A partir de agora, passa a valer a aposta do regime de Vladimir Putin contra a política climática alemã e europeia. Está também na mão dos consumidores e do próximo governo federal alemão definir quem vai ganhar essa aposta. Vamos sucumbir ao doce veneno do gás barato da Rússia, ou a Alemanha vai contrapor rapidamente ao combustível nocivo ao clima a expansão das energias regenerativas?
Da mesma forma, o dano à política externa só é reparável através de uma linha igualmente clara. O gasoduto teuto-russo Nord Stream 2, da Gazprom, a máquina de fazer dinheiro de Moscou, dividiu a Europa e o Ocidente. Com sua argumentação de longos anos de que se tratava de um projeto puramente econômico, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, é responsável por danos na politica externa.
O projeto foi implementado contra a vontade do Parlamento Europeu, contra os apelos dos amigos mais próximos – França, países escandinavos, Estados bálticos e, acima de tudo, a Polônia. E, por fim, contra a vontade do Congresso dos Estados Unidos.
Essa decisão da república berlinense rompeu com duas, até então confiáveis, constantes da política externa alemã: quer encabeçada por "falcões" como Willy Brandt ou por "pombos" como Helmut Kohl, em primeiro lugar a Alemanha se coloca do lado de seus amigos e parceiros mais próximos, e só a partir daí executa sua política de interesses.
Assim foi, mesmo quando o Reino Unido e a França ainda tinham dúvidas de se a reunificação alemã era uma boa ideia. Primeiro convenceu-se Paris, depois veio o Tratado Dois Mais Quatro.
Ingenuidade inexplicável
Em contraste, o procedimento de Merkel em relação a esse gasoduto russo só pode ser interpretado como manobra desesperada para sair de algum jeito de um dilema insolúvel. Para Putin e seus adeptos a construção de gasodutos é questão de geopolítica, também com o fim de chantagear a Ucrânia.
A Alemanha e a chefe de governo em fim de mandato devem se dar por felizes que, após os sombrios anos Trump, os profissionais de política externa de Washington estejam agora mostrando uma luz no fim do túnel, também contra uma maioria transpartidária no Congresso.
Em favor de Merkel, pode-se ressalvar que sua excelente reputação nos meios políticos americanos certamente contribuiu para esse resultado. E que ela – por ter salvado vidas humanas ao longo do front ucraniano, com seu empenho no Processo de Minsk – pelo menos ainda conta com um resto de confiança por parte de Kiev. Porém isso é tudo.
No futuro, a Alemanha deve fazer sua parte, e retornar a uma política externa sólida e confiável. Só pode haver uma licença de funcionamento para o Nord Stream 2 após um contrato inequívoco, assegurando que a Rússia não pode drenar financeiramente a Ucrânia, enquanto país de trânsito do gás, para além dos acordos russo-ucranianos, que se encerram em 2024.
Acima de tudo, Berlim precisa se despedir da ingenuidade geopolítica dos últimos anos, e defender os interesses comuns da UE, juntamente com nossos amigos de Paris. Isso significa, desde já, tratar a torneira de gás em Lubmin, na Pomerânia Ocidental, como o que ela realmente é: não uma coisa técnica qualquer, na cadeia de um projeto puramente econômico, mas uma ferramenta de poder geopolítico. Ela funciona em duas direções: abrir e fechar.
Nada mudou nesse aspecto, desde as primeiras vendas de tubulações da empresa industrial alemã-ocidental Mannesmann a Moscou, nos anos 70. Elas flanquearam a "política de falcão" de Willy Brandts, de mudança através da aproximação, e foram uma peça entre outras que, por fim, deram aos alemães-orientais a possibilidade de, nas ruas, se libertarem do regime comunista.
O fato de Angela não ter visto isso desde o início é especialmente perturbador.
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Frank Hofmann é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.