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Pandemia serve para lembrar que, sem mulheres, nada funciona

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Charlotte Potts
3 de maio de 2020

"O vírus não discrimina" é pura lorota: as crises sempre afetam as mulheres mais duramente. Mas não parece coincidência os países sob governo feminino estarem enfrentando melhor a covid-19, opina Charlotte Potts.

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Homem trabalha ao computador, mulher corta legumes no fundo
Foto: Imago/Westend61

Ouve-se dizer o tempo todo, por estes dias, que na atual crise estamos todos no mesmo barco: afinal, o vírus não discrimina. Pura lorota.

Claro, todos têm seus desafios muito pessoais a enfrentar. Mas sem dúvida é mais fácil suportar a quarentena num grande jardim com piscina do que num apartamento de 60 metros quadrados sem varanda. Os integrantes de grupos de risco têm que se preocupar mais do que os sem enfermidades prévias. E as mulheres são mais prejudicadas do que os homens.

Pois, enquanto para "ele" muitas vezes pouco mudou, para "ela" a vida deu uma guinada de 180 graus. Ele instala em casa seu home-office, em que se senta pela manhã para trabalhar, como sempre. Às vezes dá uma saída lá pela hora do almoço, pois, afinal, há algo para comer. Fora isso, continua trabalhando em tempo integral. É o que o empregador espera, e afinal de contas em geral ele ganha mais do que ela. Assim, o consenso é que o emprego dele é mais importante.

Por sua vez, no meio tempo, "ela" distrai as crianças pequenas, dá aula para os em idade escolar, varre as migalhas na cozinha (depois de tantas semanas em casa, elas se escondem em cada fresta), faz o almoço. Quando as crianças descansam à tarde, ela vai para a fila do supermercado, enquanto responde aos e-mails de trabalho mais importantes – o resto fica para quando as crianças estiverem finalmente dormindo.

E à noite, na cama, "ela" fica pensando que, assim que a pandemia terminar, a primeira saída vai ser para procurar um advogado de divórcio.

Assim é o novo "home-office" das mulheres: gerentes, cientistas, decoradoras, jornalistas, etc., vivenciam, por estes dias, quase uma volta aos anos 1950. Com a diferença que, ao contrário de suas avós, elas ainda têm que dar conta do próprio emprego de horário integral.

Isso é o que contam muitas de minhas amigas, em toda a Europa e nos Estados Unidos. Não consigo me livrar da impressão de que, nesta crise, as coisas vão pior para as mulheres com filhos do que para homens com filhos. Esfacelaram-se completamente as estruturas auxiliares que elas penosamente construíram – a creche, a escola, a babá, os avós, a faxineira – para ter uma vida equiparada, em que também "ela" pode trabalhar em regime integral.

E assim, sem qualquer culpa própria, "ela" recai nos velhos papéis estereotipados: concentração no trabalho de educação e prendas domésticas – enquanto "ele" continua, como se nada fosse.

Isso não quer dizer que não haja também homens que fazem a sua parte. Mas, antes mesmo da crise, estruturalmente muita coisa não ia bem com a equiparação. E agora a pandemia expõe o problema.

O fato é que quase sempre as crises afetam as mulheres mais duramente do que os homens, do ponto de vista econômico e social. E, óbvio, atingem as dos países pobres ainda mais fortemente do que as do mundo ocidental. Foi assim após a epidemia de ebola na África e após a crise financeira global.

Também desta vez estudos prognosticam que as jovens de baixa remuneração sofrerão especialmente. A Organização das Nações Unidas conta com mais 15 milhões de casos de violência doméstica no ano corrente. Além disso, por ocuparem muitos empregos de relevância sistêmica – enfermeiras, cuidadoras, vendedoras –, elas estão mais expostas ao vírus do que os homens. Uma situação totalmente desequilibrada.

O que a crise também mostra muito nitidamente, contudo, é que, sem as mulheres, muitas coisas essenciais não funcionariam. E "ela" precisa perceber esse fato como uma oportunidade e deixar bem claro com que está arcando: de uma vez por todas, "ela" precisa deixar claro que, sem ela, nada anda; que ela precisa ser devidamente remunerada por seu trabalho; que tanto homens quanto mulheres devem cuidar das crianças e da casa. E, acima de tudo, que "ela" e sua atuação sejam valorizadas! E, no entanto, "ela" só pode ficar torcendo para que desta vez os homens e a política a escutem.

Quem não acreditar que nestes dias as mulheres se metamorfosearam em super-heroínas, só precisa dar uma olhada nos asilos, hospitais e supermercados. Ou nos países governados por mulheres: estes, aliás, com frequência vão melhor do que os que têm um homem à frente. Mera coincidência?

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