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"Partido de Bolsonaro pode revelar apoio menor que esperado"

21 de novembro de 2019

Com lançamento da Aliança pelo Brasil, presidente tenta criar legenda ao redor de sua própria figura. Especialista europeu em extrema direita aponta similaridades com o caso do populista peruano Alberto Fujimori.

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Jair Bolsonaro
"Sucesso de Bolsonaro é uma história específica brasileira", diz cientista políticoFoto: Reuters/A. Machado

A Aliança pelo Brasil, partido lançado nesta quinta-feira (21/09) em Brasília por Jair Bolsonaro, é uma iniciativa do presidente para criar "um veículo pessoal" sobre o qual ele tenha total controle, mas inclui um risco: revelar que o apoio popular a ele pode ser menor do que o esperado.

A análise é de Cas Mudde, cientista político holandês e referência em estudos sobre o populismo e a extrema direita. Ele compara o último lance de Bolsonaro ao que Alberto Fujimori fez no Peru: "criar um partido que era somente sobre ele mesmo". Fujimori governou o Peru de maneira autoritária entre 1990 e 2000. No período dissolveu o Congresso com o apoio das Forças Armadas.  

A legenda de Bolsonaro ainda precisará coletar quase 492 mil assinaturas e obter a aprovação da Justiça Eleitoral para funcionar como partido. O objetivo do presidente é lançar candidatos a vereador e prefeito pela nova sigla já em 2020.

Professor da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, Mudde lançou em setembro o livro The Far Right Today [A extrema direita hoje]. Em entrevista à DW Brasil, ele analisa o manifesto da Aliança pelo Brasil e aponta especificidades que o diferenciam dos partidos de extrema direita pelo mundo.

Um desses aspectos é o personalismo centrado na figura de só um líder, que faz sentido no contexto latino-americano, mas não aparece com frequência em legendas semelhantes em outros continentes. "Na Europa, mas também na Índia, há muito mais do que apenas um líder [nesses partidos]", diz.

Outro ponto que diferencia a Aliança pelo Brasil da maioria dos partidos europeus de extrema direita é a posição central da moralidade com conotação religiosa, segundo Mudde.

Indagado sobre como democracias liberais podem se proteger da ameaça da extrema direita, ele provoca os partidos tradicionais a buscarem narrativas fortes que ofereçam reais alternativas à população insatisfeita.

DW Brasil: O que caracteriza a extrema direita?

Cas Mudde: A extrema direita compreende a ultradireita e a direita radical. A ultradireita é contra a democracia em si, contra a soberania popular e o governo da maioria. Já a direita radical aceita isso, mas tem problemas com a democracia liberal, especialmente com os direitos das minorias, a separação de poderes e o Estado de direito. É crucial para a extrema direita o nativismo, a crença de que o Estado deve ser somente de sua própria nação e de que tudo que não é nativo daquele local é ameaçador.

Essas ideias se tornaram normalizadas em democracias ocidentais por volta do ano 2000. A principal razão foram os ataques terroristas de 11 de setembro. A resposta foi um discurso sociocultural, no qual temas de identidade e segurança estão ligados.

Nesse contexto, onde você posicionaria Bolsonaro?

Ele se encaixa nesse contexto, mas há algumas diferenças. O fator determinante para Bolsonaro não é o nativismo, apesar de isso ser também central na sua ideologia. O que foi determinante para o seu sucesso foram o autoritarismo e o restabelecimento da ordem.

Bolsonaro lançou nesta quinta-feira (21/09) um novo partido, a Aliança pelo Brasil. Como o senhor avalia essa iniciativa?

Bolsonaro chegou ao poder em uma espécie de coalizão com outro partido [PSL], que ele não conseguiu controlar totalmente, e está tentando aproveitar este momento no qual ele tem apoio para criar um partido que ele controle. Mas há um risco nisso também, que é evidenciar o apoio relativamente limitado que ele pode vir a ter.

Na disputa à presidência, em que o vencedor leva tudo, houve elementos específicos que colaboraram para sua vitória, sendo o principal deles [o ex-presidente] Lula não poder concorrer, e isso faz parecer que a maioria dos brasileiros o apoia. Mas, quando você tem eleições para o Legislativo, não é mais uma situação em que o vencedor leva tudo, e há uma chance razoável de que esse partido se mostre relativamente reduzido.

O manifesto da Aliança pelo Brasil diz que, muito mais que um partido, ele se trata do "sonho e da inspiração de pessoas leais ao Presidente Jair Bolsonaro". Esse personalismo é comum em partidos de extrema direita?

Não é tão típico como muitos podem pensar. Na mídia, a extrema direita é frequentemente limitada a um líder, como [Donald] Trump. Mas quando você olha para os partidos de extrema direita, especialmente na Europa, mas também na Índia, há muito mais do que apenas um líder. O BJP [partido indiano] é muito mais que [o primeiro-ministro Narendra] Modi. O [partido francês] Rassemblement National é muito mais que Marine Le Pen. O FPÖ da Áustria tem vários líderes.

No caso do partido de Bolsonaro, o que ele está tentado criar é um veículo pessoal, bem na linha de outros líderes populistas da América Latina, como [o ex-presidente do Peru Alberto] Fujimori fez, um partido que era somente sobre ele mesmo.

O mesmo texto fala em resgatar o país da "degradação moral". A referência a padrões morais é um traço de partidos de extrema direita?

O foco na moralidade, em vez da cultura, é menos típico. Na maioria das vezes, a extrema direita se refere ao declínio da nação. É como se a nação estivesse se degenerando, algo quase racial. Agora, Bolsonaro tem um discurso religioso forte, especialmente devido ao papel dos evangélicos, que explica seu foco na degeneração moral.

Há em Bolsonaro, e em alguns outros políticos de extrema direita mais recentemente, um maior conservadorismo religioso com conotação cristã. Você vê isso um pouco em Trump, mas também no [partido] Fidesz, na Hungria. Mas não é algo que tradicionalmente é forte no partidos de extrema direita na Europa.

É possível comparar Bolsonaro a outro líder da extrema direita no mundo?

Para entender bem a extrema direita é preciso entender os contextos políticos nacionais. O sucesso de Bolsonaro é uma história específica brasileira. Se Lula tivesse sido candidato, provavelmente não haveria um presidente Bolsonaro, e talvez sem o episódio da facada também não. Não há um determinismo puro ligado a tendências globais.

Mas, em diversos aspectos, há similaridades entre Bolsonaro e Trump, no sentido de que ambos buscam ser a voz de um movimento amplo e ao mesmo tempo têm ligações com o establishment. Também ambos trabalham muito com seus familiares e são rudes de uma forma que atrai as pessoas. Por outro lado, há um aspecto típico de Bolsonaro que é o seu passado militar, e como isso se relaciona com a ditadura militar. Isso não é comparável com outros países como os Estados Unidos e a França, e tem um papel importante tanto para atrair apoiadores como despertar o medo de oponentes.

Há algum outro traço em Bolsonaro determinante para seu sucesso?

Um dos eixos do meu livro é o debate de gênero na extrema direita. É algo muito importante para Bolsonaro e se encaixa no contexto de guerra cultural. Opiniões como as de Bolsonaro sobre questões de gênero e direitos LGBTQ são fundamentais para muitos políticos de extrema direita, especialmente os de fora da Europa ocidental. É parte de uma narrativa nacionalista, como se eles estivessem defendendo o Brasil verdadeiro contra essas ideias perversas que vêm do exterior para enfraquecer a nação. E elas ressoam com muita força em esferas conservadoras e religiosas, como se seus valores estivessem sendo desafiados por um ataque global.

Que o papel do debate econômico nas plataformas de extrema direita?

Em geral, fatores econômicos são secundários e vistos pela lente de questões socioculturais. Mas, durante crises econômicas, o apoio a esses partidos cresce, mesmo que o argumento seja baseado em questões morais ou culturais. Por exemplo, a economia do país está piorando porque há mais imigrantes, ou porque há muita corrupção e crime. O sentido puramente econômico, de que o sistema está errado e precisa ser revisto, é secundário.

Como democracias liberais podem se defender da extrema direita sem ferir seus próprios valores?

Esse é o maior desafio. Elas podem fazer isso somente por meio do fortalecimento da própria democracia liberal, em vez de tentar enfraquecer a extrema direita. Uma das razões pelas quais a extrema direita tem hoje uma influência acima de seu peso real na sociedade é que eles são a voz mais alta em um espaço de debate político estreito.

A maior parte dos grandes partidos tem poucas narrativas ideológicas hoje em dia. É o que se chama política TINA ["There is no alternative", não há alternativa]. Instituições-chave, como a economia neoliberal e a integração europeia, são defendidas com o argumento de que a alternativa é pior. Isso não irá atrair as pessoas e não vai deixá-las longe da extrema direita. Precisamos encontrar narrativas liberais democráticas fortes novamente, seja nos partidos conservadores, nos liberais, nos social-democratas ou nos verdes.

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