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Arábia Saudita e Irã investem contra "Primaveras Árabes"

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Rainer Sollich
17 de dezembro de 2019

Riad e Teerã concorrem pela influência política no Oriente Médio. Ambas potências regionais rivais concordam, entretanto, quando se trata de combater o surgimento de revoltas populares, opina Rainer Sollich.

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Multidão na rua de noite, algumas pessoas levam bandeiras libanesas
Manifestação contra o governo no LíbanoFoto: picture-alliance/AP Photo/H. Malla

Quem quiser avaliar se a segunda onda de movimentos de protestos árabes iniciada em 2019 terá sucesso, deve se lembrar da causa do fracasso da primeira, iniciada em 2011 em países como Egito e Síria. Ela acabou levando a várias formas de caos, violência e guerra, mas tropeçou sempre também no apego ao poder das elites dominantes e de suas respectivas "potências protetoras" regionais.

No pequeno Estado do Golfo Pérsico Bahrein, por exemplo, onde uma família real sunita governa uma maioria xiita, a revolta foi interrompida em 2011 com a ajuda de Forças Armadas da Arábia Saudita. As casas reais "irmãs" de Manama e Riad, estreitamente ligadas, impediram, assim, o que consideravam dois possíveis cenários de horror. Primeiro, o desenvolvimento de uma verdadeira democracia no Bahrein com caráter de modelo a ser seguido e com impacto em toda a região do Golfo. E, segundo, o surgimento de um Estado xiita que se liberte da influência da Arábia Saudita sunita e ouse se aproximar de Teerã, rival de Riad.

Há muito o Irã gosta de se colocar como "poder protetor dos xiitas" e está usando esse pretexto para expandir sua influência no mundo árabe, especialmente em detrimento dos sauditas, que costumavam dar o tom na região. Ambos os cenários teriam ameaçado não apenas os interesses de poder do Bahrein, mas também os dos governantes sauditas. Por isso considerou-se necessário fazer com que a insurreição fracassasse.

Um exemplo igualmente notável é o Egito, onde a revolta popular de 2012 levou inicialmente a eleições livres; e estas, por sua vez, levaram a um governo sob o controle efetivo da Irmandade Muçulmana. No entanto, esta é aliada do Catar e da Turquia e também é vista pelos sauditas e os Emirados Árabes Unidos como concorrente perigosa pelo poder e influência na região.

Aqui, também, sauditas e emiráticos reconheceram um duplo perigo: tanto uma sociedade civil democrática e próspera quanto um Egito infiltrado pela Irmandade Muçulmana sob influência da Turquia e do Catar teriam sido um grande revés a seu próprio poder. Consequentemente, eles trabalharam em estreita colaboração com as Forças Armadas egípcias, adversárias políticas domésticas da Irmandade Muçulmana.

E surgiu o movimento de protesto "Tamarrod", que parecia se levantar corajosamente contra o governo de Mohamed Morsi na época, mas que na verdade abriu o caminho para os militares tomarem o poder novamente. Isso foi discretamente financiado com fundos de Abu Dhabi. A subsequente onda de repressão no Egito, que continua até hoje, não apenas silenciou ou colocou atrás das grades muitos membros da Irmandade Muçulmana mas também muitas forças democráticas. Riad e Abu Dhabi são corresponsáveis por isso.

Portanto, é possível se considerar quase como uma regra: em todo lugar onde a ira popular revolucionária se vira contra governantes corruptos e autoritários, a grande resistência partirá, além dos governantes diretamente ameaçados, de potências regionais aliadas, como Arábia Saudita ou Emirados Árabes. Eles são, por assim dizer, as pontas de lança da contrarrevolução.

Isso também se aplica cada vez mais à potência regional rival, o Irã, que também teme uma perda de influência regional. É por isso que Teerã Irã enviou o mais rápido possível o Hisbolá libanês à Síria, para proteger o regime aliado de Bashar al-Assad. E é por isso que o Irã está se posicionando decididamente contra os novos levantes populares no Líbano e no Iraque. Ambos são direcionados contra o sistema clientelista confessional e, se bem-sucedidos, também seriam prejudiciais à grande influência iraniana existente nos dois países.

Por isso o Irã levou o Hisbolá a agir diversas vezes no Líbano, a fim de manter a comunidade xiita o mais longe possível dos protestos. No Iraque, forças pró-iranianas estão lutando, entre outras coisas, com atiradores de elite e ataques de facas, visando impedir exatamente que a população majoritária xiita se rebele contra a influência excessiva da "potência protetora xiita" vizinha. Isso ameaçaria seriamente a influência de Teerã no Iraque.

Neste contexto, só se pode admirar a coragem dos novos movimentos de protesto em países como Iraque, Líbano, Argélia e Sudão. A maioria do povo se manifesta pacificamente. E aquilo que defendem e por que arriscam suas vidas também ainda são valores prezados na Europa: liberdade, justiça, dignidade humana, valores que há décadas vem sendo espezinhados em quase todos os países árabes. Enquanto esses países não puderem oferecer a seus cidadãos uma vida digna e perspectivas de desenvolvimento, a enorme pressão social continuará provocando novos protestos.

No entanto a persistência dos regimes, milícias e poderes regionais não deve ser subestimada em sua vontade e brutalidade. Para eles, o que está em jogo é o próprio núcleo de seu poder. Por isso não se deve descartar a eventualidade de mais derramamento de sangue na chamada "Primavera Árabe 2.0".

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