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O que querem os misóginos que ameaçam Maria da Penha?

Nina Lemos
Nina Lemos
11 de junho de 2024

Ativista, assim como a lei que leva o seu nome, significa justiça e respeito às mulheres. Tudo o que machistas extremistas odeiam e querem destruir. Não conseguirão.

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Mulher com a boca fechada com fitas colantes tapa os olhos com a mão e tenta afastar agressor
Não é nada incomum que mulheres vítimas de violência e abusos sejam "revitimizadas" em processos de abusoFoto: Sorapop Udomsri/PantherMedia

Parece até enredo de filme: uma mulher, depois de sofrer inúmeras agressões e duas tentativas de assassinato por parte do seu então marido, fica paraplégica por conta dos crimes, mas não baixa a cabeça. Ela vai à luta. E sua batalha por justiça é tão forte e importante que ela passa a dar nome a uma lei que criminaliza a violência doméstica contra a mulher. E muda, para melhor, os direitos das mulheres em todo o país.

Falo de Maria da Penha Maia Fernandes, essa ativista incrível que dá nome à Lei Maria da Penha. Essa mulher devia ser celebrada como a heroína que é e hoje, aos 79 anos e ainda lutando à frente do instituto que leva seu nome, deveria receber apenas nossas homenagens, honrarias e respeito.

Mas não. Na semana passada, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, confirmou que Maria da Penha seria incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Ceará após receber ataques e ameaças online por parte de fanáticos da extrema direita, aí incluídos incels, red pills e outros tipos de odiadores de mulheres.

"É inaceitável que Maria da Penha esteja passando por esse processo de revitimização ainda hoje no Brasil, 18 anos após ter emprestado seu nome a uma das leis mais importantes do mundo para a prevenção e o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres", afirmou a ministra. É mesmo.

Fake news

Os ataques não acontecem do nada. Eles seguem uma lógica bem comum aos ataques feitos por milícias digitais. No fim do ano passado, o agressor de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveros, que foi condenado a oito anos de prisão por tentar matá-la e já cumpriu a pena, entrou com um pedido de revisão do caso, alegando que era inocente e vítima de um processo com erros.

Junto a isso, correm nas redes sociais várias teorias de que Maria da Penha teria sido vítima de um assalto e não de um crime praticado por Viveros. O Ministério Público do Ceará rechaça essas afirmações: "O processo ocorreu com toda a possibilidade de contraditório e ampla defesa, de ambas as partes. Mediante análise das provas, a Justiça determinou que o ex-marido de Maria da Penha cometeu dupla tentativa de homicídio contra a vítima". Falo de instituições sérias da lei e do Estado de Direito. Ele foi condenado. O Ministério Público afirma que o julgamento cumpriu todos os ritos e foi correto. Fim.

Mas, em tempos em que a verdade vale tão pouco e o ódio anda em alta, sites e canais ligados à extrema direita do Brasil passaram a levantar suspeitas sobre o processo. Maria da Penha seria uma grande mentirosa. E seu agressor, a vítima. Na narrativa espalhada pelos porões da internet, Maria da Penha virou uma vilã, uma mulher horrível, que teria armado contra um "pobre homem".

Esse não é um procedimento novo em tempos de fake news (e repito que me atenho aqui às decisões da Justiça e não a histórias fantasiosas).

Também não é nada incomum que mulheres vítimas de violência e abusos sejam "revitimizadas" em processos de abuso. De vítimas, elas passam a mulheres malvadas que inventaram coisas, a loucas (e outros tantos clichês misóginos usados contra mulheres).

O motivo de tanto ódio

A história de Maria da Penha é antiga. Ela sofreu as tentativas de homicídio em 1983. Mas sua força ainda é enorme. E por isso mesmo, ela é atacada. Como ela ousou lutar por justiça? Quem essa aí pensa que é?

Além disso, existe também, obviamente, um ataque à Lei Maria da Penha. Colocar em xeque a honestidade da ativista que nomeia a lei é uma tentativa clara de desacreditar a lei Maria da Penha.

Fora isso, ameaçar matar a ativista Maria da Penha não deixa de ser uma maneira simbólica de tentar acabar com uma lei tão boa para as mulheres e tão ruim para seus odiadores.

Afinal, para quem gosta de agredir mulheres impunemente, essa lei é um problema e tanto, não? O que eles querem? Agredir mulheres sem pagar pelos seus crimes? Que mulheres não tenham o "privilégio" (sic) de se defender de seus maridos ou namorados abusadores? A volta do "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher?" Os mais radicais, sim. No X (antigo Twitter) há vários comentários nesse sentido. "F* Maria da Penha, eu vou dar na cara dela assim mesmo", diz um sujeito. Ele está falando da ativista ou da lei? Acho que das duas.

Num país onde várias mulheres feministas são ameaçadas de morte, não surpreende que o mesmo aconteça com Maria da Penha. Mas quão violento é isso?

A ativista, vamos lembrar, volta a ser vítima de crimes misóginos, mais de 40 anos depois de sobreviver a duas tentativas de feminicídio, quando é atacada online (ameaça e difamação são crimes, embora muitos ignorem esse fato).

Mas até dá para entender o motivo de tanto ódio. Maria da Penha (a ativista e a lei) significam respeito e justiça às mulheres. Tudo o que os misóginos mais odeiam e também querem destruir. Não conseguirão.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.