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Só 5% dos que desmatam na Amazônia pagam por crime

31 de janeiro de 2025

Conclusão é da ONG Imazon, que analisou mais de 3 mil ações judiciais propostas pelo Ministério Público Federal entre 2017 e 2020. Dos mais de R$ 4,6 bi pedidos, apenas R$ 652,3 mil foram de fato quitados.

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Gado pastando em área de floresta aberta por fogo no estado do Pará
Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas concentraram 98% das ações e uma taxa equivalente (97%) das sentenças emitidas até dezembro de 2023. Amapá é o único estado sem casos julgadosFoto: Andre Penner/AP/picture alliance

Identificar os desmatadores da Amazônia e garantir que eles paguem pelo crime ambiental ainda é um desafio no Brasil. Até mesmo quando as denúncias avançam e são acolhidas pela Justiça, o pagamento das indenizações é demorado e nem sempre esse dinheiro é aplicado na recuperação do bioma destruído. 

A conclusão é de um estudo que acompanhou o destino de 3.551 ações do Ministério Público Federal (MPF) entre 2017 e 2020 que pediam mais de R$ 4,6 bilhões em sanções. Os procuradores tentavam punir os responsáveis  pela perda de uma área de vegetação nativa de cerca de 2.650 quilômetros quadrados, mais que o dobro do tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

"O sistema judiciário ainda sofre com a lentidão, mas identificamos alguns avanços específicos", avalia Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), organização não governamental responsável pela análise publicada nesta sexta-feira (31/01).

Segundo o levantamento, 2.028 das 3.551 ações analisadas, 57% do total, haviam sido julgadas até dezembro de 2023. Mas apenas 695 casos receberam algum tipo de punição, considerando as decisões após o julgamento de recursos e os acordos firmados como Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Brito, porém, ressalta que o número de condenações aumentou desde outubro de 2020, algo que ela considera positivo. "A gente vê mais casos procedentes [quando juízes ou tribunais aceitam pelo menos um dos pedidos do MPF] e tem muitos recursos de ações que ainda serão julgados e podem ser revertidas em sentenças", afirma. 

Tecnologia contra o desmatamento

A análise do Imazon foca exclusivamente nos resultados do programa Amazônia Protege, uma iniciativa inovadora lançada em 2017 pelo MPF. Procuradores usaram imagens de satélite e informações de banco de dados oficiais de imóveis para propor ações civis públicas contra desmatadores ilegais de forma remota, sem precisarem ir a campo. Foram consultados sistemas como o Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Nem sempre o cruzamento de dados públicos é suficiente para localizar o dono da terra. Nesses casos, o MPF entra com uma ação contra pessoas não identificadas, os chamados réus incertos, e pede ao juiz a publicação de um edital com informações sobre o local desmatado na tentativa de encontrar os responsáveis.

Ainda que os responsáveis não sejam identificados, ações desse tipo podem levar a Justiça a embargar a área desmatada e proibir que seja feito qualquer uso econômico dela.

De todos os processos que tiveram alguma sentença (2.028), 40% eram de réus incertos, aponta o levantamento do Imazon. "A maioria dos processos são com réus identificados, o que é um avanço graças a esse cruzamento de dados que o MPF faz", analisa Brito. 

Poucos pagam

Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas concentraram 98% das ações e uma taxa equivalente (97%) das sentenças emitidas até dezembro de 2023. Dos outros estados da Amazônia Legal, o Amapá é o único que ainda não teve casos julgados.

A maior quantidade de sentenças não representa necessariamente sucesso na punição. As três comarcas que lideram o número de processos – Porto Velho (RO), Manaus (AM) e Juína (MT) – são também as que mais têm sentenças que extinguiram as ações sem responsabilização.

O pagamento das indenizações estipuladas nas sentenças, mostra o estudo do Imazon, ainda é baixo. Das 695 contabilizadas no período, que incluem as procedentes após julgamento de recursos (640) e TACs firmados (55), apenas 37 foram pagas – o equivalente a 5%. Em valor monetário, as dívidas quitadas representam R$ 652,3 mil. 

"Digamos que este é o novo desafio do programa: fazer com que efetivamente as sentenças sejam executadas. É uma nova fase do sistema", comenta Brito.

Em 552 casos houve obrigação de recuperação da área desmatada com a exigência de um Plano de Recuperação de Área Degradada ou Projeto de Reflorestamento. Um exemplo vem da comarca de Vilhena, em Rondônia: por meio de um acordo firmado entre o réu e o MPF, o desmatador teve que recuperar a área e pagar R$ 50 mil de indenização. 

"O recurso foi destinado a um projeto socioambiental na localidade, organizado por uma cooperativa indígena e voltado às atividades de manejo florestal sustentável, piscicultura, ecoturismo e agricultura familiar", citam os pesquisadores. O caso, destacado pelo Imazon como um bom exemplo, foi acompanhado pelo MPF.

O pedaço do Brasil onde a Amazônia quase desapareceu

Evolução do sistema de Justiça 

A primeira avaliação sobre os resultados do Amazônia Protege publicada pelo Imazon, em 2022, identificou uma certa resistência de juízes aos novos métodos empregados pelo MPF. Das 650 sentenças avaliadas à época, 78% delas decidiram pela extinção dos processos sem julgamento de mérito (506 casos). A maioria dessas ações tinham sido propostas contra réus incertos. A situação começou a mudar depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válidos os processos de réus incertos. 

"No início dos julgamentos houve muitos casos de extinção porque os juízes estavam resistentes a essa estratégia de usar imagens remotas e do réu incerto. Mas a gente percebeu neste segundo estudo que o cenário começou a se modificar", avalia Brito.

O que pode melhorar

Para que a punição e o combate ao desmatamento avance, os pesquisadores do Imazon sugerem que o Judiciário brasileiro se prepare para avaliar esta nova forma de responsabilizar quem pratica o delito. 

"O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisa ampliar a disseminação e organizar treinamentos sobre o protocolo para julgamento de ações ambientais de 2023, que aborda parâmetros para uso das provas produzidas exclusivamente por sensoriamento remoto ou obtidas por satélite", sugere o estudo.

Outra recomendação é destinar o dinheiro arrecadado com as indenizações para a reparação exclusivamente na Amazônia por meio de instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos. Além disso, os órgãos responsáveis também precisam melhorar a forma como determinam a restauração das áreas desmatadas e a fiscalização dessa obrigação.

Os 3.551 processos analisados pelo Imazon foram ingressados pelo MPF nas fases 1, 2 e 3 do Amazônia Protege. Entre 2021 e 2023, não foram propostas novas ações. No ano passado, o MPF iniciou a fase 4 do projeto e entrou com 193 novas ações contra desmatadores ilegais.