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EducaçãoBrasil

Por que é importante escolas oferecerem educação financeira

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
18 de julho de 2024

Há quem seja contra educação financeira nas escolas públicas com argumentos válidos. No entanto, há uma via positiva de conscientização, que leva em conta a realidade dos alunos.

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Notas de real
"Sinto até hoje os impactos da privação de anos na forma como administro meu dinheiro", afirma colunistaFoto: rafapress/Zoonar/picture alliance

"Dar aula de educação financeira nas escolas públicas corrobora com o discurso da meritocracia e da culpabilização da pobreza." Ouvi algo parecido de uma colega de mestrado quando disse que seria importante haver a disciplina de educação financeira nas escolas.

No momento, confesso, eu não contra-argumentei e até me senti mal por ter proposto uma ideia do tipo. Poxa, cadê minha sensibilidade e meu tato da realidade? Me questionava, mas sentia, no fundo, que eu não estava tão equivocado assim.

Quero começar sinalizando um ponto bem importante para este texto: não sou um colunista de Faria Lima, como já fui chamado uma vez em um comentário. Sou nascido e criado no bairro com mais favelas da minha cidade. Conheço bem os sentimentos que a privação causa.

Meu ponto de provocação para esta coluna é que a abordagem sobre a educação financeira nos colégios não precisa ser oito ou 80, ou seja, não abordar o tema ou falar se pautando na meritocracia e na culpabilização do pobre pela própria pobreza. Há uma grande margem de trabalho entre esses dois polos.

Escassez gera o sentimento de privação

Sou graduado em economia pela USP e lembro de uma aula no início do curso, acho que era introdução à economia, o professor estava falando sobre os níveis de poupança de alguns países do mundo e frisava que no Brasil não há cultura de poupança.

Aquela frase me incomodou muito. Como assim poupar se a maioria do povo brasileiro ganha apenas o possível para a sobrevivência? Falei recentemente com uma amiga de infância que está com muita dificuldade no mercado de trabalho. Ela me relatou que comprou um creme de leite, quatro laranjas e se sentiu mal, pois gastou quase todo o dinheiro da semana. Tem meses em que, após pagar todas as contas, sobra para ela menos de R$ 100. Ela vai poupar o que?

O Brasil é um dos países com maior desigualdade de renda do mundo. Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua mostram que a renda dos 10% mais ricos é 14 vezes maior do que a dos 40% mais pobres.

De um lado, temos um povo que, no geral, ganha apenas para a subsistência básica. De outro, um sistema capitalista e uma sociedade do consumo que se pauta em três pilares: crédito, publicidade e obsolescência programada.

A publicidade faz um excelente trabalho, inclusive neurológico, estimulando o desejo a produtos que não precisamos. Alinhado a isso, temos acesso fácil a um mercado de crédito que nos possibilita adquirir bens. Esses são, no entanto, propositalmente construídos para durar pouco. O resultado, em muitos casos, é uma vida de dívida após dívida.

Somos todos constantemente provocados por publicidades de viagens, bens, alimentos, serviços e lazer que nos brilham aos olhos, mas que não podemos adquirir. Claro que aqui cabe toda uma discussão sobre o fato de que não precisamos de verdade dessas coisas todas, mas esse não é o recorte da discussão.

Meu ponto é: a privação dói. Sei o que é passar semanas esperando o dia da pizza. Sei o que é precisar pedir para um amigo o dinheiro para comer um Mc Donalds. Sei o que é ver os pais pedirem o cartão da tia para comprar o tão sonhado material escolar. Sei o que é sonhar com andar de avião, com conhecer a praia, e com levar a família para passear e não poder.

Qual seria a abordagem de educação financeira nas escolas?

Dado todo o exposto até o momento, eu entendo quem vira os olhos com o discurso de educação financeira nas escolas. Seria uma maldade muito grande alguém chegar num colégio para fazer os alunos se sentirem mal sobre a pizza do final de semana ou sobre a vontade latente de comprar um tênis ou um celular.

Mas, ainda assim, precisamos ser honestos: o povo precisa sim de educação financeira. O que quero dizer? Sinto até hoje os impactos da privação de anos na forma como administro meu dinheiro. É incrível ganhar o primeiro salário e querer sair para comer fora várias vezes, proporcionar lazer para os sobrinhos, familiares e amigos, ir ao supermercado e comprar tudo o que sempre quisemos. O problema é quando seguimos com essa lógica com todos os outros salários.

É fato: eu compro muita coisa que não preciso. Vou gastando de pouco em pouco, sem qualquer tipo de estratégia ou controle e quando vejo, já é tarde demais. Digo com muita firmeza, eu adoraria ter tido algum tipo de educação financeira durante minha vida escolar. Sinto que me ajudaria hoje muito, enquanto adulto e alguém com alguma possibilidade de ascensão, a ter uma vida financeira mais saudável e confortável.

Vejo em minhas irmãs, amigos, conhecidos e também nas redes sociais o mesmo padrão. Quantos não se enrolam em prestações absurdas e com juros estratosféricos? Quantos não passam a vida saindo de uma dívida e entrando em outra? Tudo isso sem nem perceber, o que é mais triste ainda.

Muitos não sabem fazer contas básicas de juros, de prestações, de multas, de descontos e afins. Justamente por isso falham no planejamento e nas estratégias. O resultado é um ciclo vicioso que, não muito dificilmente, culmina em mais pobreza.

Portanto, é sim útil e necessário um projeto de educação e de conscientização financeira em toda a rede pública brasileira. Ele não precisa e nem deve ser pautado na meritocracia ou na culpabilização do povo pela própria situação. A ideia é um projeto pedagógico que parta da realidade da população.

O objetivo é munir o povo de noções básicas de juros, de parcelamento e seus pontos negativos e de instrumentos para um certo planejamento e conscientização acerca do próprio dinheiro e orçamento, independente do nível de renda. Não tenham dúvidas, ações tão simples quanto as descritas aqui podem salvar famílias, futuros e até vidas.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.