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Quem é o criminoso da guerra síria que pode ir às Olimpíadas

Cathrin Schaer
9 de julho de 2024

Ativistas sírios estão tentando impedir presença de aliado do ditador Bashar Assad nos Jogos de Paris. Comitê organizador alega que cabe ao Tribunal Penal Internacional tomar alguma providência.

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Policiais de costas, caminhando. Ao fundo, parte da Torre Eiffel decorada com os aros olímpicos
Policiais patrulham entorno da Torre Eiffel, em Paris, na reta final para os Jogos OlímpicosFoto: Takuya Matsumoto/AP Photo/picture alliance

Em agosto de 2023, um  sírio postou no Facebook uma foto sua em frente à Torre Eiffel, em Paris. Na imagem, ele não sorria, e parecia algo deslocado. O registro não deve ter surpreendido os parentes, amigos e colegas daquele homem. Mas causou arrepios em oposicionistas sírios e jornalistas.

Al-Aroub é uma figura próxima do ditador Bashar al-Assad – alguém acusado de cometer diversos crimes de guerra contra seu próprio povo, inclusive mediante uso de armas químicas, no decorrer dos 13 anos da guerra civil síria.

Al-Aroub é conhecido por ser um alto integrante das Brigadas Baath, ou Batalhão Baath, uma milícia ligada ao regime de Assad. Antes, ele liderava a União Nacional de Estudantes Sírios, ou NUSS, também ligada ao ditador.

Só que, além disso, Al-Aroub é também chefe do Comitê Paralímpico da Síria. A foto em Paris foi tirada quando ele esteve na capital francesa para um encontro esportivo durante o verão europeu de 2023.

Perseguição e tortura de estudantes

Al-Aroub chamou atenção do Consórcio Sírio-Britânico (SBC), grupo ativista baseado em Londres, que recentemente investigou possíveis crimes de guerra cometidos pelo NUSS durante a repressão a protestos contra o governo entre 2011 e 2013.

A investigação, que durou anos e foi publicada em junho, confirmou "um padrão de repressão sistemática de estudantes universitários, incluindo detenções e torturas no campus", afirma à DW Yasmine Nahlawi, investigadora da SBC.

"O que sabemos é que ele [al-Aroub] recrutou outros estudantes para monitorar os manifestantes e participar da violenta repressão. Sabemos que ele os armou com cassetetes e há também relatos de que distribuiu armas de fogo", relata.

"Temos testemunhas que dizem que ele mandou usar a violência que fosse necessária, contanto que não matassem. Ele instruiu pessoas a arremessar pela janela estudantes contrários ao governo e ordenou que homens fossem espancados em suas partes íntimas de tal forma que se tornassem inférteis."

Agora Nahlawi e os colegas dela teme que al-Aroub retorne à Europa para participar dos Jogos Olímpicos de Paris, que começam em 26 de julho, ou dos Jogos Paralímpicos, cuja abertura será em 28 de agosto.

Por isso, eles lançaram uma petição pedindo que os organizadores dos eventos esportivos vetem a presença de al-Aroub. A iniciativa tem o apoio do do grupo de mobilização londrino A Campanha Síria (The Syria Campaign).

Antes, em 2020, al-Aroub já esteve nas Olimpíadas de Tóquio. Isso porque, ao contrário de outros líderes sírios, não há mandados de prisão pendentes contra ele, tampouco seu nome consta em alguma lista de sanções.

Comitês Olímpico e Paralímpico se eximem de responsabilidade

Três atletas devem competir sob a bandeira síria nas Olimpíadas de Paris. No caso das Paralimpíadas, não se sabe ainda quantos participarão porque as disputas pela classificação ainda estão em andamento.

Um homem erguendo uma barra cheia de pesos
Atleta sírio Man Assad durante os Jogos de 2020. Nas Olimpíadas de Paris, país será representado nas modalidades levantamento de peso, hipismo e ginástica olímpicaFoto: Seth Wenig/AP Photo/picture alliance

Nahlawi frisa que os ativistas sírios não têm um problema com os atletas, e sim com a forma como o governo sírio os usa para melhorar sua imagem no exterior. Nem o Comitê Olímpico Internacional (COI) nem o Comitê Paralímpico Internacional (CPI) pareciam achar que a questão lhes dizia respeito.

Indagados sobre as suspeitas de crimes de guerra que pesam contra al-Aroub, o CPI afirmou à DW por e-mail que "há muitas outras organizações, incluindo o Tribunal Penal Internacional [TPI], que estão melhor posicionadas para investigar se são verdadeiras ou não".

Alegando questões de segurança e privacidade, outro porta-voz do evento disse que não podia confirmar se al-Aroub estava credenciado para as Paralimpíadas, mas que todas as inscrições precisam ser aprovadas pelas autoridades governamentais relevantes.

Uma fonte diplomática do governo francês afirmou à DW que as inscrições para os Jogos Paralímpicos estão atualmente sendo processadas, que elas seriam sujeitas às usuais "investigações administrativas de segurança" e que al-Aroub não teria nenhum tipo de imunidade diplomática apenas por causa de seu cargo.

Prendê-lo em Paris não parece uma opção realista. As leis que permitem à França prender indivíduos que cometeram tortura no exterior têm limites.

Um rapaz segurando uma raquete de badminton e prestes a rebater uma peteca
Há oito atletas sírios na equipe olímpica de refugiados. O atleta de badminton Aram Mahmoud é um delesFoto: Alexander Nemenov/AFP/Getty Images

Esporte também é político

Para Adam Scharpf, professor de ciência política na Universidade de Copenhague que pesquisa a instrumentalização do esporte por autocratas, o protesto dos ativistas sírios e a aparente relutância do Comitê Olímpico em se envolver não surpreendem. "Tensões políticas em torno de grandes torneios esportivos são provavelmente a norma, não a exceção", afirma.

Há uma longa lista de comitês nacionais banidos de Olimpíadas anteriores: Alemanha e Japão após a Segunda Guerra Mundial, África do Sul por cerca de duas décadas durante o Apartheid e, mais recentemente, o Afeganistão por causa da discriminação do Talibã contra mulheres e Rússia e Belarus por causa da guerra na Ucrânia – cujos atletas só poderão participar sob bandeira neutra. Também houve pedidos recentes para desconvidar Israel devido às ações do país em Gaza e na Cisjordânia.

"O esporte sempre foi político", analisa Scharpf. "Para organizações como o COI, isso inevitavelmente significa um dilema. Por um lado, trata-se de levar a carta olímpica e as declarações sobre paz, compreensão internacional e direitos humanos a sério; por outro, não se deve cooperar com ditaduras repressivas e seus representantes."

Em relação ao caso sírio, Scharpf suspeita que haja outro problema também: as acusações contra al-Aroub parecem estar relacionadas, entre outras coisas, ao envolvimento dele nas Brigadas Baath – só que, assim como a NUSS, elas não tinham vínculos oficiais com o regime de Assad.

"Sabemos que esses grupos são usados estrategicamente pelos governos para que possam mais tarde se distanciar da violência que encomendaram", afirma, acrescentando que isso dá "plausibilidade" às negativas desses regimes de envolvimentos em atrocidades. "A conexão frágil obviamente torna difícil identificar e sancionar pessoas associadas a um grupo desses. Também permite que organizações como o COI aleguem não ter conhecimento [das violações de direitos humanos]."

Por e-mail, o Comitê Paralímpico Sírio negou as acusações contra al-Aroub, dizendo que eram motivadas politicamente, mas não confirmou se ele viajaria novamente para Paris.

Nahlawi, da SBC, diz que se a campanha deles der certo e al-Aroub for barrado, então o trabalho deles terá sido bem-sucedido. "Porque a mensagem mais ampla é que não deveria haver lugar nas Olimpíadas para criminosos de guerra", explica. "Quando você dá uma plataforma dessas para criminosos de guerra, envia uma mensagem horrível a todas as vítimas e familiares que continuam buscando justiça."