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Que tal convidar um refugiado para jantar?

Greta Hamann (av)12 de novembro de 2015

Para quebrar preconceitos, iniciativa de Bonn, na Alemanha, promove jantares entre moradores e migrantes. Com um refugiado da Síria à mesa, as perguntas são tantas que a comida se torna secundária.

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Nidal (2º da esq.) levou mais de um mês para chegar da Síria à AlemanhaFoto: DW/G. Hamann

O queijo gratinado já está meio seco, os champignons entre as placas de macarrão já não fumegam mais. Os grandes pedaços de lasanha permanecem intocados nos pratos. Embora o refugiado Nidal, da Síria, e o grupo de alemães tenham se encontrado para jantar juntos, hoje a comida é assunto secundário. E fica difícil falar de boca cheia.

A anfitriã Nina e seus amigos têm muitas perguntas. E Nidal, que já vive há um ano e meio na Alemanha, tem prazer em respondê-las – em alemão, naturalmente. Para tal, tira da mochila um pequeno mapa da Europa, fornecido pela Central Federal de Educação Política. Ele o estende sobre a mesa: seu país natal fica tão perto que também está incluído no mapa.

O heterogêneo grupo está reunido graças à iniciativa Ich Lade Dich Ein (Eu te convido), em que moradores da cidade de Bonn são incentivados a convidar refugiados e novos imigrantes para jantar com eles. Muitos dos recém-chegados não conhecem nenhum alemão. A ideia subjacente é uma refeição dividida, como forma mais rápida de vencer as barreiras de aproximação e desfazer os preconceitos.

"Ou eu seria morto ou teria que matar"

"Aqui fica Homs, foi aqui que estudei", mostra Nidal. Quando "o problema" – assim ele se refere aos conflitos sangrentos na Síria – alcançou sua cidade, ele foi inicialmente para Aleppo. Contudo, com o término dos estudos, crescia o medo de ser recrutado para o serviço militar. "Para mim estava claro: se eu fosse para o Exército, ou ia ser morto ou ia ter que matar outras pessoas. Eu não queria isso."

Segue-se uma longa narrativa sobre a ainda mais longa viagem que Nidal enfrentou para chegar à Europa. Primeiro para a Turquia; depois de avião até a Argélia; de lá, mais de 12 horas através do deserto até a Líbia, onde de início ele se escondeu por vários dias com um grupo de sírios.

"Não tínhamos quase nada para comer, só queijo, durante 13 dias só comemos queijo." Então, ele e outros integrantes do grupo foram capturados e colocados numa prisão líbia, de onde puderam sair duas semanas mais tarde, graças a um contato.

À medida que, pouco a pouco, a lasanha vai desaparecendo dos pratos, Nidal segue contando coisas sobre as quais raramente se ouve num jantar. Numa embarcação grande, ele atravessou o Mar Mediterrâneo até a Itália. Por ser homem, ele teve que ficar na casa de máquinas escura por 17 longas horas. "Eu pensei: 'OK, estou morto.'" Mais de um mês depois de ter saído de Aleppo, chegou à Alemanha. E por sorte foi parar em Bonn, diz o sírio, com um sorriso.

Engajamento em Bonn

Seus anfitriões logo entendem o motivo de tal felicidade: embora eles próprios trabalhem com refugiados, no clube esportivo ou na escola, Nidal parece mais bem informado do que todos os quatro juntos. Ele participa ativamente de várias associações e comunidades, que vai contando nos dedos: Pro Familia, JASA Kulturverein, Post-Sportverein, Save Me. Na igreja católica Thomas Morus, também ajuda como tradutor.

Para completar, ele recomenda o Begegnungscafé – o "café do encontro" de Bonn. Todos riem, pois nunca poderiam esperar que um professor de inglês da Síria, de 29 anos, conhecesse a cidade renana quase melhor do que eles.

No dia a dia, Nidal constata que nem todos os migrantes conseguem ou querem se integrar tão rapidamente quanto ele, que atua quase diariamente como tradutor-intérprete. "Alguns só falam árabe. E não é em todo lugar que as estruturas para refugiados são tão boas como aqui, em Bonn." No momento, ele está aprendendo vocabulário de medicina, para poder auxiliar melhor nesse campo.

Várias vezes Nidal enfatiza que é só graças àquele que o ajuda, o seu "padrinho", que ele tem a possibilidade de ajudar assim. "Sem ele, eu não saberia absolutamente nada." Logo após sua chegada à Alemanha, uma iniciativa para refugiados lhe designou uma pessoa de apoio, que inclusive o auxiliou a encontrar moradia. Agora, ambos estão praticamente todo dia em contato.

Mais perguntas e sorvete derretido

A sobremesa – tortinhas de framboesa com sorvete de baunilha – está na mesa. A cada minuto o clima fica mais relaxado. O grupo só se lembra de comer quando o sorvete derretido já está alcançando a beira dos pratos. São numerosas demais as perguntas que estão na ponta da língua, esperando para ser feitas.

Por que uma guerra, por que justamente na Síria? A Alemanha deveria intervir por meios militares? Por que o presidente Bashar al-Assad não desiste? Aqueles que hoje abandonam o país voltarão um dia para ajudar na reconstrução?

Nidal fica devendo essas respostas: "Eu não sei", é tudo o que pode dizer. São perguntas que muitos se fazem. Mas que, depois do jantar na companhia do refugiado sírio, se tornaram ainda mais urgentes para Nina e seus amigos.