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A nova geração de ditadores na América Latina

DW Quadriga - Johan Ramírez
Johan Ramírez
12 de janeiro de 2022

Se no passado eles vestiam verde-oliva e recorriam a golpes e ao poderio militar, hoje déspotas latino-americanos ironicamente garantem sua sobrevivência por meio de mecanismos do sistema democrático, opina Johan Ramírez

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Caricatura mostra Daniel Ortega pisando sobre a oposição, ao lado da palavra Nicarágua
"Ortega é uma prova viva de que, sem golpes de Estado e por meio de eleições também se pode ser um ditador"

Os ditadores latino-americanos aprenderam a se adaptar. Eles perceberam que, para sobreviver no século 21, precisavam se renovar, se maquiar, se disfarçar de mil maneiras e, acima de tudo, deixar de lado as revoltas de quartel. É por isso que os tiranos que hoje governam as nações mais pobres da região não vestem mais verde-oliva. Eles não impõem mais seus regimes com balas de fuzil, como em décadas passadas.

Desde o início do milênio, e por ironias da vida, eles têm usado mecanismos democráticos para construir seus totalitarismos modernos à vista de todos. Eles recorrem sobretudo a três instâncias: eleições, órgãos internacionais e processos regulamentados. Ao manipular esses mecanismos a seu bel-prazer, eles se fortaleceram sem resistência.

Democracia de faz de conta

Prova disso é o que estamos testemunhando na Nicarágua: no último domingo (09/01), uma Assembleia Nacional fraudulenta começou seus trabalhos, e no dia seguinte, o ditador Daniel Ortega tomou posse para um novo mandato de cinco anos. Mas, ao contrário das ditaduras clássicas que semearam o terror na América Latina nos anos 1970 e 80, Ortega e sua Assembleia assumem o poder por mandato das urnas.

É claro que foram urnas manipuladas, que em novembro disseram o que Ortega queria que elas dissessem. Porque ele usou as instituições do Estado para purgar as listas eleitorais, removendo da corrida aqueles que, em uma verdadeira democracia, teriam arrancado o poder dele graças ao voto popular.

Ele usou o Judiciário para colocar os adversários na cadeia, para perseguir jornalistas inconvenientes e para banir organizações civis que denunciavam seus abusos. E usou o direito democrático ao voto para criar um parlamento a seus moldes e para ser eleito para mais um mandato. Ortega é uma prova viva de que, sem golpes de Estado e por meio de eleições também se pode ser um ditador.

Apoio de fora

Mas manipular o sistema doméstico não seria suficiente. Os autocratas dos dias de hoje também aprenderam a usar organizações internacionais a seu favor. A Venezuela chavista deixou claro que, contanto que tenha dinheiro, pode comprar apoio em encontros de cúpula para bloquear processos que vão contra ela.

Afinal, muitas pequenas ilhas caribenhas precisam de alguém que lhes ajude a construir uma estrada, um hospital ou uma central elétrica. Chávez fez isso apresentando-se sempre como um humanista solidário, mas garantindo em troca que esses países, junto com alguns aliados ideológicos, vetassem repetidamente resoluções que de outra forma impediriam a consolidação de seu poder absoluto e, com ela, a transformação da antiga potência petrolífera num império da miséria.

Para fazer um contraponto a organizações históricas, inventaram a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) e a Unasul, e depois uma dúzia de espaços e fóruns partidários nos quais disfarçam o despotismo para se reivindicarem como líderes dos "países não alinhados".

Enquanto isso, as democracias conservadoras e arcaicas, ainda acreditando nessas instâncias, convocam suas assembleias gerais para redigir declarações inúteis condenando crimes e abusos, textos longos e sonsos que não levam a lugar algum. 

Processos de fachada

As ditaduras modernas acrescentam um terceiro elemento aos dois anteriores: o dos processos regulamentados. Como os para investigar alegações de detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais dentro de suas forças de segurança. São investigações que podem levar uma vida inteira, mas isso não é culpa de ninguém: é o tempo que leva o devido processo. E enquanto os resultados não chegam, as vítimas voltam a ser vítimas.

E, para melhorar sua imagem, as ditaduras criam órgãos de direitos humanos, nomeiam ouvidorias e colaboram com o Tribunal Penal Internacional em Haia. Mas fazem tudo isso enquanto protegem os torturadores, zombam dos mortos e enchem suas prisões clandestinas com prisioneiros políticos.

Mesmo assim, as democracias continuam a dar uma chance aos déspotas, criando missões de observação e grupos de contato, como se os assassinos tivessem essa coisa nobre que chamamos de boa-fé.

Para sempre impunes

Ao manipular a democracia, os ditadores conseguiram se adaptar e sobreviver por tempo suficiente para Fidel morrer de velhice e Chávez de câncer; Raúl Castro simplesmente se aposentar; Maduro engordar no Palácio de Miraflores e para Ortega se enraizar na Nicarágua, prometendo nunca desistir do poder.

Ortega não precisa invadir prédios do governo ou usar tanques de guerra. Ele usa o que ditadores que outrora derrubaram revolucionários como ele temiam tanto: eleições.

Os novos ditadores vestem gravatas e participam de cúpulas internacionais, dando tempo ao tempo, convencidos de que serão intocáveis até o fim e de que, graças à democracia, esta geração de ditadores viverá para sempre impune.

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Johan Ramírez é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.