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O Egito vai abrir a passagem de Rafah para Gaza?

Jennifer Holleis
18 de outubro de 2023

Apesar da escalada do conflito, Egito resiste em abrir sua fronteira e permitir a entrada de ajuda em Gaza.

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Pessoas agitam bandeiras egípcias ao lado de um comboio de caminhões que transportam ajuda humanitária aos palestinos, enquanto esperam por um acordo sobre a passagem da fronteira de Rafah para entrar em Gaza, em meio ao atual conflito entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, no cidade de Al-Arish na península egípcia do Sinai, Egito, em 15 de outubro de 2023.
Ajuda humanitária pronta para entrar em Gaza a partir do Egito através da passagem de RafahFoto: REUTERS

A passagem da fronteira de Gaza com o Egito,  a única que liga o enclave a um país que não seja Israel, poderia se tornar a tábua de salvação para as pessoas que vivem no território palestino – isso se ela for realmente aberta.

Nesta quarta-feira (18/10), o governo israelense, que mantém um cerco à Faixa de Gaza, informou que não vai impedir a passagem de ajuda humanitária via Egito, mas não está claro como esse processo deve ocorrer. Os israelenses exigem que os caminhões sejam inspecionados antes de entrarem no território palestino e o Egito, que também mantém um bloqueio a Gaza, não informou quando ou se efetivamente vai permitir a abertura da passagem.  

No momento, centenas de caminhões carregados com medicamentos, alimentos, água e ajuda humanitária aguardam no lado egípcio da passagem de Rafah, que une o extremo sul da Faixa de Gaza com a Península do Sinai. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há suprimentos para até 300 mil pessoas prontos para entrarem a qualquer momento.

A ajuda é urgentemente necessária, ressaltou a OMS na terça-feira (17/10), uma vez que o cerco de Israel a Gaza limitou o abastecimento de água, alimentos e combustível.

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Ambulâncias e equipes de ajuda humanitária aguardam perto da passagem de Rafah, em meio ao atual conflito entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em 16 de outubro de 2023.
Se o Egito decidir abrir a passagem de Rafah, ambulâncias poderão chegar à fronteira em poucos minutosFoto: REUTERS

Apelos por um corredor humanitário

Os países ocidentais, sobretudo os Estados Unidos, têm tentado intermediar a entrada de bens humanitários em Gaza em troca da permissão de entrada de palestinos no Egito. No lado palestino da fronteira, milhares de pessoas, algumas com dupla cidadania, aguardam há dias na esperança de uma passagem segura para o Egito.

Os EUA, principal aliado de Israel, têm pressionado Cairo a abrir a passagem da fronteira, oferecendo em troca o alívio da dívida. Atualmente, o Egito enfrenta uma escassez de moeda estrangeira, ao tempo que o valor de sua própria moeda caiu pela metade no último ano.

A única saída da Faixa de Gaza

Ainda não está claro quantos palestinos conseguiriam entrar no Egito. Numa declaração feita no sábado, o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, aumentou ainda mais o grau de incerteza ao dizer que "não haverá migração de Gaza para o Egito".

Numa coletiva de imprensa em Berlim –  onde também estava presente o chanceler federal alemão, Olaf Scholz – o rei jordaniano, Abdullah 2º, tratou de deixar claro na terça-feira que nem a Jordânia nem o Egito irão acolher mais palestinos.

O Egito tem mantido a passagem de Rafah fechada desde a escalada do conflito israelo-palestino com os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro, já que o ponto fronteiriço também tem sido alvo de bombardeios.

Num ataque sem precedentes, o Hamas – considerado uma organização terrorista pela União Europeia e países como Alemanha e EUA – matou pelo menos 1,4 mil pessoas, entre israelenses e estrangeiros, e sequestrou quase 200 indivíduos, a maioria deles civis. Israel respondeu com ataques aéreos na Faixa de Gaza, que as autoridades palestinas dizem ter matado pelo menos 2,7 mil pessoas e deixado mais de 10 mil feridos.

Palestinos aguardam perto da fronteira com o Egito
Milhares de palestinos, alguns com dupla cidadania, aguardam perto da fronteira com o EgitoFoto: Ibraheem Abu Mustafa/REUTERS

Egito tem "obrigação de ajudar"

Amr Magdi, investigador sênior da Human Rights Watch, apelou às autoridades israelenses para que revertessem a decisão de cortar o acesso a eletricidade, água, internet, combustível e alimentos em Gaza.

"Cortar ajuda e serviços vitais constitui uma punição coletiva contra a população civil de Gaza e custará mais vidas, e a fome como tática de guerra é proibida", disse ele à DW.

Magdi também instou o Egito a abrir a passagem de Rafah imediatamente: "O Egito não é parte deste conflito militar, mas é parte das Convenções de Genebra", disse ele, referindo-se ao tratado internacional sobre o direito humanitário que regula a condução dos conflitos armados a fim de amenizar o seu impacto.

"[O Egito] tem a obrigação de permitir e facilitar a entrega de ajuda, assim como tem a obrigação de permitir a entrada segura de civis em fuga. Israel, porém, tem a obrigação de permitir que esses civis retornem a Gaza assim que cessar a escalada militar."

Mada Masr, o último grande meio de comunicação independente do Egito, informou na semana passada que estavam sendo erguidos tendas e cordões de segurança ao longo de uma zona tampão de 14 quilômetros próxima à passagem de fronteira – um sinal de que o país estaria se preparando para a chegada de refugiados, apesar da retórica divergente do governo egípcio.

A passagem de Rafah é um dos três pontos de saída da Faixa de Gaza. Os outros dois pontos de passagem, em Erez e Kerem Shalom, levam a Israel e permanecem fechados.

Temores de entrada em massa da palestinos expulsos

"As autoridades egípcias temem que Israel esteja trabalhando num plano para reassentar os palestinos na [Península] do Sinai", disse à DW Simon Wolfgang Fuchs, professor associado de Estudos Islâmicos e do Oriente Médio na Universidade Hebraica de Jerusalém.

"O Egito rejeitou tal pedido durante décadas, e seria difícil transmitir [a questão] ao público egípcio agora, mesmo que [a abertura da passagem] fosse acompanhada por um extenso alívio da dívida por parte dos Estados Unidos", disse Fuchs.

Muitos egípcios ainda preservam na memória as imagens de 2008, quando habitantes de Gaza invadiram a passagem de Rafah em busca de alimentos e mantimentos após um bloqueio de meses. "Evitar tais cenas a todo custo é uma prioridade máxima para o Egito", avalia Fuchs.

Nesse sentido, o presidente egípcio,Abdel Fattah al-Sisi, insiste que sua responsabilidade maior é com a segurança nacional, apelando aos habitantes de Gaza para que permaneçam "firmes e em seu território". Seria difícil, afinal, distinguir entre os refugiados quem é ou não apoiador do Hamas.

Além disso, o Hamas compartilha laços históricos com a Irmandade Muçulmana, fundada no Egito na década de 1920. A organização islâmica foi banida em 2013, após al-Sisi ter deposto o então presidente Mohammed Morsi, que representava os interesses do grupo fundamentalista.

Ismail Haniyeh, do Hamas, faz declaração em vídeo.
Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, garantiu que "não haverá migração de Gaza para o Egito"Foto: Hamas Chief Office/ZUMA Pree Wire/picture alliance

Medo de desagradar os eleitores

"al-Sisi está equilibrando os interesses nacionais e regionais num momento crítico", explicou à DW Sanam Vakil, diretor do Programa para o Oriente Médio e Norte da África do think tank Chatham House, com sede no Reino Unido.

O país, que tem eleições presidenciais marcadas para dezembro, encontra-se atualmente em uma situação econômica difícil. A eventual abertura da passagem de Rafah, que permitiria a entrada de ajuda em Gaza e a entrada de palestinos no Egito, poderia, portanto, ser decisiva na campanha eleitoral.

Na sexta-feira, o líder da oposição que tinha mais chances de vencer, Ahmed Tantawy, anunciou sua decisão de desistir da corrida presidencial, após não ter conseguido o apoio necessário para registrar sua candidatura. Os outros três candidatos que entrarão na corrida para desafiar o titular foram anunciados na segunda-feira.

No entanto, analistas não têm dúvidas de que al-Sisi será reeleito para um terceiro mandato, que o manteria no cargo até 2030. "Embora a vitória [de al-Sisi] seja esperada, ele procura evitar o acúmulo de refugiados no Sinai a longo prazo", disse Vakil.