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Pé na Praia: Teocracia aos pés do Pão de Açúcar

Thomas Fischermann
2 de novembro de 2016

O Rio de Janeiro será administrado em breve por um bispo evangélico: uma nova teocracia que surge com um prefeito sedento por fazer negócios, escreve Thomas Fischermann na coluna desta semana.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Minha cidade do coração, Rio de Janeiro, será administrada em breve por um bispo evangélico. Um crente da Igreja Universal ganhou a eleição para prefeito, e isso me fez lembrar de uma visita a Alison Flores. Entrevistei o empresário de aproximadamente 40 anos há algum tempo na sede de sua firma em São Paulo, porque queria entender uma coisa: a conexão entre a fé e os negócios. Flores sabe tudo sobre o assunto.

Quando o encontrei, ele estava em frente a um armário cheio de saias jeans. Pegou um modelo azul-índigo, colocou sobre o balcão de vendas e alisou cuidadosamente. Esta saia, disse, está bastante próxima da vontade de Deus. Custa 150 Reais. "Está vendo esta aqui? Tudo um pouco mais comprido do que em outras confecções de moda. Esta saia esconde um bom pedaço da perna."

Flores veste mulheres de igreja evangélicas – onde se sabe que Deus está vendo tudo, de preferência o que está sem pernas ou ombros de fora. As blusas de Flores eram frequentemente de um branco angelical, as roupas deixavam os quadris avantajados bem soltos, e Flores disse sério e amigavelmente: "Nossa moda não permite a vulgarização da mulher de jeito nenhum."

Naquela época eu já tinha ouvido e confirmado pelas minhas pesquisas que o boom das igrejas evangélicas também acarreta um mercado de milhões em produtos secundários. Já estive nos cultos evangélicos no país e percebo que lá vão muitas pessoas da classe emergente. Dentro da igreja – cheia de cadeiras de plástico, altares improvisados e aparelhos de som imponentes – as pessoas vão cantar e rezar, rir e chorar. Do lado de fora, às vezes, em uma feira improvisada, ficam vendedores de carros, de seguros dentários, e firmas de cartão de crédito oferecendo seus negócios.

Em consequência de tais igrejas, crescem gravadoras musicais, cantores de gospel se tornam  superestrelas. Pastores famosos ganham milhões em canais de TV. Tem produtos de moda especiais como as saias do Sr. Flores. Aprendi que existe até mesmo uma feira especializada, a ExpoCristã em São Paulo, e grupos de empresários, como o que se autointitula "Clube Ovelhas".

Pessoalmente, não tenho nenhuma opinião formada sobre as igrejas evangélicas. Enquanto católico da região da Renânia na Alemanha, já sei que a fé pode desabrochar em forma de botões bem exóticos. Em Colônia, construiu-se uma catedral para incentivar o negócio com os peregrinos, e mandaram um exército até a Itália para roubar relíquias famosas.

Nas igrejas evangélicas do Brasil já vivenciei excessos assustadores em cultos de exorcismo; já vi exploração financeira de fiéis pobres nas periferias urbanas. Mas também já conheci comunidades florescerem  praticando assistência caridosa aos pobres doentes.

Muitas destas igrejas praticam um culto ao bem-estar. Pregam: seja uma boa pessoa, seja trabalhador e dê um dízimo à nossa comunidade. Deus vai te recompensar com bem-estar material, você poderá consumir o quanto você quiser! De alguma forma isso também me fez lembrar a filosofia social de Lula.

Devido a tais experiências, não acredito que preciso mudar do Rio de Janeiro o mais rápido possível. Imagino que a nova teocracia aos pés do Pão de Açúcar surja com um prefeito sedento por fazer negócios. Talvez ele seja tão esperto quanto Alison Flores. "E estes buracos no tecido de suas saias jeans?" Perguntei com dureza ao empresário na época. Havia grandes pedaços rasgados nas saias, através dos quais se podia lançar olhares curiosos às pernas femininas. Flores virou a saia no avesso. "Forro na cor da pele", respondeu triunfante, "totalmente opaca".

E o que são essas saliências esquisitas na parte de trás? "Enchimento”, respondeu o homem, e então riu e explicou. "Também dá para tirar, se quiser. Mas até as nossas clientes gostam de se vangloriar das curvas nos traseiros!”

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.