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Os indígenas que protegem a Amazônia com ajuda da tecnologia

30 de janeiro de 2025

Com iPads e smartphones, agentes Indígenas de Manejo Ambiental monitoram ameaças à floresta. Criado em 2005, projeto reúne rede de pesquisadores locais na região do Alto Rio Negro.

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Rogelino Tukano observa floresta segurando livro e celular
Rogelino Tukano é um dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental Foto: Taina Mansani/DW

No coração da Amazônia, em meio à imensidão da floresta, o indígena Rogelino Tukano caminha com um iPad em mãos. Ele une tradição e modernidade. É um observador experiente da densa mata verde e usa a tecnologia para monitorar cada transformação na paisagem, identificando clareiras abertas e árvores derrubadas que podem sinalizar ameaças ao ecossistema.

O mapeamento digital das mudanças naturais e o controle dos impactos humanos têm se tornado sua arma pacífica para proteger a floresta. Mas o seu olhar vai além: o indígena da etnia Tukano também registra a rica biodiversidade local, anotando com precisão as mudanças nos ciclos reprodutivos das plantas e dos animais.

Rogelino Tukano é um dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAS), uma inspiradora rede que reúne cerca de 70 pesquisadores, todos eles indígenas, que combinam a sabedoria ancestral com a tecnologia contemporânea para preservar e proteger a floresta na região do Alto Rio Negro, no noroeste amazônico.

Na região, os rios serpenteiam a densa floresta, ocupada por cerca de 700 comunidades e 23 etnias indígenas. São populações tradicionais que há milênios mantêm o equilíbrio ecológico através das suas formas de manejo ambiental. Não há estradas na região, por isso os deslocamentos se dão pelos rios, em pequenos barcos conhecidos como voadeiras.

"Na minha região, quando estou no mato, pesquisamos sobre as árvores. Como as pessoas tiram madeira para construção das casas, observamos isso. Com o celular ou o iPad, é mais fácil registrar e acompanhar. Também registrados muitas fotos no celular", explica Rogelino à DW.

Ferramentas de preservação

Com a tecnologia, os AIMAS transformam iPads e smartphones em ferramentas de preservação. Uma vez registrados, os dados obtidos – fotos, tabelas preenchidas com questionários pré-elaborados e descrições em textos – são guardados para serem posteriormente analisados em conjunto com uma equipe de especialistas, nos encontros que acontecem três vezes por ano em diferentes aldeias da região.

Homem fotografa floresta
Munidos de celulares, AIMAS reúnem dados sobre a florestaFoto: Taina Mansani/DW

Os agentes respondem questionários com perguntas sobre as mudanças observadas na vegetação, a presença ou ausência de espécies, o nível da seca nos rios, entre outros. As informações coletadas são fundamentais para a preservação da floresta e de seu ecossistema. Com base nesses dados, é possível adotar medidas práticas e eficazes, como ações intensivas contra as queimadas, o desmatamento e o declínio de espécies, frequentemente associados à caça ilegal.

Mas eles não se limitam ao que é visível. O saber tradicional também entra nessa análise. A etnia Tukano, por exemplo, acredita que os ciclos celestes exercem uma influência direta sobre os fenômenos da terra, como as secas e cheias nos rios, a presença ou ausência de animais e outros eventos naturais. Há milênios, esse povo baseia sua forma de vida na observação das constelações, fundamentais para o seu cotidiano, pois permitem prever aspectos essenciais como a alimentação e a caça.

Refúgio preservado

A parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) impulsiona o projeto, financiado por ONGs e iniciativas governamentais, como o Fundo Amazônia.

Para desenvolver as atividades, os pesquisadores indígenas recebem uma bolsa de R$ 500 mensais, instrumentos de trabalho e combustível para os deslocamentos, embora alguns optem pelo trabalho voluntário quando os recursos são escassos. Desde o início, os participantes recebem treinamento especializado de pesquisadores do ISA, que orientam a coleta e análise dos dados.

Criado em 2005, o projeto visava no início apenas expandir o manejo de peixes. Inicialmente, tinha um número reduzido de observadores no rio Tiquié. Com o tempo, ele se tornou uma ferramenta essencial para um vasto leque de observações sobre o ecossistema. O monitoramento das mudanças climáticas também passou a ser um tema de grande relevância na documentação dos agentes ambientais.

Os AIMAS também adaptam suas atividades às necessidades regionais. Em Barcelos, focaram-se no combate às queimadas que, segundo o Global Forest Watch, devastaram 130 mil hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2021. Embora não atuem diretamente na redução do fogo, os dados coletados ajudam a indicar áreas de incidência para apontar onde devem ser tomadas ações preventivas.

Mão mostra diário
Observações anotadas em diários complementam pesquisaFoto: Taina Mansani/DW

"O AIMA também é um pesquisador e, dependendo da demanda de cada região, a pesquisa é um pouco diferente", explica à DW o biólogo Danilo Parra.

Além de coletar dados, os agentes desempenham um papel fundamental em outras frentes, como a coleta de lixo eletrônico nas aldeias. Essa atividade complementa o trabalho de documentação, especialmente diante dos desafios contemporâneos, como o descarte inadequado de pilhas e baterias. Com o objetivo de proteger o meio ambiente e prevenir doenças, os agentes são responsáveis por recolher esse material, proveniente de aparelhos eletrônicos utilizados nas aldeias.

"Há pouco tempo registrou-se chumbo, mercúrio e cádmio nas pilhas e as comunidades não tinham orientação sobre como descartá-las. O destino dessas era frequentemente os rios, ou valas", explica Parra. "Seria ideal reciclá-las, mas isso está fora do nosso alcance a curto prazo. As pilhas recolhidas pelos AIMAS vão todas para o lixão de São Gabriel da Cachoeira ou, quando conseguimos, para o de Manaus. Gostaríamos de dar visibilidade ao problema para que as pilhas fossem recicladas", acrescenta.

Preservar a floresta com a sabedoria ancestral

Os AIMAS orientam ainda seu trabalho de pesquisa na cosmologia indígena. O ciclo das constelações, como a da Jararaca, guia suas observações sobre os ciclos anuais, por exemplo de chuvas e seca. São pelo menos 11 constelações registradas, que, para os Tukano, representam seres ou "gente-estrela" (ñohkoa mahsã). Na astronomia moderna, as constelações também são áreas definidas do céu, com um total de 88 reconhecidas oficialmente pela União Astronômica Internacional (IAU).

A constelação da Jararaca é uma das mais significativas na astronomia dos Tukano, e divide-se em: lúmen (aña siõkha), cabeça (aña dupoá), ovos (aña diepá) e cauda (aña pihkorõ). Normalmente, tais divisões representam eventos como enchentes e períodos de estiagem. Hoje, porém, estes períodos tendem a ser influenciados pelas alterações climáticas.

E essas mudanças também podem ser identificadas na documentação realizada pelos AIMAS. "Quinta-feira, 8 de abril de 2021: manhã totalmente nublada. Dias 9, 10, 11 de abril [...]. O rio já encheu grande, enchente grande, encheu igapó, não teve mais verãozinho de três ou quatro dias. Veio a fruta, mas não verão do Umari", afirma o registro de Damião Amaral Barbosa, da etnia Yeba Mahsã, realizado no rio Tiquié.

Floresta Amazônica
Monitoramento de mudanças climáticas também faz parte do trabalho dos AIMASFoto: AP

Rogelino Tukano documenta diariamente todas as informações observadas no seu iPad, ou em um smartphone. Já o registro nos diários permite descrições mais detalhadas do cotidiano, de histórias dos anciões e outras observações que não se encaixam no formato de tabela de um formulário eletrônico.

Quando falta energia elétrica nas comunidades, os AIMAS recorrem ao diário para manterem os registros atualizados. Na maioria das comunidades, o carregamento das baterias dos iPads e telefones é feito por meio de um sistema fotovoltaico.

Já o acesso à internet tem sido facilitado pelos satélites de baixa órbita. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Starlink, do bilionário Elon Musk, é o serviço de internet mais utilizado na região Norte do Brasil. Desde 2022, a empresa expande essa rede na Amazônia, tendo hoje antenas em 90% das cidades do Norte. No entanto, a conexão de áreas mais preservadas e remotas também gera preocupação no governo – sobretudo em função do seu uso nas áreas de garimpo ilegal.

Fonte de renda extra

O projeto é ainda uma fonte de renda alternativa para seus integrantes. Pesquisadores ouvidos pela DW afirmam que essa possibilidade também contribui para evitar que indígenas – principalmente os mais jovens – recorram ao trabalho altamente exploratório no garimpo ilegal, que normalmente inclui longas e exaustivas jornadas, além do risco de várias outras formas de abuso.

No entanto, ainda há grandes desafios, pois enquanto um AIMA recebe o valor de cerca de R$ 500 mensais pela sua pesquisa, o garimpo ilegal pode pagar até 12 vezes mais.

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Tainã Mansani -  DW, DW África, freie Mitarbeiterin
Tainã Mansani Jornalista multimídia