Países árabes podem impedir planos de Trump para Gaza?
16 de fevereiro de 2025A proposta do presidente dos EUA, Donald Trump, de criar uma "Riviera" na Faixa de Gaza, reconstruindo o território devastado pela guerra e deslocando palestinos para outros países gerou rejeição imediata no mundo árabe.
A Liga Árabe, que representa 22 nações, rechaça a ideia e recusa a transferência de palestinos de suas terras para que os americanos possam "assumir o controle" de Gaza, conforme proposto por Trump.
Vários Estados árabes afirmaram que apresentarão sua própria proposta para a reconstrução de Gaza, como alternativa. Uma reunião emergencial da Liga Árabe, marcada para 27 de fevereiro no Cairo, provavelmente resultará em um plano preliminar.
Especialistas avaliam, porém, que a extensão da resistência destes países aos planos da Casa Branca pode ser testada pelo poder de barganha de Washington.
"Para convencer Trump a seguir um caminho diferente, países como Egito e Jordânia, que o presidente americano considera como possíveis anfitriões para milhões de palestinos, precisarão mostrar que a questão ultrapassa seus interesses nacionais", defende Ahmed Aboudouh, especialista em relações internacionais do programa do Oriente Médio e Norte da África do Chatham House, um think thank britânico.
"Os países árabes não querem um confronto direto com Trump, especialmente no início de seu mandato", disse Aboudouh. "O que eles [egípcios] estão tentando fazer agora é formar uma frente árabe unida e falar com membros do governo dos EUA — aqueles que estão no Departamento de Estado, no Pentágono e no Congresso — para tentar pressionar o presidente."
No entanto, Trump vem defendendo que Egito e Jordânia, que recebem bilhões em ajuda externa e apoio militar dos EUA, não terão escolha, e terão que aceitar as demandas de Washington.
Para plano se concretizar, Gaza teria que ser "completamente esvaziada"
Relatos da mídia americana sugerem que um documento de 49 páginas elaborado pelo economista dos EUA Joseph Pelzman teria baseado a controversa proposta de Trump para Gaza.
O texto sugere, por exemplo, a construção de um metrô no território palestino, além de portos, aeroportos, um sistema de captação de energia renovável e hotéis à beira-mar.
A reconstrução é claramente necessária em Gaza. Após mais de um ano de bombardeios israelenses – em retaliação aos ataques de 7 de outubro de 2023, realizados pelo grupo militante Hamas –, grande parte do território está em ruínas. Um cessar-fogo está em vigor.
Mas, para que seu plano se concretize, Gaza precisaria ser "completamente esvaziada", disse Pelzman em um podcast em agosto passado. Ele sugeriu que os EUA poderiam "pressionar o Egito" para aceitar refugiados de Gaza, pois o país tem dívidas com os Estados Unidos.
Trump parece ter sido convencido desta ideia, a despeito do plano de Pelzman não responder como contornar alguns desafios. O economista não indica, por exemplo, quem financiaria um projeto tão grandioso. Além disso, obrigar cerca de 2 milhões de palestinos a deixarem suas casas e nunca mais voltarem poderia ser classificado como limpeza étnica.
Os Estados árabes têm influência sobre os EUA?
Especialistas avaliam que forçar refugiados palestinos para a Jordânia representaria uma "ameaça existencial" ao governo liderado pela família real do país. Se o governo jordaniano cair, esse tipo de cooperação de segurança também estaria em risco.
A Jordânia também teme que, se 2 milhões de palestinos forem forçados a entrar no Egito, os 3 milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia ocupada, que faz fronteira com a Jordânia, possam ser os próximos.
O país é um dos aliados mais próximos dos EUA na região e assinou um acordo de cooperação em defesa em 2021, permitindo que forças, veículos e aeronaves americanas entrem e circulem livremente na Jordânia.
Já o Egito declarou que, se Israel ou EUA tentarem empurrar palestinos para a Península do Sinai, o país encerrará seu tratado de paz de longa data com os israelenses.
Também há relatos sobre um aumento da presença militar egípcia no Sinai — embora não esteja claro se isso é uma reação direta às declarações de Trump. As forças egípcias já estavam estacionadas na região devido à presença de extremistas operando na área.
Os chamados acordos de normalização com Israel também parecem ter sido retirados da mesa, embora a aproximação entre Arábia Saudita e o país comandado por Benjamin Netanyahu tenha sido um objetivo da primeira administração Trump. No entanto, nos últimos meses, os sauditas afirmaram consistentemente que não concordarão com conversas de paz a menos que um caminho claro para a criação de um Estado palestino seja estabelecido.
Além disso, há outras formas de influência que os líderes árabes podem considerar, como a cooperação em inteligência com os EUA, o acesso americano ao Canal de Suez e o apoio financeiro dos países do Golfo a investimentos de Trump na região.
Os laços estreitos entre a Arábia Saudita e a firma de capital privado de Jared Kushner, genro de Trump, também poderiam estar em jogo.
Pressão sobre EUA é improvável
No entanto, especialistas ouvidos pela DW acreditam ser improvável que os Estados árabes usem qualquer uma dessas medidas para impedir os planos de Trump para Gaza.
"O verdadeiro obstáculo é, antes de tudo, a realidade", disse Brian Katulis, membro sênior do Instituto do Oriente Médio, com sede em Washington. "A realidade da situação vai impedir isso."
Há desafios logísticos quase intransponíveis a serem considerados para o projeto de Trump, disse Katulis — incluindo a presença contínua do Hamas em Gaza. "Então, a menos que Trump queira criar uma 'Mogadíscio' no Mediterrâneo — como em 1992, quando nossas tropas ficaram encurraladas na Somália — isso simplesmente não vai acontecer", explicou ele.
A operação americana na Somália, citada pelo especialista, tinha o objetivo de garantir a distribuição de ajuda humanitária aos somalis, no contexto da guerra civil travada no país. Mas a missão de ajuda humanitária ganhou status de operação militar, e os americanos acabaram entrando em combate com milícias somalis, resultando em mortes dos dois lados.
"A segunda forma de possível resistência dos países árabes é a crescente unidade em se opor à ideia e pressionar por uma solução de dois Estados", argumentou Katulis.
Segundo relatos da imprensa, porém, o "novo" plano árabe para os territórios palestinos, que será discutido em 27 de fevereiro, se baseia em ideias antigas.
O plano provavelmente incluiria uma administração tecnocrática para Gaza, forças de segurança treinadas por países árabes e nenhum deslocamento populacional. Os palestinos deslocados seriam realocados em áreas agrícolas e outras regiões de Gaza até que a reconstrução fosse concluída.
Os custos estimados superam 30 bilhões de dólares (R$ 171 bilhões), e o Egito também deve organizar uma conferência de doadores.
A Liga Árabe também pode "abordar medidas emergenciais para ajudar a Jordânia e o Egito, caso Washington corte sua assistência a esses países", sugeriu Marwan Muasher, vice-presidente de estudos da Carnegie Endowment for International Peace, em uma análise esta semana.
Discurso de Trump fortaleceu a direita israelense
Independentemente da proposta, especialistas apontam que ainda há muitas incertezas.
"Os Estados árabes realmente vão investir dinheiro nisso?", questionou Katulis. "Muito depende de que tipo de governo israelense eles estarão lidando e quais decisões ele tomará."
"Se estivéssemos falando apenas de Trump, poderíamos dizer com um alto nível de confiança que esse plano da 'Riviera de Gaza' não vai acontecer", acrescentou Aboudouh. "Mas se estamos falando da ultradireita israelense, essa é outra história. Eles abraçaram essa ideia e querem levá-la adiante."
O discurso de Trump sobre uma "Riviera de Gaza" encorajou a ultradireita israelense a acreditar que uma "limpeza étnica" dos territórios palestinos possa se tornar realidade, disse Katulis.