O drama dos refugiados na Macedônia
21 de agosto de 2015"Tudo terrorista desgraçado", xinga um policial macedônio que tenta, com uma lanterna, achar refugiados escondidos atrás dos vagões. Sempre à noite, quando o trem de Tessalônica para Belgrado atravessa a fronteira entre Grécia e Macedônia e para na pequena cidade de Gevgelija, é que começa a briga diária pelo melhor lugar.
Com passagens compradas, dois mil refugiados esperam na pequena estação ferroviária. Desses, só 200 podem seguir viagem. "São terroristas, o que mais podem ser? Vêm todos da Síria", resmunga o policial, irritado. Já seus colegas encaram a situação com mais tranquilidade. Apesar de estarem vestidos como se fossem conter uma manifestação, com capacetes, escudos e coletes blindados, a maioria dos policiais conversa, dando risadas entre um cigarro e outro.
Entretanto, há cerca de uma semana Gevgelija é palco de cenas nem um pouco engraçadas. Pessoas que fugiram de regiões conflitos em todo o mundo precisam lutar por um lugar nos trens completamente lotados. Crianças são entregues por entre as janelas – dependendo do êxito dos pais. A Macedônia está em estado de emergência.
Alguns já se armaram até mesmo de facas para conseguir passar, o que deixou vários feridos. Ultimamente, as autoridades macedônias estão fornecendo um documento aos refugiados, o que permite com que eles possam viajar ilimitadamente dentro das fronteiras macedônias com o transporte público local. O problema é que a permissão tem a validade de 72 horas. Depois disso, os migrantes devem deixar o país ou se candidatar para um visto de asilo – porém, ninguém quer se asilar na Macedônia. Assim, eles têm três dias para conseguir atravessar os 180 quilômetros até a Sérvia, ao norte.
O paquistânes Mohammed, de 25 anos, já gastou dois dos três dias de permissão. Sentado na beirada da plataforma do trem, ele está cercado de outros paquistaneses. Todos empreenderam uma viagem perigosa para chegar até aqui, passando por Irã, Turquia e, por fim, atravessando o mar em um bote inflável até a costa da Grécia.
Depois de tudo pelo que passou, Mohammed não se importa de ainda não ter se barbeado nem tomado banho durante a estada em Gevgelija. "Você não viu na TV o que está acontecendo no Paquistão? Dois meses atrás, o Talibã explodiu uma escola e matou um monte de crianças. Todas com oito anos, seis anos, totalmente inocentes", conta. O jovem refugiado não quer de forma alguma lançar mão da violência para conseguir um lugar no trem. A polícia tem dado preferência a famílias com bebês, e isso não o incomoda. "Não tenho nenhuma chance aqui", afirma.
Cidade sobrecarregada
Pessoas como Mohammed são, nos últimos dias, a melhor clientela de Angel Stanojkov. O taxista espera pacientemente em seu automóvel amarelo, com os alto-falantes tocando um pop americano em alto volume. Como praticamente todos os seus colegas de trabalho, Stanojkov espera até que um ou outro refugiado se canse de esperar na estação e finalmente coloque a mão no bolso para conseguir chegar mais rápido ao norte do país.
"Cobramos 100 euros para levar quatro pessoas até Tabanovce", explica o taxista. "O preço está dentro da normalidade, não estamos exagerando."
Próxima parada da chamada rota dos Bálcãs, Tabanovce é um vilarejo no norte da Macedônia, localizado a apenas dois quilômetros da fronteira com a Sérvia. "Nós os levamos eles até o posto da imigração", diz Stanojkov. "Porém, os refugiados descem antes e atravessam trilhas no meio do mato até a Sérvia."
A viagem dos migrantes até a Sérvia não desagrada nem um pouco à Macedônia. Mergulhado na pobreza, o país está sobrecarregado com os fluxos de refugiados que chegam da Grécia sem nenhum tipo de obstáculo. Estima-se que, diariamente, duas mil pessoas cheguem ilegalmente à Macedônia. O sistema de acolhimento dos refugiados já está em colapso há um bom tempo.
Isso é comprovado com a situação do alojamento de Gazi Baba, na capital Skopje. Sofrendo com superlotação há meses, o local está trancado – ninguém sai, ninguém entra. A organização de ajuda a refugiados Pro Asyl já se referiu ao local como um "alojamento prisional".
No fim de julho, Gazi Baba foi finalmente fechada. Desde então, as autoridades locais têm se valido de uma estratégia não muito criativa, mas pragmática, para resolver o problema: mostrar para os refugiados o caminho para a Sérvia e deixar os postos de imigração totalmente abandonados.
Questão de sorte
Mas o prefeito de Gevgelija, Ivan Frangov, quer resolver do seu jeito. Inspirado pela Hungria, o político está sugerindo a construção de uma cerca na fronteira entre Macedônia e Grécia. Frangov acusou recentemente os refugiados de sujarem a cidade, que ele diz ter sido largada pela União Europeia e pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
Porém, nem todo mundo em Gevgelija concorda com o prefeito. Muitos, inclusive, aproveitam a situação para ganhar dinheiro na cidade, antes um local pouco movimentado. Na estação ferroviária, as mesas de plástico estão lotadas. Por 1 euro, é possível comprar duas bananas, um pacote de pipoca ou uma garrafa de água. Carregar os celulares em uma das várias tomadas também custa o mesmo preço. E, claro, tudo sem recibo – o que não parece incomodar a polícia. Mas, aqui, é impossível fazer os "empresários" falarem com a imprensa.
Muitos moradores de Gevgelija se adaptaram à nova situação. Mas, segundo o taxista Stanojkov, também é possível ouvir algumas teorias da conspiração perto dali, nas calçadas e nos bares da cidade. "Algumas pessoas acham que os migrantes estão trazendo algum tipo de epidemia ou que estejam vindo para nos invadir", conta, esclarecendo que não compartilha dessas opiniões. Porém, ele tem algo a dizer sobre os motivos que fazem os refugiados chegarem até aqui. O taxista acredita que isso foi causado por um jogo sujo comandado pelos atores internacionais. "Deve ser coisa dos americanos, talvez dos europeus. A guerra na Síria não eclodiu do nada", especula.
Já o paquistanês Mohammed pouco se interessa pelos boatos. O refugiado aceita, sem problemas, o acordo tácito com as autoridades macedônias para continuar a viagem em direção à Sérvia e à Hungria. Ele também não ouviu nada sobre os rumores que dizem que a Hungria quer construir uma cerca na fronteira até o fim de agosto. Para Mohammed, é simples. "Muita gente foge para a Europa... e eu os sigo", diz.
Porém, a "verdadeira Europa" só entrará no vocabulário do paquistanês se ele conseguir um visto de asilo que possa dar a ele a esperança de uma vida melhor. "Se eu tiver sorte, chegarei à Alemanha", anseia, alimentando as expectativas de que possa encontrar um trabalho fixo e, assim, construir um futuro sólido. "Se eu tiver sorte", repete.