Pé na praia: Miséria
19 de outubro de 2016Numa rua ao Norte, lá em cima do mapa, fui ao encontro de um caçador. Ele carregava uma espingarda nos ombros e um facão no cinto; suas roupas estavam sujas e cheias de buracos. Quando falou, vi que não lhe restavam muitos dentes na boca, mas sua postura era orgulhosa, e sua fala, pensada.
"À noite andam onças na rua", disse ele para mim, jornalista viajado, "por essas bandas, sem espingarda, é melhor nem sair de casa." Por todo lado nas florestas e nos pântanos haveria cobras que matam já na primeira picada. E índios, "de verdade, selvagens”, seriam seus rivais, seus inimigos.
O homem tinha 54 anos de idade. Convidou-me para conhecer sua casa. Há 20 anos o caçador vivia em seu casebre, feito por ele mesmo: de barro, madeira e palha. Foi disposto de forma a ficar afastado alguns metros da rua e sob as árvores, podendo assim aproveitar de uma certa sombra mesmo nos dias mais quentes.
As posses do caçador eram uma cama de armar, além de algumas roupas, a espingarda, o facão e uma coleção de pratos de alumínio. Tendo sorte, o caçador abatia uma vez por semana um javali pequeno, uma cabra ou um gambá. Nunca encontrou uma esposa, disse. Preferia a vida solitária. O que teria a oferecer para uma mulher aqui fora?
Perguntei ao caçador por que ele tinha essa vida. "Venho de uma área muito atrasada no Nordeste do Brasil”, respondeu. Sua terra natal estava a milhares de quilômetros de distância desta beira de estrada solitária na floresta. "Saí de lá fugindo da miséria."
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.