chegada de itens básicos, como gás de cozinha. "Os moradores estão cozinhando com carvão”, contou a coordenadora da Defesa Civil municipal Maria José Feitosa Araújo. "Nunca tinha visto uma situação tão precária.” 

Jordão, que tem 9,2 mil habitantes, está entre os municípios brasileiros que possuem parte do território classificado como afetado por seca excepcional, a categoria mais crítica segundo análise do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Dados obtidos com exclusividade pela DW Brasil revelam que, em setembro, essas áreas somavam 125,3 mil km² – uma extensão maior que o estado de Pernambuco.

É algo inédito, pelo menos desde 2003, quando teve início a série histórica para esses dados. "A classe extrema já não era tão comum. A excepcional, muito menos. São eventos que quase não são vistos. Em 2020, haviam pouquíssimos pontinhos no mapa próximo ao Pantanal, mas quase desprezíveis. De uma forma extensiva, em que é possível visualizar em um mapa, a seca excepcional nunca tinha aparecido como neste ano", explicou a especialista em secas do Cemaden, Ana Paula Cunha.

A classificação do Cemaden é dividida em cinco categorias: fraca, moderada, severa, extrema e excepcional. Para definir a condição de uma área, são analisados dados obtidos principalmente por sensores de satélite, que consideram o déficit de chuvas, a umidade do solo e a secura da vegetação. Na seca excepcional, essas variáveis atingem os níveis mais críticos.

Até hoje nenhum município foi classificado na categoria seca excepcional em toda sua extensão. Porque mesmo que ele possua parte do território no nível mais crítico, como no caso de Jordão, a média das áreas suaviza a classificação.  

Os dados sobre a seca excepcional são mais um capítulo da dimensão da seca que assola o Brasil. No mês passado, o Cemaden já havia divulgado que o país vive a seca mais extensiva, a mais intensiva e a mais duradoura desde 1950. 

Água escassa 

Em Jordão, um dos principais problemas enfrentados é a falta de mercadorias, como gás de cozinha e combustível, por exemplo. Para chegar até o município, a partir da cidade vizinha Tarauacá, os pequenos barcos podem transportar apenas 450 kg, em uma viagem que pode levar 22 dias. A outra opção é avião, mas o custo do transporte encarece muito os produtos. 

Ainda não falta água, mas ela está escassa. De acordo com a coordenadora da Defesa Civil de Jordão, os moradores preferem beber a água retirada de um poço artesiano, por considerá-la mais limpa que a disponibilizada pelo Departamento Estadual de Água e Saneamento do Acre (Depasa). "A seca está fazendo com que falte água no poço. Algumas pessoas vão buscar, mas não encontram. Então têm que esperar até o dia seguinte, às vezes até dois dias." 

Em agosto, o governo federal reconheceu a situação de calamidade do município. O problema, segundo Araújo, é que os recursos ainda não chegaram. Além disso, Jordão solicitou R$ 2,8 milhões, mas serão disponibilizados R$ 342 mil. Em vez das 2,3 mil cestas básicas pedidas, o município receberá 442. "Isso considerando que 45% da população é de indígenas, que já perderam os alimentos da agricultura de subsistência na inundação." 

Quando conversou com a DW, na última sexta-feira (04/10), Araújo estava aliviada. Começou a chover no município. Mas disse que ainda é cedo para saber o quanto a situação irá melhorar. 

Seca em Jordão, no Acre
Em agosto, o governo federal reconheceu a situação de calamidade em Jordão, no Acre. Foto: Pedro Devani/Secom Acre

"Tempestade perfeita"

A seca que atinge o Brasil é fruto de uma série de fatores, ou de uma "tempestade perfeita", como descreveu Ana Paula Cunha, do Cemaden. Como pano de fundo, o aquecimento global provocado pelos seres humanos gera as mudanças climáticas, que intensificam os eventos extremos, como excesso ou falta de chuvas.

Além disso, no segundo semestre do ano passado teve início o El Niño, o aquecimento de uma faixa do Oceano Pacífico que gera chuvas no sul do Brasil – como ocorreu nas inundações que castigaram o Rio Grande do Sul – e secas na maior parte do país. Mas, aliado a isso, ocorreu outro fenômeno que gera escassez hídrica: o aquecimento na superfície do Atlântico Tropical Norte. 

No momento em que o El Niño acabou, em junho, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte aumentou, explicou a especialista do Cemaden. "Podemos dizer que, no ano passado e início desse ano, a seca foi provocada pelo somatório dos dois fenômenos. E agora, a manutenção da seca é por conta do Atlântico Tropical Norte mais aquecido." 

Para piorar a situação, a La Niña, que costuma gerar chuvas do Centro ao Norte do Brasil, prevista para iniciar em setembro, ainda não se confirmou. E tudo leva a crer que será um fenômeno mais fraco do que o esperado. 

Também há fatores locais que explicam a seca, como o desmatamento da Amazônia. "Quando você muda a estrutura da vegetação, você interfere no ciclo hidrológico da região. No caso da Amazônia, ela também influencia outras regiões", disse Cunha. Por meio dos chamados rios voadores, o bioma envia água para regiões como Sul, Centro-Oeste e Sudeste. 

Seca no Tarauacá, no Acre
Seca no Tarauacá, no Acre. Ainda não falta água na cidade, mas ela está escassa.Foto: Pedro Devani/Secom Acre

A seca, o fogo e as terras indígenas

A Terra Indígena Apiaká-Kayabi fica em Juara (MT), cidade que também apresentou parte do território classificado como seca excepcional. Com a vegetação desidratada, pequenos focos de incêndio cresceram muito. "Foram dois meses de fogo, apagando quatro focos de incêndio. Em alguns momentos, era tanta fumaça que não dava para enxergar nada", contou o indígena Joelison França Poias. 

Poias é chefe da brigada da Terra Indígena Apiaká-Kayabi. Em junho, 24 moradores passaram por uma formação para combater incêndios, cujos ensinamentos tiveram que ser colocados em prática logo depois. "Nunca tinha trabalhado com fogo. Foi difícil entendê-lo", analisou. A origem dos focos de incêndios mostra como a forte seca influencia a propagação das queimadas.

"Em um dos focos, uma árvore caiu em cima dos fios de energia, que atingiu a vegetação seca e iniciou o fogo. No outro, o fogo da queima de lixo pulou para a área seca e se alastrou. Em outro caso, uma criança colocou fogo em uma área, os pais não viram, e também se alastrou", contou. A origem do quarto foco é desconhecido, porque entrou na terra indígena por meio de uma fazenda vizinha. 

Além da brigada da terra indígena, eles pediram ajuda à Brigada de Alter do Chão, de Santarém (PA), que os auxiliou a apagar os incêndios. O Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad) também foi chamado, já que os indígenas viram muitos animais mortos, como pacas, antas e cotias. 

Os dados do Cemaden mostram que, em setembro, 52 terras indígenas foram classificadas com condição de seca extrema e 142, com seca severa – números maiores que os de agosto. A maior parte delas localizadas nas regiões Norte e Centro-Oeste. 

Em relação ao país inteiro, setembro teve aumento de 12% no número de municípios com seca extrema em relação a agosto, totalizando 263 municípios. A previsão é de que o número aumente ainda mais em outubro, chegando a 293 municípios. 

Uma melhora geral na situação da seca pode acontecer na virada do ano, época de chuvas na maior parte do país. Isso vai depender, em parte, da força do La Nina. "Se não acontecer, vamos entrar num abismo com impactos bem profundos", alertou a especialista Ana Paula Cunha, do Cemaden.