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Opinião: O fiasco do professor Putin

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Juri Rescheto
1 de setembro de 2017

Chefe do Kremlin tenta se aproximar dos jovens a meio ano da eleição, mas o que tem a oferecer é tom professoral e estilo fechado e autoritário. Melhor era ter matado essa aula, afirma o correspondente Juri Rescheto.

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Russland Präsident Wladimir Putin
Foto: picture-alliance/Sputnik/S. Guneev

Eu achava matemática um saco, mas era bom nisso. Eu adorava russo, mas matava aula. Tudo dependia do professor. Ele era mais importante do que a matéria. O seu carisma, entusiasmo, autenticidade. Nada disso Vladimir Vladimirovich Putin apresentou como professor na cidade provinciana de Yaroslavl. Diante do quadro negro (melhor dito, do palco com sofisticada iluminação de LEDs) ele pareceu seco, careta, conservador.

Como já ocorreu no seu ultrarrusso programa televisivo de perguntas e respostas para jovens, no qual o ultrarrusso presidente se apresentou em julho, depois de seu ultrarrusso programa televisivo de perguntas e respostas para adultos, tratava-se agora, no ultrarrusso Dia do Conhecimento, de somar pontos entre os jovens em idade escolar. E deu errado.

Juri Rescheto é correspondente da DW em Moscou
Juri Rescheto é correspondente da DW em Moscou

O desejo do Kremlin de se dirigir diretamente à juventude provavelmente nasceu após os protestos em março, cujos principais integrantes tinham entre 14 e 16 anos. A internet ficou repleta de relatos de prisões de estudantes. E das tentativas subsequentes de intimidação por parte de seus professores. Os grandes exigiam obediência. Os pequenos filmavam essas exigências, secretamente, com smartphones, sob a mesa. E colocavam os vídeos na internet.

Em Briansk, por exemplo, onde um diretor repreendeu severamente seus alunos pela divulgação do documentário anticorrupção do político oposicionista Alexei Navalny. Em Tomsk, onde um professor chamou seus alunos de fascistas e servos dos anglo-saxões porque ousaram criticar o governo. Os vídeos provocaram alarde. O país inteiro falou sobre eles. E todos sabiam que os pequenos não são nem um pouco estúpidos. Eles são politizados.

O Kremlin começou a se preocupar. Mas não conseguiu pensar em nada para responder. Além do já citado programa de perguntas e respostas para jovens e agora a ideia de colocar o presidente envelhecido de uma nação envelhecida diante do quadro negro provinciano e transmitir sua aula para todo o país com precisão militar. Desta vez, não era o caçador Putin ou o lutador Putin, o pescador Putin nem o mergulhador Putin. Desta vez era o professor Putin. Que originalidade!

Mas o que era para ser uma atração se tornou um fiasco. A imagem de um homem inteligente, que inspira os adolescentes com sua experiência de vida, ia desaparecendo a cada minuto, a exemplo do que aconteceu no show televisivo de perguntas e respostas para adolescentes em julho.

Porque sempre que Putin fala com crianças, o passado manda lembranças. Alguém que vê filmes em videocassete, não usa mídias sociais e não sabe a diferença entre um nickname e um pseudônimo parece um dinossauro aos olhos das crianças. Alguém que não entende que a internet complementa e não substitui a vida não pode encarnar o futuro.

Putin gosta da retórica de guerra. Ele fala da consolidação da nação e da necessidade de defender a pátria, de morrer pela pátria. Mas ele esquece que tem crianças diante de si, e não soldados. Pessoas que, por sua individualidade, são um valor especial para o país, que não devem morrer pela pátria, mas ser fomentadas por essa pátria.

Putin se empolga quando fala das realizações de sua antiga pátria, a União Soviética: a linha ferroviária Baikal-Amur, a estação espacial Mir, a central nuclear de Obninsk e outras coisas. Pelo mesmo ele reconhece a importância das tecnologias futuras para a Rússia. Mas falha ao não mencionar exemplos. Mesmo os sucessos espaciais mencionados repetidamente são de anteontem.

E, por fim: Putin permanece fechado. Ele quer se mostrar como ser humano e não como estadista nessas ocasiões, mas não sabe se abrir emocionalmente. O que ele oferece é um tom professoral em vez de ouvir, aula frontal em vez de diálogo, autoridade em vez de carisma. Apesar do sorriso.

E os alunos? Eles têm que gostar da matéria mais importante para Putin, o amor à pátria, o patriotismo fortemente evocado na Rússia. Eu teria matado essa aula.