Polônia debate como acolher refugiados da Ucrânia
19 de fevereiro de 2022A cidade de Przemysl, no extremo sudeste da Polônia, fica a apenas dez quilômetros da fronteira com a Ucrânia. Casas chiques e recém-reformadas em volta da praça do mercado lembram o antigo charme dos Habsburgos – essa parte do que hoje é Polônia pertenceu no passado ao império austríaco. Em um dos poucos dias ensolarados de fevereiro, os clientes em um café aproveitam a proximidade da primavera. Quase se esquece que a vizinha Ucrânia vive sob o medo de um ataque russo. Mas assim que se começa a falar com os moradores de Przemysl, descobre-se que seus pensamentos estão mais voltados para a geopolítica do que para o belo clima.
Se houver um confronto militar aberto entre a vizinha Ucrânia e a Rússia, Przemysl, com seus 60 mil habitantes, pode se tornar um dos primeiros lugares de refúgio para os ucranianos que deixariam seu país. Mas o prefeito, Wojciech Bakun, não vê motivo para "aumento da inquietação" e não acredita que haverá uma escalada militar entre a Rússia e a Ucrânia. "Espero que não aconteça nada de ruim, que seja mais uma forma de a Rússia botar medo do que uma verdadeira vontade de atacar outro Estado", diz Bakun.
A pedido do governo, ele, como todos os outros prefeitos da Polônia, tiveram que designar propriedades que seriam adequadas como abrigos de emergência. O acolhimento de refugiados é uma política financiada pelo Estado, diz Bakun à DW. Para preparar essas propriedades, o dinheiro necessário teria que vir dos cofres públicos. Até agora, no entanto, não houve pedidos concretos nesse sentido.
Preparativos em silêncio
O fato de não ser possível ver a preparação acontecendo tem provocado acusações no país de que o governo polonês estaria sendo passivo. "Trabalhamos em silêncio há muito tempo, não anunciamos porque não queremos despertar comoção", diz o vice-ministro do Interior da Polônia, Maciej Wasik, para responder a essas acusações.
O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, quer montar uma força-tarefa para garantir infraestrutura, transporte, educação e assistência médica para os refugiados. "A guerra poderia causar um êxodo da Ucrânia, devemos estar preparados para o pior", disse ele durante uma entrevista coletiva na terça-feira (15/02). O Ministério da Família e Assuntos Sociais promete apoio a crianças e ajuda psicológica aos refugiados de guerra ucranianos. "É claro que a Polônia acolherá o maior número possível de refugiados, mas provavelmente não poderemos acolher todos eles", disse o secretário de Estado, Andrzej Dera, na segunda-feira. Ele falou em milhões de pessoas que poderiam se deslocar para a Polônia.
Polônia como lugar de refúgio
Alguns também poderiam encontrar um refúgio privado. A Polônia é, atualmente, a casa de mais de um milhão de ucranianos, que se mudaram principalmente devido à anexação da Crimeia e ao conflito em Donbass.
Trabalhadores ucranianos na construção civil, motoristas de táxi ou assistentes de loja tornaram-se parte da vida cotidiana na Polônia. Isso foi bom para a economia, pois eles preenchem lacunas no mercado de trabalho. Quase não existem barreiras linguísticas, porque os dois idiomas são próximos.
Piotr Pipka dirige uma das cinco escolas de Przemysl que usa o ucraniano como idioma de instrução. Ele afirma estar disposto a acolher os filhos dos refugiados. Primeiro, ele tem que lutar com a burocracia, porque os filhos dos migrantes são normalmente distribuídos entre as escolas polonesas. Mas ele está preparado para fazer isso. "Nossos professores falam as duas línguas, portanto o contato com as crianças refugiadas seria mais fácil. Para os que chegam, seria, talvez, um pequeno substituto do lar", diz Pipka à DW. Ele cita a disposição dos ucranianos que vivem na região para ajudar. Algumas famílias ucranianas já encontraram refúgio particular em Przemysl.
Medo dos horrores da guerra
A professora de religião em sua escola, a irmã greco-católica Danjilya, recentemente forneceu um quarto de hóspedes no convento local para uma família de Kiev. Iryna Gavrilyaka está aqui com suas duas filhas, de nove e cinco anos de idade. Ela não quer ser chamada de refugiada, porque espera voltar para casa em breve. Gavrilyaka só terá o quarto por uma semana, mas suas malas parecem indicar uma estadia mais longa.
O impulso imediato para sua viagem à Polônia foram os exercícios de evacuação na escola de sua filha. Ela diz à DW que não conseguiu lidar com o pensamento de que esse cenário poderia um dia se tornar realidade e que suas filhas teriam que vivenciar os horrores da guerra. "Recebi uma mensagem da escola de que o porão está sendo preparado, onde haverá suprimentos de água e comida, brinquedos para crianças e cobertores, e onde as crianças poderão ficar em segurança por cinco dias se algo acontecer. Aí você entende que a situação é muito séria", diz ela. A viagem à Polônia é como uma apólice de seguro de vida: "Contratamos seguro saúde ou seguro automóvel na esperança de que nunca precisaremos dele. O fato de termos vindo aqui é como um seguro para nossas filhas. Mas esperamos realmente que esse seguro nunca seja necessário."
Sentimentos variados
No entanto, a vontade de ajudar não é sempre óbvia em Przemysl. Especialmente no sudeste da Polônia, feridas antigas de conflitos passados entre os dois povos ainda não cicatrizaram. Em 1943 e 1944, de 50 mil a 100 mil poloneses foram assassinados por nacionalistas ucranianos no chamado Massacre de Volhynia. Em retaliação, os governantes comunistas poloneses deslocaram à força cerca de 150 mil ucranianos nas regiões norte e oeste da Polônia em 1947.
Os tons conciliatórios não são os únicos ouvidos no mercado local em Przemysl. "Eu não ajudarei os ucranianos se eles vierem até nós", disse uma mulher de 70 anos. Sua mãe, diz, foi estuprada pelos ucranianos durante os assassinatos de Volhynia. "Os ucranianos? Eu não gosto deles. Eles nos fizeram muito mal. Mas eu sou cristã e se eles precisassem de ajuda, eu teria que ajudar", afirmou um homem idoso.
Uma mulher de cerca de 60 anos explica: "Eu já discuti longamente com minha filha o que faríamos se tivéssemos refugiados ucranianos aqui. Comida, sim, eles são bem-vindos para ter comida em minha casa. Mas eu não os deixaria passar a noite em minha casa. Eu não confio nos ucranianos." Já uma mulher de 35 anos que trabalha no posto de fronteira e ouve os detalhes sobre a situação na Ucrânia todos os dias diz que não teria dúvidas: "Eles são pessoas como nós. É claro que eu ajudarei se puder."