Em 12 meses, a inflação no Brasil foi de 4,3% – taxa que, historicamente, é baixa. Mas o aumento nos preços dos alimentos chegou a 21% no mesmo período. É algo que salta aos olhos de quem vai às compras no Brasil. Só os preços nas lojas de construção aumentaram num ritmo tão acelerado.
A razão pela qual produtos tão diversos como arroz e óleo de soja, cimento e parafusos se tornaram tão caros em um período tão curto de tempo é a mesma: os preços das matérias-primas vêm subindo nos mercados mundiais há vários meses. E os agricultores e as mineradoras vendem para quem paga mais. Como resultado, os preços dos produtos comercializados no mercado interno se equiparam aos do mercado mundial. Resultado: alimentos e matérias-primas industriais ficam mais caros.
Novo superciclo
Essa tendência de aumento nos preços pode durar. Há muitos indícios de que a economia global está diante de um novo superciclo de matérias-primas. Há muitos motivos para isso.
Há indícios de que a economia mundial logo voltará a crescer significativamente. Por um lado, devido ao previsível fim da pandemia após o início da vacinação e, por outro, devido à vitória eleitoral de Joe Biden. Os investidores esperam menos tensões na política mundial com o presidente democrata dos EUA.
Além disso, as taxas de juros estão baixas, e os países industrializados continuarão tentando aliviar os danos causados pela pandemia com programas estatais de subsídios. Tudo isso vai estimular a economia e aumentar a demanda por matérias-primas.
Mas essa demanda encontra uma oferta limitada: na última década, as empresas investiram pouco em minas e fazendas, por causa dos preços baixos. Agora, os estoques da maioria das commodities estão historicamente baixos. Isso aumenta ainda mais os preços.
Índia pode ocupar papel da China
Há novos clientes no mercado mundial: a Índia pode desempenhar hoje o papel que a China desempenhava há uma década. A prosperidade crescente está elevando rapidamente no país a demanda por matérias-primas, como aço e cobre, mas também por soja e trigo.
A transição para a eletromobilidade e a adoção de novas tecnologias de baterias em todo o mundo estão estimulando a demanda por cobre, alumínio e zinco.
O superciclo de matérias-primas anterior ocorreu na economia mundial de 2003 a 2011. A China entrou no mercado mundial como um novo cliente e provocou um aumento dos preços das matérias-primas.
Na época, as economias da América do Sul experimentaram um enorme crescimento, com o Brasil à frente. Como a maioria dos seus países vizinhos, o Brasil é um dos maiores fornecedores mundiais de matérias-primas.
Tanto para o Brasil como para o restante da América Latina, um novo superciclo pode oferecer uma chance inesperada de recuperação econômica mais rápida – com alto risco: o fator decisivo será o sucesso dos Estados em usar de forma produtiva os fluxos de capital derivados das exportações de matérias-primas, em vez de financiar com eles o consumo e a corrupção.
O último boom de matérias-primas se esvaiu em grande parte, assim como os efeitos dele: este ano, a renda brasileira deverá cair para o nível mais baixo desde 2009. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) prevê que somente em 2030 a renda per capita atingirá de novo o patamar de 2013.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.