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OMC inicia processo de sucessão em meio a "crise existencial"

30 de janeiro de 2013

Lançada há 12 anos, a Rodada Doha para liberalização do comércio mundial pouco avançou, levando vários países a optar por acordos fora da OMC. O ano de 2013 será decisivo para a organização e seu novo presidente.

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Foto: picture-alliance/dpa

Roberto Carvalho de Azevêdo, Anabel González, Herminio Blanco, Mari Elka Pangestu, Taeho Bark, Amina Mohamed, Alan John Kwadwo Kyerematen, Tim Groser, Ahmad Thougan Hindawi – ao menos por enquanto, esses são nomes conhecidos somente por quem é do meio. Mas, ainda este ano, um deles irá suceder ao francês Pascal Lamy no posto de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Antes disso, os nove candidatos deverão apresentar suas ideias para o futuro da organização. O processo de escolha é uma verdadeira maratona, que teve início no final de janeiro e pode durar até três meses, mas ele não é nada se comparado ao que aguarda o escolhido depois da posse no cargo: nada menos que salvar a OMC da crise existencial pós-Doha.

Adeus, Doha!

Em 2001, os Estados-membros da OMC ainda olhavam ambiciosos e otimistas para o futuro. Em Doha, capital do Catar, eles lançaram as bases para uma nova rodada de negociações – a chamada Rodada Doha. O objetivo era ambicioso: conceder livre acesso ao mercado mundial a todos os países participantes e fortalecer o comércio internacional por meio da redução de tarifas alfandegárias e outras barreiras comerciais, contribuindo, assim, para a prosperidade de todos.

Sobretudo os países em desenvolvimento deveriam beneficiar-se dos novos planos da OMC. A capital do Catar seria o símbolo de uma nova ordem livre e justa do comércio internacional. Em vez de tudo isso, Doha gerou frustração e estagnação. Até 2005, os países envolvidos pretendiam concluir as negociações sobre esse pacote gigante de reformas. Oito anos depois, nada aconteceu.

Roberto Azevedo
Brasileiro Roberto Azevêdo concorre ao cargo de diretor-geral da organizaçãoFoto: Elza Fiuza/ABr

"Todo mundo sabe que a Rodada Doha está morta, mas ninguém quer dizer isso em voz alta", considera Simon Evenett, especialista em OMC da Universidade St. Gallen, na Suíça. Especialmente os países em desenvolvimento, em particular os países agrícolas, têm interesse em que a Rodada Doha continue em andamento. "Mas o problema é que eles não sabem como podem influenciar o processo de negociação de forma a ganhar o apoio dos EUA e de outras potências", diz Evenett. Sua conclusão: Doha é como um zumbi, nem morta nem viva.

Opiniões divergentes

O maior ponto de discórdia é a agricultura, que levou a uma divisão entre os países industrializados e as nações em desenvolvimento. Os países ricos devem abolir os subsídios que concedem a seus agricultores? Os países em desenvolvimento podem cobrar tarifas de importação para proteger seus próprios produtos?

O problema fundamental é a complexidade de Doha – mais de 20 temas devem ser tratados num pacote completo: produtos agrícolas, bens industriais e serviços deveriam ser liberalizados de forma geral. Além disso, há ainda propostas de reforma de processos de votação e medidas regulatórias em questões de formação de cartel ou investimentos estrangeiros.

"Além disso, os países-membros, na época 155, optaram pelo princípio do single undertaking [compromisso único], ou seja, todos os itens de discussão da rodada devem ser aprovados de forma conjunta." Isso torna a situação ainda mais difícil, "porque todos têm que estar de acordo", diz Ricardo Meléndez-Ortiz, do Centro Internacional para o Comércio e Desenvolvimento Sustentável. Até hoje, a OMC não conseguiu corrigir tal falha.

Comércio mundial sem OMC

A estagnação na Rodada Doha criou, nos últimos anos, um modelo alternativo para os acordos multilaterais na OMC. Um número cada vez maior de países fechou acordos bilaterais fora da jurisdição da organização. Uma rede de acordos de livre comércio espalhou-se pelo mundo, sendo quase impossível ter uma visão geral deles. O problema desse sistema é que as partes interessadas podem recorrer somente às próprias habilidades de negociação.

Apesar de muitos desses acordos bilaterais basearem-se na legislação da OMC, são as partes interessadas que determinam as regras – o que pode prejudicar o equilíbrio de poder. "Negociações entre um país economicamente mais forte e outro mais fraco poderiam provocar relações injustas, porque o mais forte é capaz de exercer mais influência e pressão. E é justamente por isso que precisamos da OMC e da abordagem multilateral", afirma Meléndez-Ortiz. Somente no contexto das regras da OMC países menores e mais fracos estariam protegidos, completa Evenett.

Nova era

Para os especialistas, já está, portanto, mais do que na hora de mudar alguma coisa, de retomar as negociações e buscar soluções conjuntas."Não podemos esperar mais dez anos. Isso vai enterrar o futuro da organização. Os países-membros terão de aceitar que a Rodada Doha não é mais negociável, que é preciso elaborar um novo pacote. E quanto mais cedo, melhor", diz Evenett. Para isso, é preciso haver concessões políticas de todos os lados, considera.

A solução poderia estar no detalhe. "Cada vez fala-se mais que não se trata somente de um pacote", aponta Christian Tietje, professor da Universidade Martin Luther em Halle, no leste da Alemanha. Segundo o especialista, não se diz isso abertamente, mas todos já perceberam que, com a Rodada Doha, foi dado um passo maior do que a perna.

Philippinen Demonstration gegen WTO Treffen in Manila Masken
Manifestação nas Filipinas contra a OMCFoto: AP

"Então, a partir do pacote global, tenta-se encontrar soluções individuais para áreas específicas, consideradas essenciais para o desenvolvimento do comércio mundial, como questões técnicas no desembaraço aduaneiro", exemplifica Tietje.

"O princípio do 'single undertaking' também deve ser reconsiderado. Atualmente, estão sendo negociadas opções por meio das quais uma 'massa crítica', ou seja, somente alguns países-membros da OMC poderão fechar acordos plurilaterais", afirma Meléndez-Ortiz. Como na OMC vota-se através do consenso, os países que não querem participar desse acordo também terão de aprová-lo, mas "esse é um dos poucos instrumentos que restaram para se conseguir um avanço".

Tal acordo plurilateral deve, no entanto, preencher alguns requisitos, ressalta Meléndez-Ortiz. "Ele deve estar aberto a todos que desejarem participar dele mais tarde e deve respeitar o princípio da nação mais favorecida." Essa cláusula consiste na determinação de que qualquer vantagem político-comercial concedida a um dos países pertencentes à OMC tem, obrigatoriamente, que ser concedida aos demais países da organização.

De olho em Bali

As chances de que agora uma mulher assuma, pela primeira vez, a liderança da OMC são maiores do que nunca – afinal, três mulheres experientes candidataram-se ao cargo. E também a origem dos candidatos permite supor que a OMC está ao menos se esforçando por uma mudança de imagem. Oito dos nove candidatos vêm de países considerados em desenvolvimento pela OMC.

Até agora, todos os diretores-gerais, exceto o tailandês Supachai Panitchpakdi, vinham de países industriais. Mas independentemente de quem suceder a Lamy, as principais decisões são tomadas não pelo diretor-geral, mas pelos membros da conferência ministerial.

A próxima conferência acontecerá no final de 2013 em Bali. Na ilha indonésia, o "nó de Doha" deverá ser finalmente desatado, chegando-se a uma solução para o atual gargalo nas negociações. Afinal, como destacam os especialistas, já está mais do que na hora para isso.

Autora: Rayna Breuer (ca)
Revisão: Luisa Frey / Alexandre Schossler