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Sanções ocidentais à Rússia impulsionam moeda chinesa

Nik Martin
17 de setembro de 2024

Restrições estimularam transações comerciais em renminbi e estão ajudando Pequim a desafiar status do dólar como moeda de reserva.

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Celular mostra uma versão digital do renminbi
Apesar das iniciativas de internacionalização adotadas por Pequim, a moeda chinesa ainda está longe de ser uma moeda de reserva: globalmente, o yuan é usado em menos de 7% de todas as transações que envolvem câmbio, segundo o Atlantic CouncilFoto: Wang Jianfeng / Costfoto/picture alliance

A imposição de sanções à Rússia por países ocidentais, por causa da invasão da Ucrânia, bloqueou a capacidade do Kremlin de negociar em dólares americanos, euros e outras moedas. Os bancos russos foram excluídos do protocolo internacional de comunicação entre instituições financeiras Swift, e ativos em moeda estrangeira do Banco Central da Rússia foram congelados.

Isso forçou Moscou a transferir suas reservas restantes para moedas não controladas pelo Ocidente, incluindo o chinês renminbi (RMB), cuja unidade é o yuan.

Desde as sanções ocidentais, acordos de venda de energia com a China, feitos para compensar a perda de renda decorrente da falta de compradores europeus de petróleo e gás russos, fizeram as transações internacionais em yuan atingir um recorde, informou o jornal britânico Financial Times, citando dados da Administração Estatal de Câmbio da China.

O número de transações bilaterais da China feitas na moeda chinesa aumentou em um terço em julho, passando de 40% no mesmo mês de 2021 para 53%. Em 2010, 80% das exportações chinesas era em dólares, informou o Financial Times, mas esse número caiu pela metade desde que as sanções ocidentais contra a Rússia foram impostas. No mesmo período, o comércio exterior em yuan cresceu de quase zero para mais da metade de todas as transações.

"O comércio em yuan é conveniente tanto para a Rússia quanto para a China", observa a analista Maia Nikoladze, do think tank Atlantic Council. "A Rússia não tem muitas outras opções, enquanto a China eleva sua influência econômica sobre Moscou e ainda faz progressos no sentido de internacionalizar o yuan."

Globalmente, entretanto, o yuan é usado em menos de 7% de todas as transações que envolvem câmbio, enquanto o percentual do dólar é de 88%, de acordo com o Atlantic Council.

Outras nações do Brics observam

O comércio em yuans está se beneficiando dos acordos bilaterais entre Moscou e Pequim, que levaram a Rússia a aumentar suas reservas na moeda chinesa. Um acordo de troca de moeda permite aos bancos russos ter liquidez para o yuan. As instituições financeiras russas também começaram a emitir títulos da dívida em yuan.

Outros países, especialmente os do grupo do Brics, acompanham com atenção o aumento das transações em yuan. Os líderes desses países já têm planos de uma moeda compartilhada, para criar um sistema financeiro multipolar e diminuir a dependência do dólar.

O analista Hanns Günther Hilpert, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), diz que muitos países do Sul Global veem com preocupação as medidas ocidentais para congelar as reservas russas. "Talvez eles mesmos tenham um problema com os Estados Unidos no futuro e suas reservas também possam vir a ser congeladas. Por isso, esses países estão se afastando do dólar", acrescenta.

O candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, considera a desdolarização uma ameaça tão grande à hegemonia dos EUA que ameaçou, num recente comício de campanha, aplicar tarifas de 100% aos países que se afastarem da moeda.

"Muitos países estão abandonando o dólar. Comigo, eles não vão deixar o dólar. Eu direi: 'Se vocês deixarem o dólar, não farão mais negócios com os Estados Unidos, porque vamos impor uma tarifa de 100% sobre seus produtos'", disse Trump.

Arábia Saudita, Brasil e Argentina seguem a Rússia

Pequim fez acordos com vários outros países para fechar mais negócios em yuan. A Arábia Saudita, um dos maiores exportadores de petróleo para a China, assinou um acordo de troca de moeda de três anos com Pequim em novembro passado, no valor equivalente a quase 7 bilhões de dólares.

Esse acordo simboliza um potencial deslocamento significativo nos mercados globais de energia, que têm sido tradicionalmente dominados pelo dólar americano, daí o termo petrodólar. Embora uma mudança completa para precificação em yuan de todas as vendas de petróleo sauditas seja improvável no curto prazo, o acordo permite que os dois países testem essa possibilidade sem interromper as práticas comerciais existentes.

"A Arábia Saudita está vendendo petróleo e gás para a China e recebendo renminbi, que pode ser usado para comprar produtos chineses ou para investir na China, o que os sauditas já fizeram", exemplifica Hilpert.

Lula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi e Serguei Lavrov durante encontro do Brics na África do Sul, em 2023
Países do Brics acompanham com atenção a evolução do yuan como moeda de reservaFoto: Prime Ministers Office/Zuma Press/picture alliance

Brasil, Irã, Paquistão, Nigéria, Argentina e Turquia também concordaram em realizar mais transações comerciais em yuans. No caso do Irã, as pesadas sanções ocidentais forçaram Teerã a entrar ainda mais na esfera de influência da China. As refinarias chinesas compraram 90% do petróleo exportado pelo Irã no ano passado, segundo dados de rastreamento de navios-tanque da empresa de análise comercial Kpler. O Irã foi pago em yuan, por meio de pequenos bancos chineses.

A Argentina, que vem lidando com uma crise econômica brutal, enfrenta uma grave escassez de dólares para pagar suas importações e seu serviço da dívida. Ao realizar uma parte maior do seu comércio com a China em yuan, o país sul-americano pode reter seus dólares, o que ajuda a estabilizar o peso argentino.

Controles de capital impedem a ascensão do yuan

Apesar das iniciativas de internacionalização adotadas por Pequim, a moeda chinesa não é totalmente conversível com outras moedas, o que, segundo especialistas, é fundamental para que ela se torne uma moeda de reserva. Pequim mantém controles de capital que restringem o livre fluxo de capital para dentro e para fora do país.

Além de a plena conversibilidade ser uma ameaça ao controle férreo do Partido Comunista sobre o poder, os líderes chineses estão preocupados com uma repetição da crise financeira asiática de 1997-98, quando investidores apostaram na queda de várias moedas asiáticas, devido ao alto endividamento de seus respectivos países, provocando uma grande fuga de capital.

Hilpert afirma que tornar-se uma moeda totalmente conversível "tem um preço", que seria a instabilidade política e econômica. "O renminbi ficaria sujeito à especulação cambial, o que os chineses temem. Eles viram o que aconteceu com a Tailândia e a Coreia do Sul [na crise de 1997-98]", diz.

No auge do colapso asiático do final dos anos 1990, o baht tailandês e o won coreano perderam mais da metade de seu valor em relação ao dólar, e a Tailândia e a Coreia do Sul, juntamente com a Indonésia, foram forçados a pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Pequim não demonstra disposição para suspender os controles de capital, o que seria um fator fundamental para permitir que o yuan alcançasse seu potencial como moeda para o comércio global", observa Nikoladze.

Outro benefício das restrições impostas por Pequim ao yuan é a flexibilidade de desvalorizar a moeda para impulsionar as exportações durante períodos de desaceleração econômica. Os líderes chineses fizeram isso em 2015 e novamente durante a pandemia de covid-19. Há especulações de que outra desvalorização acentuada seja iminente.

Xi quer que a China seja uma potência financeira

Embora o papel do dólar como moeda mundial de reserva deva perdurar no curto e médio prazo, o presidente chinês, Xi Jinping, reafirmou em janeiro sua ambição de que a China se torne uma "potência financeira", observando que o sistema de seu país é "diferente dos modelos ocidentais".

A maior economia da Ásia enfrenta muitos desafios na sua tentativa de mover o mundo na direção de um sistema monetário multipolar. Entre eles estão os altos níveis de endividamento de empresas, famílias e administrações públicas, o agravamento da crise imobiliária do país e um sistema bancário paralelo (shadow banking system) intransparente, que ajudou a sustentar os altos preços dos imóveis.

Além disso, as contínuas tensões comerciais e geopolíticas com o Ocidente e os vizinhos asiáticos também ameaçam a recuperação da China após a pandemia.

Hilpert avalia que a China não está realmente integrada ao sistema financeiro global porque tem "muitas ineficiências", incluindo empresas estatais que são altamente subsidiadas e um sistema financeiro imperfeito. "Se você quer se tornar uma grande potência econômica, essa não é a estratégia certa", afirma.