O que são e como surgem as zoonoses?
21 de julho de 2020Entre 60% e 70% de todas as doenças infecciosas são originárias de animais. "O sarampo também é uma delas", explica Isabella Eckerle, diretora do centro de novas doenças virais dos Hospitais Universitários de Genebra (HUG). "Acredita-se que a domesticação de animais vários milhares de anos atrás tenha feito com que o vírus do sarampo passasse para os seres humanos". Segundo Eckerle, é provável que muitos vírus tenham um passado como esse.
Atualmente, sabe-se da existência de cerca de 200 zoonoses, mas o número vem aumentando. Vírus, bactérias, parasitas ou príons desencadeiam zoonoses. Raiva e tuberculose estão entre elas, mas também o HIV e a toxoplasmose, que é transmitida por gatos, ou a peste, uma das piores zoonoses do mundo.
No século 14, a peste, que é transmitida por pulga de ratos, matou mais de 50 milhões de pessoas. Apesar de erradicada na Europa, esta doença infecciosa ainda é devastadora em algumas regiões da África, Ásia e Américas. Madagascar, por exemplo, registrou 120 mortes por peste em 2017.
Várias vias de transmissão
Uma zoonose pode se espalhar não só através do contato direto dos animais com os seres humanos, mas também ao ser transportada pelo ar ou por alimentos contaminados. Tais patógenos podem ser encontrados em produtos de origem animal, como leite, carne ou ovos. Se os alimentos não são suficientemente aquecidos ou caso sejam preparados em condições insalubres, podem se tornar uma fonte perigosa de infecção. É assim que doenças como Salmonela se propagam com facilidade.
Animais selvagens
Outra variante são os chamados vetores. Eles transportam o patógeno do hospedeiro para os humanos, mas não adoecem. Carrapatos são um exemplo típico. Ao morderem, pode acontecer de eles transmitirem os patógenos da chamada encefalite do carrapato e da doença de Lyme para os seres humanos. Mosquitos também são vetores. Alguns deles transmitem malária, outros, por exemplo, doença do sono.
Desde a Sars, em 2003, pelo menos, que pesquisadores vêm estudando animais selvagens responsáveis pela difusão de várias doenças. Roedores e morcegos se tornaram o foco dos cientistas.
"Existem muitas espécies de morcegos e mais de mil espécies de roedores que carregam patógenos. É claro que sempre existem aqueles que permanecem em seu hospedeiro original, mas também existem os que infectam seres humanos", aponta Eckerle.
Produto do homem
A globalização, o comércio global e o desejo de viajar aproximaram pessoas de diferentes culturas e continentes. E precisamos de mais e mais espaço e matérias-primas. Nós devastamos florestas tropicais, destruímos ecossistemas e, assim, privamos muitos animais selvagens de seus habitats. "A antiga fronteira natural que havia entre humanos e animais exóticos já não existe mais", afirma Eckerle.
Muitas novas zoonoses surgem devido a um desequilíbrio no ecossistema. "Quando há um ecossistema intacto com muitas espécies diferentes de animais, um vírus tem pouca oportunidade de mudar de hospedeiro e saltar diretamente para os seres humanos", explica a cientista.
Animais de exploração e animais de estimação
Nem mesmo em nossos entornos estamos imunes a patógenos perigosos. O gado, por exemplo, é hospedeiro intermediário. Uma vez que um patógeno tenha conseguido penetrar num rebanho, é provável que também dê o próximo passo, entre no corpo dos seres humanos e possibilite assim a infecção de humano para humano.
Mas não só os animais de fazendas, como também os animais de estimação, como cães e gatos, podem ser uma fonte de zoonoses. A toxoplasmose, uma doença perigosa transmitida por gatos, é um exemplo. "Existem várias bactérias e parasitas que podemos adquirir de animais de estimação. Essas zoonoses, no entanto, nós conhecemos muito bem, pois estudamos animais de estimação há muito tempo", disse Eckerle.
A virologista enfatiza que o risco é controlável. Bastaria, por exemplo, não deixar que os animais durmam na cama com seus donos e lavar as mãos com frequência.
Perigos em particular
"Acho que as zoonoses mais comuns são aquelas sobre as quais não ouvimos falar muito, porque não passam de pessoa para pessoa. Para a pessoa infectada, geralmente é trágico ou grave, mas para a população como um todo, não é um grande risco ", explica Eckerle.
Afinal, muitos patógenos têm pouco potencial de passarem de uma pessoa para outra. Tais zoonoses podem ser contidas de maneira muito eficaz, pois os médicos podem testar as pessoas com relativa facilidade. A situação é diferente quando ocorre uma pandemia, como no caso da covid-19. "Agora é o coronavírus, mas talvez, dentro de alguns anos, seja um outro vírus. O problema é muito mais o que fazemos com isso", resume.
É preciso esclarecer a população sobre como se manter longe de animais selvagens ou patógenos. "Precisamos garantir que os ecossistemas sejam preservados", salienta. "É uma situação semelhante à mudança climática. Sabemos que não podemos continuar assim e que precisamos tomar medidas urgentes. Mas, por alguma razão, não conseguimos e não levamos isso a sério até que seja tarde demais".