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Mulheres contam como sobreviveram a ataque russo na Ucrânia

Anna Pshemyska
16 de fevereiro de 2023

Bombardeio a prédio residencial em Dnipro deixou 46 mortos e mais de 80 feridos. Parte do edifício ficou em ruínas. Duas sobreviventes falam sobre a tragédia e como ela mudou suas vidas.

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Anastasia Shwez em meio ao que restou de seu apartamento após ataque russo em Dnipro
Foto de Anastasia Shwez em meio ao que restou de seu apartamento em Dnipro rodou o mundoFoto: Arsen Dzodzayev/Hromadske

O ataque russo contra a cidade de Dnipro, no sudeste da Ucrânia, em meados de janeiro foi um dos mais sangrentos neste quase um ano de guerra. Um míssil supersônico Kh-22 atingiu um prédio residencial, deixando ao menos 46 mortos e 80 feridos. Um mês após o ataque, cinco das vítimas continuam internadas. Dezenas perderam amigos, parentes e suas casas.

Anastasia Shwez, de 24 anos, é uma das sobreviventes do ataque que ocorreu em 14 de janeiro. Nesse dia, sua vida mudou para sempre: foi quando ela perdeu os pais, seu gato e seu lar – tudo ao mesmo tempo. Ainda é difícil para ela voltar ao local onde morou e que hoje está em escombros, mas ela quer contar o que passou.

"Sempre quando se fala sobre isso, alivia o coração, apesar de não ser possível mudar nada e ter que viver com isso", afirma Schwez.

Desde criança, a jovem morava com os pais no prédio atacado. Sua mãe, Natalja, trabalhava num banco, e seu pai, Maksym, era mecânico. Schwez e a mãe eram ativistas para a proteção de animais, especialmente gatos de rua. Elas alimentavam os gatos e buscavam lares para eles. Com o início da guerra, o pai perdeu o emprego e se voluntariou para construir bloqueios em estradas.

Buraco aberto em prédio residencial em Dnipro por míssil russo
Míssil russo derrubou parte de prédio residencial na quarta maior cidade da UcrâniaFoto: DW

Vida devastada após estrondo violento

Schwez conta que, no dia 14 de janeiro, depois do almoço, seus pais estavam na cozinha fazendo velas para enviar aos soldados que estavam nas trincheiras. Ela queria descansar, pois tinha que trabalhar numa padaria de noite. "Somente dez minutos depois de ter colocado o meu celular ao meu lado para dormir, ouvi um estrondo violento, foi como um terremoto", relata a jovem.

Quase toda a escadaria do prédio de nove andares ficou destruída, com exceção do térreo. Do apartamento de Schwez, que ficava no sexto andar, restou apenas o corredor e uma parte do quarto onde ficava a cama na qual ela estava deitada. "Comecei a telefonar para os meus pais, embora eu soubesse que não restava nada da cozinha", conta.

Schwez, então, rastejou a até a beira do buraco aberto no quarto e tentou chamar a atenção dos socorristas. A imagem desse momento circulou nas redes sociais. Ela ainda tinha esperanças de que os pais tivessem sobrevivido, mas, no dia seguinte, seus corpos foram encontrados nos escombros.

Desde a tragédia, Schwez vive como a avó e a tia. Ela continua afastada do trabalho, mas espera poder voltar logo. Ela conta que ruídos altos, o bater de portas e alarmes de alerta a assustam ao ponto de, às vezes, precisar de calmantes.

A perda dos pais não foi a sua primeira na guerra. Em setembro, seu namorado, Vladislav, que era soldado, morreu numa contraofensiva ucraniana na região de Kharkiv.  "Ainda não tinha digerido essa perda, e agora meus pais não estão mais aqui também. Agora carrego a tristeza por eles dentro de mim o tempo todo", conta a jovem, com os olhos cheios de lágrimas.

Segundo nascimento

A psicóloga Olha Botvinova sorri quando ouve "bom dia". Ela também morava com o marido, Jevhen, no prédio atacado em Dnipro, em seu apartamento no nono andar.  "Naquele dia, curiosamente, fizemos planos para os próximos seis meses. Foi um sinal de que não deveríamos morrer", acredita Botvinova hoje.

Para ela, o dia do ataque é como um segundo nascimento. Ela diz que é um milagre ter sobrevivido. "Estava no quarto, que não existe mais, trabalhando no meu laptop. De repente, meu marido me chama no cômodo ao lado. Vou até lá, e poucos minutos depois, acontece o que aconteceu."

Quando Botvinova e o marido voltaram a si, primeiro, quiseram descer as escadas, mas viram apenas um precipício atrás da porta do cômodo que ficou em pé. Ela tinha machucado a cabeça, e o marido, que é cirurgião, fez um curativo com uma camiseta. Então, eles pegaram uma lanterna para sinalizar aos socorristas que estavam vivos. Poucas horas depois, foram resgatados.

Olha Botvinova
Para Olha Botvinova, milagre ocorreu no dia do ataqueFoto: DW

A agressão russa já mudou completamente a vida de Botvinova e Jevhen várias vezes. Eles são de Donetsk, e, em 2014, quando a guerra começou na região do Donbass, se mudaram para Kherson. Quando essa cidade foi ocupada pela Rússia, eles precisaram procurar novamente um novo lar. O casal fugiu para a região do país que estava sob controle de Kiev e se instalou no prédio que acabou destruído em Dnipro.

Um dia depois do bombardeio, Botvinova e Jevhen descobriram que sua antiga casa em Kherson foi destruída num ataque russo. "Esse é o nosso terceiro recomeço, mas estamos vivos, e a parte material virá com o tempo."

Eles vivem agora num apartamento disponibilizado por um casal que ofereceu ajuda às vítimas da tragédia. As roupas que vestem vieram de doações. Botvinova elogia a união e boa vontade da população. Seu marido voltou a trabalhar no hospital, e ela pretende dar em breve cursos de psicologia.

Vida que precisa seguir

Tanto Schwez quanto Botvinova dizem não querer desperdiçar seus pensamentos com quem disparou o míssil que atingiu seus lares. Botvinova ressalta que prefere pensar positivo para não "se vitimizar a vida inteira". Ela está desenvolvendo agora um projeto de apoio psicológico para vítimas da guerra.

Schwez diz que a raiva que sente não pode trazer seus pais de volta. A jovem está recolhendo doações para o Exército ucraniano, "para que nossos jovens aniquilem esse lixo do nosso território", afirma, se referindo aos invasores russos.

As duas sobreviventes do bombardeio em Dnipro dizem que suas vidas precisam seguir de alguma forma. "Preciso continuar a viver não só por mim, mas pelos meus pais, para que a sua vida não tenha sido em vão", destaca Schwez.

Já Botvinova sublinha que, o fato de ser uma sobrevivente deixou claro que ela não tem o direito moral de desistir. "Cada dia é um grande milagre e uma chance de continuar e viver. Eu tenho essa chance, ao contrário daqueles que estavam no nosso prédio, que tinham planos e crianças, mas não sobreviveram. Eu tenho essa chance e não posso desperdiçá-la."