Na Alemanha, a capitã do navio Sea-Watch 3, pertencente a uma ONG, é celebrada como heroína por diversos políticos e personalidades, entre os quais, surpreendentemente, o presidente Frank-Walter Steinmeier. Na Itália, é considerada uma criminosa. Quem está com a razão? A resposta provavelmente se encontra no meio.
A temerária ação de aportamento, em que Carola Rackete pelo menos danificou uma embarcação da polícia italiana, deverá ter consequências penais. Porém não se pode descartar seu objetivo, que foi encontrar um porto seguro para passageiros salvos de naufrágio.
O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, apresentou a entrada não autorizada de Rackete no porto de Lampedusa como um "ato de guerra", ou pirataria, o que é absolutamente insustentável nos termos das leis marítimas. Assim, em princípio fracassou a intenção da associação Sea-Watch – uma organização de resgate privada, com sede em Berlim –, de denunciar em nível internacional o ministro italiano e sua dura política de imigração.
O astucioso populista apela para a provocação com toda força, naturalmente sabendo que o eleitorado italiano "comprará" a ideia de que ele tem plena razão ao rechaçar seres humanos salvos de um naufrágio. Na distorcida interpretação de Salvini, a Itália está sendo defendida contra o ataque de um navio alemão e da assim chamada "boa gente" do norte da Europa.
A capitã e os funcionários da ONG deveriam ter sabido que não tinham como vencer, com tal provocação, a grande batalha política contra o ministro populista de direita. Indiretamente, eles ajudam Matteo Salvini a solidificar ainda mais sua posição desumana, também dentro da União Europeia (UE). Agora só se pode esperar que a Justiça italiana faça valer o princípio da proporcionalidade, impondo no máximo uma multa a Carola Rackete, e não uma pena de prisão.
Não é a primeira vez que a embarcação de uma organização de resgate é apreendida; um outro navio alemão está confiscado no porto de Valeta, em Malta. A Itália não é o único país a ter mudado radicalmente de postura perante esses salvadores de refugiados, antes saudados pelo bloco europeu: os Estados da UE, em geral, defendem que os migrantes sejam mantidos na Líbia ou, se possível, levados de volta pela guarda costeira líbia.
A UE suspendeu sua própria missão, Sofia, fora do mar litorâneo líbio. Aposta-se na dissuasão. Não é bem-visto que ainda existam alguns navios privados salvando refugiados que chegam em barcos infláveis, e queiram trazê-los à Europa. Os esforços de desenvolver, para esses casos, um sistema de distribuição dentro da UE fracassam há anos pela resistência dos países não costeiros do Mar Mediterrâneo.
No passado, a distribuição dos passageiros de alguns navios isolados só funcionava graças à disposição espontânea de um punhado de Estados em acolherem pequenos grupos de migrantes, por razões humanitárias. Claro que esse "bazar de refugiados", praticado regularmente entre as capitais da UE, não é uma solução duradoura, por não ser calculável.
Para os migrantes que ainda se encontravam no Sea-Watch 3, há muito havia ofertas de acolhimento de cinco países, portanto Salvini poderia ter evitado todo o drama. Porém convém à sua estratégia fazer-se celebrar como defensor da soberania italiana.
Agora que os passageiros estão em terra, em Lampedusa, o ministro do Interior quer enviá-los imediatamente à Alemanha, França, Finlândia, Portugal ou Luxemburgo, sem sequer determinar sua identidade. Com isso se anuncia uma nova disputa, que Salvini poderá explorar para seus fins políticos.
É preciso tirar duas lições do caso do Sea-Watch 3: ações de protesto desse tipo pouco servem à causa, beneficiando antes os radicais anti-imigração. E a União Europeia precisa urgentemente encontrar um sistema unificado de distribuição, a fim de evitar tais confrontações. Contudo não há grandes esperanças de que isso ocorra em breve, os fronts dentro da UE estão petrificados demais.
E, é claro, há ainda os refugiados ou migrantes que continuam tentando deixar a Líbia com a ajuda de atravessadores. Seu destino permanece basicamente no escuro, pois com o fim de sua missão de resgate e as apenas esporádicas ações dos navios privados, a UE não tem mais a menor ideia de quantas pessoas de fato morreram no Mediterrâneo tentando chegar à Europa. Quem se queixa disso, aliás, não é qualquer um, mas sim o italiano Filippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas para os refugiados.
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