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Pé na praia: Uma estrada para os pobres

Thomas Fischermann
11 de janeiro de 2017

Em visita ao norte do Brasil, correspondente alemão Thomas Fischermann conheceu Teófilo, de 87 anos. Ex-seringueiro viu a região e a própria vida se transformarem com a abertura da Transamazônica pelo governo militar.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Meus amigos brasileiros me tem há muito por louco, mas adoro dirigir pela Transamazônica. Não é uma experiência muito relaxante. Na época de chuvas, fica-se atolado na lama até com uma caminhonete de tração quatro rodas. Na época de seca, a visibilidade é péssima devido à poeira. Mas, como repórter, dá para conhecer pessoas muito interessantes na Transamazônica. 

Por exemplo: Teófilo Pereira da Silva, um ribeirinho cheio de vida de 87 anos de idade. Ele vive desde 1963 em uma pequena margem de rio, que dá para alcançar em aproximadamente oito horas viajando de carro pela selva. "Tive muita sorte na vida. Fui picado por cobra nove vezes, mas nunca morri do veneno", diz ele.

Teófilo ria muito ao me contar a história de sua vida. Pulava de uma perna à outra, cheio de energia. Quando mudou para esse lugar no Amazonas tinha 36 anos de idade e, naquela época, sua pequena praia ficava muito mais escondida na selva. Teófilo trabalhava como seringueiro. Levantava cedo, riscava com uma faca em uma árvore, voltava mais tarde para recolher o líquido viscoso do látex que escorreu. Fervia o látex em uma fogueira até fazer dele uma bola de borracha, que então vendia. Uma vez por mês era visitado de barco por um negociante que comprava dele o que tinha produzido. Casou-se em 1966 com uma garota de 13 anos. 

Em 1973 sua vida mudou por completo: machados, fogo, tratores, e pronto, fizeram uma clareira na selva. O governo militar, em Brasília, mandou construir uma rodovia cortando o norte do país de leste a oeste. A finalidade era trazer a vida moderna para os cantos mais remotos da floresta impenetrável. Foi uma história cheia de violência. Aldeias inteiras de habitantes indígenas foram assassinadas, novas doenças foram espalhadas, uma população de trabalhadores abrutalhada imigrou de outras partes do país e fixou residência junto aos habitantes da selva. "Bem ali ao lado abriram um puteiro", me disse Teófilo. "Lá eles bebiam e brigavam entre si. Já no primeiro ano três pessoas foram baleadas."

Quando encontrei Teófilo, ele carregava uma vara de pescar debaixo do braço, porque queria pegar peixes no rio. Há anos não dá mais para negociar borracha nessa região, a indústria dá preferência para borracha sintética. Mas Teófilo ficou na floresta. Adaptou-se à Transamazônica. Os trabalhadores na estrada podem ser uns tipos abrutalhados, mas quando 86 deles montaram um acampamento na outra margem do rio, chamaram Teófilo para fazer tapioca. Ele nunca tinha ganhado tanto dinheiro antes. O negociante que comprava borracha parou de aparecer. Só dava para vender de caminhão, e havia muita concorrência. Isso agradou a Teófilo, que não era mais refém dos preços aviltantes.

O casal tem cinco filhos e quatro filhas, eles ajudam Teófilo a pescar, a espremer e secar a raiz da mandioca e a assar o pão de tapioca. Num campo próximo, plantaram milho, arroz, tomate, pepino, melões e batata. Em nosso encontro o velho me disse que estava triste pelas árvores que tiveram de ser arrancadas para a Transamazônica. "Talvez um dia as pessoas encontrem um jeito de aproveitar a natureza sem destruí-la."

Por outro lado, disse que era uma pena que a ditadura militar tenha acabado. Sentia falta dos generais. "Os governos que os sucederam fizeram muito pelos pobres", disse Teófilo. "Mas os militares construíram uma estrada para nós!"

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.