O aumento de tarifas de importação sobre o aço e o alumínio brasileiro anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, é uma afronta ao governo de Jair Bolsonaro. "Parceiros também devem se ater às regras do jogo", disse a consultora estratégica da Casa Branca Kellyanne Conway ao explicar o tratamento dado pelo líder americano a seus principais aliados na América Latina.
Os EUA impuseram tarifas de 25% sobre o aço e alumínio importados do Brasil e da Argentina. O motivo seria a desvalorização do real e do peso, com a qual os governos de ambos os países pretenderiam obter vantagens competitivas – prejudicando especialmente os agricultores americanos.
O tuíte de Trump anunciando as sobretaxas veio do nada, como um raio – também para os burocratas americanos. As medidas podem ser explicadas pela campanha eleitoral nos EUA. Trump quer apaziguar os agricultores, um importante grupo de eleitores.
As exportações de grãos americanos para a China caíram pela metade desde o início da disputa comercial entre Washington e Pequim, deflagrada por Trump em 2017. Exportadores de soja do Brasil e da Argentina se apressaram para preencher essa lacuna. Com as taxas sobre as importações de aço, o presidente quer ainda acalmar os ânimos no chamado Rust Belt (cinturão da ferrugem), ou seja, no estados que abrigam as tradicionais indústrias do setor.
As tarifas de Trump sobre o aço e o alumínio não vão, porém, afastar sequer uma tonelada dos metais da América do Sul do mercado dos EUA. Em março de 2018, os governos americano e dos dois países sul-americanos chegaram a um acordo de cotas para a exportação de aço e alumínio para os Estados Unidos. E essas cotas ainda são válidas.
Apenas as margens de lucro dos exportadores sul-americanos serão reduzidas pelas tarifas. Ao mesmo tempo, as indústrias dos EUA – automobilística e de construção, por exemplo – terão agora de aceitar esses produtos brasileiros e argentinos a preços 25% mais caros.
Também é atrevida a acusação de Trump de que os dois países estariam manipulando suas moedas. Especialmente no caso da Argentina, isso não faz sentido algum. Desde o inicio do ano, o peso perdeu 40% de seu valor em relação ao dólar. Tanto o governo atual quanto o próximo, do presidente eleito Alberto Fernández, gostariam de evitar uma queda do peso.
No Brasil, a situação é diferente. O Banco Central não oferece resistência à desvalorização do real. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou recentemente que, no futuro, as pessoas deverão se acostumar com uma moeda mais fraca.
Mesmo assim, as medidas de Trump vão levar a um reajuste da política externa brasileira em relação aos EUA. A Argentina, por sua vez, não será aliada de Trump sob o governo de esquerda de Alberto Fernández de qualquer maneira.
No entanto, para o governo Bolsonaro, Trump é o principal aliado internacional e um modelo a ser seguido na política mundial. O ministro do Exterior Ernesto Araújo foi nomeado por Bolsonaro sobretudo devido a seus discursos, nos quais exagera religiosamente o papel de Trump como o salvador do Ocidente.
Até agora, essa submissão incondicional fez com que o governo brasileiro acatasse todas as exigências do governo americano ou agisse por sua própria iniciativa para agradar Washington – por exemplo, ao renunciar ao status especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Os agricultores americanos têm permissão para exportar etanol e trigo para o Brasil. Turistas americanos não necessitam mais de vistos para entrar no Brasil. A base espacial de Alcântara foi oferecida aos militares americanos. E o que o Brasil recebeu em troca até agora? Nada.
Os EUA não apoiaram, como prometido, a adesão do Brasil àOrganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube das nações economicamente importantes, e o país continua sem poder vender açúcar e carne bovina para os americanos. Também não se ouve mais falar mais do apoio americano à aceitação do Brasil como um aliado próximo da Otan.
Quando Bolsonaro se viu pressionado internacionalmente em meados do ano, em razão das queimadas na Amazônia, não houve sequer uma palavra de solidariedade de seu aliado Trump durante a cúpula do G7 em Biarritz.
É provável que o governo brasileiro passe a ver de maneira mais realista seu relacionamento especial com Trump, assim como fez com a China. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro reclamou da potência asiática, acusando-a de querer comprar o Brasil.
Há seis semanas, em sua viagem à Ásia, o presidente apelou a seu homólogo chinês, Xi Jinping, por investimentos no Brasil. Pouco depois, petrolíferas chinesas evitaram que o leilão do pré-sal não fosse um fiasco completo.
Em termos de política interna, o presidente brasileiro também deve ponderar se sua admiração por Trump é, de fato, oportuna. Até mesmo os apoiadores de Bolsonaro podem ver essa submissão incondicional ao americano de maneira cada vez mais crítica.
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