Olhares preocupados para a Rússia
1 de novembro de 2003Até agora, Berlim evitou posicionar-se, após a prisão de Mikhail Khodorkovsky, o subseqüente bloqueio de grande parte das ações da empresa petrolífera Yukos e a demissão do chefe de gabinete do Kremlin, Alexander Voloshin. Thomas Steg, porta-voz do chanceler federal Gerhard Schröder, declarou que "o governo alemão espera que os fundamentos do estado de direito continuem sendo observados e vai acompanhar o desenrolar dos acontecimentos na Rússia com a maior atenção".
Na quinta-feira (30/10), a Justiça russa mandara confiscar grande parte das ações da empresa petrolífera Yukos, cujo maior acionista é Mikhai Khodorkovsky, preso cinco dias antes sob a acusação de fraude e evasão fiscal. Poucas horas depois, o presidente Vladimir Putin demitiu da chefia do gabinete do Kremlin Alexander Voloshin, último remanescente da era Yeltsin em sua administração. Substituiu-o por um homem de sua confiança, Dimitri Medvedjev.
Contrastando com a reticência das fontes oficiais, Guido Westerwelle, presidente do Partido Liberal, da oposição, instou neste sábado (01/11) o chefe de governo e o ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer, a intervirem "diretamente e sem reticências" junto ao presidente Putin, diante da "evidente deterioração do estado de direito" naquele país, "deixando claro que a cooperação alemã-russa vai ser prejudicada".
Ceticismo frente à "democracia dirigida"
Não são poucos os analistas que reagem com preocupação às notícias que chegam de Moscou nos últimos dias. "Putin instalou um regime autoritário, em que o papel principal não cabe ao Executivo, Legislativo e Judiciário, e sim ao serviço secreto. O estado de direito e a economia de mercado são indiferentes a esse regime, quando o poder está em jogo. [...] O país, rico em matérias-primas, mísseis e reatores, continua sendo um risco para o resto do mundo", opina o diário Die Welt.
"A democracia está ameaçada?", pergunta o jornal berlinense Der Tagesspiegel, para responder em seguida com outra pergunta: "que democracia? A Rússia não é uma sociedade civil, o próprio Putin qualifica o sistema de ‘democracia dirigida’. O estado de direito é dirigido, a economia também. Pelo menos quando se trata de setores de relevância para o poder, tais como o petróleo, os bancos e a mídia".
O fato de o sucessor de Alexander Vosloshin não provir do serviço secreto não serve necessariamente para tranqüilizar. A maior qualidade de Dimitri Medvedjev é "sua lealdade incondicional a Putin", mas ele não tem nenhum peso político, argumenta o Kölner Stadt-Anzeiger, duvidando que ele consiga se impor perante os siloviki, que compõem a poderosa aliança formada por serviço secreto, polícia e militares, e contra os quais o próprio Voloshin foi impotente. "Putin ainda não entendeu que está conduzindo a Rússia a uma profunda crise", teme o jornal de Colônia.
Confiança dos investidores ameaçada
O confisco de ações e a prisão de um empresário não podem se repetir, advertiu Juliane Kock, da Confederação da Indústria Alemã (BDI). O empresariado alemão confia na promessa feita por Putin de que as privatizações de empresas russas não serão canceladas, mas "estamos observando a situação com um espírito muito crítico", acrescentou. Até agora, a Alemanha, maior investidor estrangeiro na Rússia, teria feito boas experiências com a estabilidade no país. Mas, se um caso como o da Yukos se repetir, "a confiança dos investidores a longo prazo pode ser debilitada", reforçou a representante da BDI.