Retrato de uma Manchester inabalável
24 de maio de 2017Nos 11 anos em que vivi em Manchester, a cidade cresceu constantemente, prosperou, alcançou fama internacional e ficou mais segura. Áreas que antes eram perigosas estão se transformando em comunidades multiculturais dinâmicas. Os esforços da polícia local para trabalhar com os líderes comunitários impediram crimes de gangues e armas, enquanto a grande população estudantil da cidade mantém Manchester com uma aparência fresca, vibrante e nova.
Manchester tem registrado um dos melhores crescimentos econômicos em todo o Reino Unido, e isso continuou também em face das incertezas ligadas à perspectiva do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Testemunhei a cidade crescer e se transformar num centro empresarial e cultural da Europa.
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Um senso de união compartilhado por quase todos aqueles que vivem aqui contribuiu para que tudo isso acontecesse. À medida que milhares de pessoas se reuniam na noite de segunda-feira (22/05) para uma vigília para lamentar os 22 mortos e mais de 60 feridos no ataque terrorista ocorrido no mesmo dia, era possível sentir e ouvir o espírito de Manchester.
"Os mancunians [cidadãos de Manchester] e Manchester sempre formaram uma cidade baseada em pessoas unidas, e não divididas", disse-me Mark Beatty, enquanto se preparava para ouvir as palavras do prefeito de Manchester e outros que se dirigiram à multidão. "E não permitiremos que o terrorismo nos divida, por isso trouxemos as crianças hoje."
Mudar para melhor
Beatty levou suas três filhas, que estão no ensino fundamental – mesma faixa etária de muitas pessoas que foram ao show da cantora americana Ariana Grande que foi alvo do ataque na noite anterior. Ele queria lhes mostrar do que esta cidade é feita.
Abid Hussein também tomou seu caminho até a vigília junto com um grupo de amigos e expressou as mesmas esperanças compartilhadas por tantas outras pessoas reunidas em torno dele. "Espero que isso mude as coisas para melhor. Espero que isso una os cidadãos de Manchester, sejam negros, brancos, amarelos, judeus, cristãos, muçulmanos, hindus ou sikh", disse.
O centro de Manchester passava a impressão de que estava retomando o senso de normalidade naquela noite, com pessoas lotando as calçadas em frente a pubs e bares no sol quente de maio, havia claramente um limite para tudo. Mas policiais armados eram um lembrete do que aconteceu, e do que ainda pode ocorrer.
Poucas horas mais cedo, estive no meio da frenética evacuação do centro comercial Arndale – um enorme shopping center no centro da cidade. As pessoas entraram em pânico quando a polícia entrou para prender um homem, sem ligação com o ataque terrorista, e começaram a correr para as saídas. Eu corri com elas. De repente, senti-me completamente desamparado, assustado e com raiva do fato de isso ser o que pessoas nesta e em tantas outras cidades europeias passaram a esperar.
Manter a união
Com a repercussão imediata dos ataques terroristas de 2011 em Oslo e Utoya em mente, passei a manhã cuidadosamente evitando tirar conclusões de que o terror islâmico estava por trás do ataque às pessoas dentro da Arena Manchester.
Então, o grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) reivindicou a responsabilidade. Logo depois foi divulgada a identidade do homem-bomba – um cidadão britânico nascido em Manchester e filho de líbios que fugiram do regime de Muammar Kadafi na década de 80.
O que será agora da considerável população muçulmana de Manchester? Haverá uma reação negativa, como foi visto em outras partes de cidades ocidentais após ataques reivindicados pelo EI?
"Estou diante de vocês em nome de toda a sociedade muçulmana de Old Trafford", disse o imã Yusuf Chunara, da mesquita Jame'ah E Noor, do lado de fora da prefeitura de Manchester. Ele e muitos outros de diferentes crenças se reuniram para deixar uma mensagem contra o terror que atingiu a cidade.
"É terrível, é horrível que alguém queira fazer algo assim com pessoas inocentes que apenas estavam se divertindo. Esses atos são altamente contra o islã, e nós os condenamos veementemente", disse.
"Todo mundo tem esse medo intrínseco. Ensinamos e promovemos a paz. É uma questão de humanidade. E também estamos aqui para mostrar nosso apoio à polícia e a todas as pessoas que ajudaram aquelas que foram afetadas", acrescentou.
A população muçulmana de Manchester é diversa, e não tem sentido generalizar um grupo de pessoas com base em sua religião. No entanto, sempre haverá aqueles que apontam o dedo para o islã quando ocorrem atos de terrorismo praticados por pessoas que afirmam fazê-lo em nome dessa religião.
Responsabilidade recai sobre o criminoso
Dois dias após o ataque, parece que Manchester está se recuperando, preparando-se para seguir em frente. Dúvidas permanecem sobre como um jovem pode ter se radicalizado ao ponto de decidir atacar crianças e jovens na cidade em que cresceu.
Enquanto as pessoas continuavam trazendo flores para a praça em frente à prefeitura nesta quarta-feira, o consenso parecia ser que a responsabilidade pelo ato era exclusivamente do agressor e de quaisquer possíveis cúmplices, e não pode ser colocada nos ombros de uma comunidade.
Ao mesmo tempo, para mim e para meus companheiros macunians, a coisa mais triste é perceber que, para as crianças da cidade, esse ataque sem sentido é algo que elas podem esperar que se repita.