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"Ninguém deve sustentar regimes fascistas"

Soraia Vilela10 de fevereiro de 2003

Apos a apresentação de seu filme "Local Angel" no Festival Internacional de Cinema de Berlim o cineasta israelense Udi Aloni concedeu entrevista exclusiva à DW-WORLD.

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"Local Angel", de Udi Aloni, foi apresentado na BerlinaleFoto: Internationale Filmfestspiele Berlin

DW-WORLD –

Quais foram as reações a seu filme em Israel? A sua posição de defesa dos direitos civis dos palestinos pode ser considerada de um "outsider", ou a mídia simplesmente ignora que esta é umas das posturas defendidas por parte da população israelense?

Aloni –

A minha posição, hoje em dia, é realmente a de uma minoria no país. No passado, havia mais gente que pensava como eu. Inclusive acho que foi isso o que me levou a querer fazer esse filme: procurar saber mais sobre os fundamentos do nosso pensamento. Senti que o movimento pacifista em Israel não tinha bases fortes, porque se fala muito em paz, mas pouco em justiça e muito pouco sobre uma sociedade civil. E a esquerda fica todo o tempo tentando recrutar pessoas da direita, utilizando para isso uma terminologia de direita. Mencionam, por exemplo, "os atentados terroristas", esquecendo de que esses só aumentam como reflexo da pressão exercida por Israel.

Como a esquerda no país não tem fundamentos sólidos, muitas pessoas deixaram de participar dessas lutas. Apesar disso, muita gente gosta de ouvir o que tenho a dizer, de discutir comigo, pois não me vêem como "um perigo". Alguns dizem que perdi o senso de realidade. Por outro lado, quando o documentário foi mostrado na TV, alcançou uma das maiores audiências. A esquerda gosta de usar pessoas como eu para mostrar "como é bonita a democracia em Israel".

Somente para isso?

Acho que sim, pois quando palestinos fizeram Jenin, Jenin, que em suma é até menos radical que o meu filme, houve censura. Muita gente foi protestar em frente à Cinemateca, o que nunca aconteceu quando eu estava exibindo meu filme. Eles gostam de dizer "vejam, temos judeus que pensam assim, nós deixamos eles falarem", mas eles não são perigosos. Quando os palestinos falam, no entanto, não querem nem ver pela frente. Agora, a situação começa a mudar para pior. A direita está adquirindo mais poder, e estão partindo em busca de pessoas que se mantêm mais à esquerda. Até há pouco tempo, as pessoas ainda pensavam que meu filme seria uma parte legítima do discurso. Ficavam extremamente furiosos comigo, dizendo que eu não entendia nada, questionando por que fui me encontrar com Arafat, todas essas coisas, mas respeitavam. O que achei interessante, no entanto, foi que todas as pessoas abriram seus corações para o grupo palestino de hip hop mostrado no filme.

Você expõe em "Local Angel" duas posições diferentes: de um lado, a postura agressiva dos ocupadores israelenses, que são apenas mencionados, e a dos "rappers", que vêm com uma música forte, agressiva. Posições masculinas por excelência. Por outro lado, você tem uma série de mulheres extremamente fortes, muito racionais, convincentes em seus argumentos. Você concorda que existe no seu filme um antagonismo entre uma posição masculina ligada à agressão e uma posição feminina voltada à reflexão?

É interessante essa descrição de gênero que você faz. As mulheres são no filme realmente muito poderosas. Quanto aos rappers, acredito que eles de alguma forma pertencem à voz feminina. Eles são extremamente agressivos, mas escolhem o caminho contra a violência. O grande erro cometido por muitas pessoas ao falar em gênero é pensar em opostos. Não se trata de oposição, mas da diferença dentro da semelhança. Eu gosto dessa postura feminina que há no filme de um tipo diferente de maternidade, de não mais ver o homem que continua e a mãe que se sacrifica. Além disso, costuma-se ter em mente o hip hop como algo muito machista, agressivo. Em Nova York pode ser um movimento muito radical. Os rappers palestinos, ao contrário, tentam voltar às origens do hip hop. Eles são sentimentais e rejeitam esse machismo. Eu não faria uma separação de gêneros como essa em relação ao filme. Na sociedade israelense, no entanto, pode-se fazer uma observação interessante: nas ruas de Tel Aviv, a juventude tende a um visual andrógeno. É considerado cool, ocidental... Eles optam por isso, mas depois vão para o Exército e exercitam o oposto disso, o machismo. É interessante notar como os gêneros exercem papéis diferentes e intercedem dentro de uma sociedade como a israelense.

Você usa em "Local Angel" depoimentos de filósofos, ativistas, pessoas voltadas à reflexão. Por que você não incluiu também opiniões de "cidadãos comuns"?

Eu conheço uma série de documentários que mostram pessoas nas ruas dizendo o que pensam. Eu quis chegar à essência dos nossos problemas e por isso fui atrás de pessoas que pudessem entender o que acontece na região. É um filme sobre a situação e não um filme que descreve a situação.

Após a exibição do filme no festival, você convidou as pessoas presentes a condenarem e criticarem as posturas do premiê israelense Ariel Sharon. Na Alemanha, existe uma forte corrente de pensamento afirmando que os alemães não podem se permitir a criticar Israel...

Eu convido todos os alemães que gostam do povo judeu a condenarem Sharon. Não me refiro a pessoas que fazem isso movidos por alguma espécie de sentimento anti-semita. Não acho justo, no entanto, que pessoas que gostam do povo judeu sejam obrigadas a calar a boca para não serem chamadas de anti-semitas. Está muito claro que todo cidadão alemão que tiver responsabilidade suficiente para condenar Sharon deveria fazer isso pelo povo judeu.

Condenar um representante de Israel não deveria ser um tabu na Alemanha?

Não, porque o tabu na Alemanha pode ser usado para sustentar um regime fascista. E ninguém deve sustentar regimes fascistas por nenhuma razão deste mundo.