Pesquisadores testam vírus do sarampo no combate ao câncer
14 de março de 2014Vírus podem atacar células cancerosas e se multiplicar nelas. Cientistas chamam essa reação de oncólise. "Células com câncer são danificadas por meio da multiplicação desses vírus e se rompem", conta Ulrich Lauer, do Hospital Universitário de Tübingen.
O princípio é conhecido há mais de um século. Médicos sempre observaram pacientes que tinham um tumor externo visível e, ao mesmo tempo, uma infecção viral, diz Lauer. "Paralelamente a essa infecção, o tumor se atrofiava ou desaparecia em partes", descreve o pesquisador.
Em um projeto do Hospital Universitário de Tübingen e do Instituto Paul Ehrlich, pesquisadores estão desenvolvendo uma vacina oncolítica a partir do vírus do sarampo. A base da substância em teste é composta pelo vírus usado na vacina contra o sarampo. "Nós estamos tentando algo que nenhum outro grupo de pesquisa fez", afirma Christian Buchholz, do Instituto Paul Ehrlich. "Nós modificamos o vírus de tal maneira para que ele aja especificamente em determinadas células do tumor.
O primeiro passo de uma infecção é sempre a entrada na célula. "Para isso, os vírus precisam de um receptor, no qual eles podem se conectar e que, de certa maneira abram a porta da célula. Nós modificamos o vírus para que, ao invés de usar um receptor natural, ele utilize um receptor presente apenas em células-tronco de tumores e sanguíneas", conta o pesquisador.
Dessa maneira, esse vírus infecta e destroi somente as células cancerosas. O vírus se multiplica, se espalha e pode continuar atacando outras células doentes. Segundo os pesquisadores, o vírus modificado do sarampo não ataca as células responsáveis pela formação de células sanguíneas.
Esse ataque não ocorre porque essas células possuem uma imunidade nata. Elas se protegem através da vacina contra o sarampo. Nas células cancerosas, por outro lado, essa imunidade é defeituosa, o que as deixa vulneráveis ao ataque do vírus. Pesquisadores acreditam que o uso de um vírus modificado do sarampo é tão seguro quanto a própria vacina contra essa doença, aplicada há decádas.
Vírus modificados
Os vírus são modificados em processos de engenharia genética. Pesquisadores conhecem, principalmente, as informações genéticas essenciais de vírus bem difundidos e conseguem modificá-las. "Uma das modificações mais comum consiste em incorporar os chamados marcadores genéticos no genoma do vírus", revela Lauer.
Após uma infecção, os marcadores genéticos serão convertidos em proteínas marcadoras. Elas dão sinais que podem ser visualizados em microscópio ou são medidos em exame de sangue. Assim, os pesquisadores sabem se um agente infeccioso está presente no corpo do paciente, em qual quantidade e por quanto tempo.
Além disso, é possível também munir os vírus com genes suicidas. Neste processo, proteínas adicionais são produzidas artificialmente em células doentes. Elas reforçam a morte dessas células e também provocam a morte de outras células cancerosas que ainda têm um nível baixo de infecção.
Outra abordagem consiste em embalar nos agentes infecciosos genes que estimulem o sistema imunológico contra as células cancerosas. "Todas essas mudanças devem reforçar a eficiência do vírus e possibilitar sua melhor observação", diz Lauer.
Riscos e efeitos colaterais
Em pacientes já vacinados na infância contra sarampo e que recebem novamente o vírus após o diagnóstico de câncer, a resposta imunológica é significativamente estimulada. Quando o vírus desintegra apenas uma célula cancerosa, ele libera não apenas componentes virais, mas também componentes do tumor.
Essa mistura age como um forte estimulante do sistema imunológico, que passa a reconhecer bem proteínas virais e também proteínas das células doentes, conta Lauer. "O efeito positivo é o reforço, a estimulação do sistema imunológico contra o tumor. Em pacientes vacinados, pode ocorrer de o vírus contra o câncer ser interceptado e não chegar às células cancerosas. Para comprovar essa hipótese, foi programado o aumento das doses no estudo clínico", revela. É provável que uma dose maior do vírus possa vencer essa primeira onda da resposta imunológica.
Segundo Lauer, pacientes que estão sendo tratados com vírus oncolíticos são principalmente pessoas que já fizeram radioterapia e quimioterapia. "Não foram observados perigos causados diretamente pelo vírus. Mas é claro que estamos ainda no início da pesquisa", afirma.
Os estudos feitos com pacientes de câncer são direcionados principalmente para identificar os possíveis riscos. "É preciso verificar como esses vírus são eliminados e se há um risco para médicos ou terceiros, por exemplo, familiares. Até agora isso não foi detectado, mas está sendo verificado", diz Lauer.
Desde 2012, Lauer trata no Hospital Universitário de Tübingen pacientes com câncer de peritônio que não podem ser operados. Ele aplica uma vacina contra a varíola geneticamente modificada diretamente no umbigo do paciente. Assim, os agentes infecciosos devem alcançam o tumor rapidamente. O pesquisador está convencido de que, no futuro, os vírus terão um papel importante em terapias contra o câncer.