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Faça o autoritarismo voltar a ser grande!

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Michael Knigge
26 de setembro de 2018

Com seu discurso na Assembleia Geral da ONU, Trump atacou fundamentos do multilateralismo e da cooperação internacional e deu carta branca a líderes autoritários de todo o mundo, opina o correspondente Michael Knigge.

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Donald Trump na ONU
Trump discursa na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova YorkFoto: Reuters/S.Stapleton

Em seu primeiro discurso, na Assembleia Geral do ano passado, um Donald Trump recém-eleito ameaçou aniquilar outro Estado-membro das Nações Unidas, a Coreia do Norte. Em sua segunda participação no órgão mundial, nesta terça-feira (25/09), Trump não ameaçou atacar outro Estado-membro da ONU. Em vez disso, numa fala contundente que lembrou seu historicamente temeroso discurso de posse, ele disparou contra toda a comunidade internacional e seus princípios fundamentais de multilateralismo e cooperação.

Assim como em seu discurso de posse, Trump retratou os EUA – o país mais poderoso do mundo – como a vítima que tem sido explorada por forças externas nefastas e a si mesmo como o salvador. Uma dessas forças perniciosas que ameaçam o bem-estar e a soberania dos EUA, segundo Trump, é a governança global.

A resposta dele à falsa escolha entre multilateralismo e soberania e à fantasiosa e iminente absorção dos EUA por organizações como a ONU é simples e nada original: o nacionalismo grosseiro adotado em seus slogans de campanha "Make America Great Again" (Faça os Estados Unidos voltarem a ser grandes) e "America First" (Os Estados Unidos em primeiro lugar), que já o ajudaram a vencer a eleição presidencial, vão também derrotar os supostos avanços insinuosos dos globalistas. Ou nas palavras de Trump: "A América é governada por americanos. Nós rejeitamos a ideologia do globalismo".

O truísmo de que os EUA são governados por americanos e a rejeição do que ele chamou de globalismo podem lhe render pontos num comício no Kansas, mas não com os líderes globais reunidos em Manhattan. O mesmo vale para a bravateira e factualmente imprecisa frase de abertura de que seu governo fez mais do que qualquer outro na história dos Estados Unidos. Na Assembleia Geral da ONU, tais palavras foram acertadamente recebidas com um misto de risadas incrédulas e envergonhadas. Essa também foi a reação da delegação alemã quando Trump provocou Berlim ao alegar que a Alemanha ficará completamente dependente da energia russa se não desistir de um polêmico gasoduto.

Curiosamente, esse foi o único momento em que Trump – ainda que indiretamente – criticou a Rússia. As ações do país na Síria? A interferência na campanha eleitoral nos EUA? O envenenamento de um ex-espião russo no Reino Unido? Os ataques a ativistas de direitos humanos e jornalistas? Nada disso foi mencionado num discurso em que Trump, por outro lado, atacou não só toda a comunidade internacional como também o grupo de países da Opep e os tradicionais parceiros comerciais de Washington. Até a China e o Irã foram alvo de fortes críticas, mas a Rússia, curiosamente, foi poupada.

Assim, a Rússia saiu claramente ganhando com o discurso de Trump, assim como os líderes autoritários de um modo geral. Pois, com suas declarações na ONU, o presidente do país mais poderoso do mundo deu sinal verde para que líderes autoritários e tiranos façam o que considerarem de seus interesses nacionais sem se preocuparem com interferências ridículas da ONU ou de outros agentes do globalismo.

Um ano depois de os EUA terem abandonado tratados internacionais importantes, como o acordo nuclear com o Irã e o Acordo de Paris, e deixado órgãos da ONU, incluindo a Unesco e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, Trump se apresentou, sob o disfarce da soberania, quase como um modelo a ser seguido por outros líderes.

O discurso de Trump também deixa claro que seu governo é sério quanto ao recuo de Washington em seu papel de principal ator multilateral, seguindo, em vez disso, um caminho guiado por sentimentos puramente nacionalistas. Nada reflete melhor a mentalidade "um só ganha se o outro perde", que é o cerne de tudo o que este presidente diz ou faz, do que a declaração de Trump de que, no futuro, os dólares de ajuda externa dos EUA fluirão somente para países amigos. Isso não apenas é uma medida politicamente míope que irá minar a posição global de Washington e seu papel de liderança, mas  também uma renúncia à decência humana.

Se há algo de positivo no discurso de Trump – e isso é muito improvável -, então que talvez outros membros democráticos da comunidade internacional tenham agora percebido que, até que este presidente deixe a Casa Branca, eles terão que preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos.

Essa é uma tarefa difícil, mas que pode ser possível, porque Trump isolou seu país internacionalmente. O presidente e suas políticas são profundamente impopulares em várias partes do mundo. Isso foi novamente comprovado nesta terça-feira pela maneira como o público reagiu durante seu discurso. Mas não gostar de Trump não é suficiente. Se a comunidade internacional não quer uma ordem global na qual apenas os países mais poderosos tenham voz, ela precisa proteger organismos internacionais, como a ONU.

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