O dedo da China na crise no Zimbábue
16 de novembro de 2017Há muito, Zimbábue e China mantém uma "amizade à prova de tudo". Ela remonta à época dos movimentos independentistas na África, os quais Pequim apoiou nas décadas de 1960 e 1970, no espírito da ideologia maoísta de libertação e em concorrência com a União Soviética. Na então Rodésia, os chineses colocaram-se do lado do Zanu de Robert Mugabe, o antecessor do atual partido do governo, Zanu-PF.
Apesar das sanções impostas pela União Europeia e os Estados Unidos no início dos anos 2000, a China consolidou suas relações econômicas com o Zimbábue através de investimentos e subsídios, destacando-se em 2015 como principal parceiro comercial do país.
Como lembra o especialista em política de desenvolvimento Wang Xinsong, escrevendo para a revista online para a Ásia-Pacífico The Diplomat, esse entrelaçamento econômico estreito também se expressa na aceitação da moeda chinesa, o renmibi, como meio de pagamento no Zimbábue.
O mal-estar com Mugabe
Recentemente, porém, em face das lutas de poder pela sucessão do nonagenário Mugabe, Pequim começou a se perguntar o que será da estabilidade da nação africana e da segurança de seus próprios investimentos. Essas apreensões já haviam sido apresentadas ao então vice-presidente Emmerson Mnangagwa em junho de 2015, durante sua visita à China.
Segundo o jornal Zimbabwe Independent, os parceiros comerciais chineses alertaram o político sobre a necessidade de cuidar para um "clima de investimentos frutífero" e que se atentasse para os direitos de propriedade.
Ainda assim, em março de 2016 o governo em Harare anunciou a intenção de aplicar uma lei de 2008, para a assim chamada "indigenização e potencialização econômica", colocando a maior parte das firmas estrangeiras em mãos africanas.
O especialista em África Wang Xinsong interpreta o silêncio de Pequim sobre as manifestações de massa contra Mugabe, em abril, como uma crítica indireta à política do líder zimbabuano, especialmente à econômica, mas também a seu aferramento ao poder e ao alastramento da corrupção e do nepotismo no país, em geral.
Para certos observadores, Mnangagwa, deposto por Mugabe como vice-presidente em 6 de novembro, seria o favorito dos chineses como potencial sucessor do líder nonagenário. O político, apelidado "o Crocodilo", é um velho companheiro de luta e confidente próximo de Mugabe.
Só que ele atraiu a ira de Grace, a poderosa esposa do presidente, que tinha ambições de assumir o poder no país, junto a sua facção Geração 40, do Zanu-FP. Nesta quarta-feira (15/11), contudo, liderados pelo general Constantino Chiwenga, os militares se anteciparam, prendendo os integrantes da G40 e tomando o poder.
Visitas suspeitas à China
As especulações de que a China estaria informada sobre planos de um golpe de Estado foram alimentadas pela visita de Chiwenga ao país, na última sexta-feira, quando se reuniu com o ministro chinês da Defesa, Chang Wanquan. Após os militares assumirem o controle no Zimbábue nesta quarta-feira, mantendo Mugabe sob custódia, o Ministério do Exterior ter-se tratado apenas de um intercâmbio militar normal, por vontade recíproca dos dois países.
Na qualidade de nação amiga, a China acompanha os acontecimentos no Zimbábue com grande atenção, prosseguiu o órgão. "Esperamos que os partidos relevantes lidem de forma apropriada com seus assuntos internos", declarou o porta-voz, indicando que as demais perguntas sobre a visita do general fossem dirigidas ao Ministério chinês da Defesa. Este não se pronunciou, até o momento.
No entanto, as especulações não se referem só ao conteúdo das conversas de Chiwenga em Pequim, mas também a uma possível estada na China do ex-premiê Mnangagwa, aliado dos militares. Segundo meios de comunicação zimbabuanos e zambianos, logo em seguida a sua deposição ele teria viajada para a potência asiática.
Essa afirmação foi desmentida pelo Ministério do Exterior da China na quarta-feira, porém numa declaração tão ambígua, no original em chinês, que não fica claro se o desmentido se refere a uma permanência atual ou passada do ex-vice na China.
A reserva – ou vagueza intencional – dos chineses tem um motivo, escreve Wang Xinsong no The Diplomat: o que quer que Pequim diga sobre o Zimbábue é observado de perto por outras nações africanas, que a partir daí tirarão conclusões sobre seu próprio futuro.